VOLTAR

Acordo encerra greve de fome de bispo

O Globo, O País, p. 9
07 de Out de 2005

Acordo encerra greve de fome de bispo

Letícia Lins

Depois de mobilizar sertanejos, índios, políticos e provocar a Igreja Católica, o bispo da diocese da cidade baiana de Barra, dom Luiz Flávio Cappio, terminou ontem sua greve de fome, que durou 11 dias e já vinha lhe provocando dores no estômago, lapsos de memória e dificuldades respiratórias. Ele entrou em jejum voluntário em protesto contra a transposição das águas do Rio São Francisco.
O protesto foi interrompido depois de o bispo se reunir três vezes com o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, que entregou uma carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao religioso. Dom Luiz afirmou que encerrou sua greve porque na carta Lula prometeu revitalizar o rio antes de realizar a transposição. O ministro se encontrou a portas fechadas com o bispo, na capela onde ele fez o seu protesto, no sítio Bela Vista.
O primeiro encontro foi interrompido para o ministro conversar com o presidente por telefone. À tarde, houve mais duas reuniões, e às 17h10m foi anunciado o fim da greve.
A capela de São Sebastião, construída pelos próprios moradores do sítio, vinha se transformando em centro de romaria. As pessoas rezavam em volta da capela e até os índios faziam sessões repetidas de toré — ritual sagrado de índios em intenção de alguma causa — invocando a vida do bispo e a sobrevivência do Rio São Francisco.
Ministro quer marcar encontro de frei com Lula
Ontem, logo após anunciar o fim do protesto, o bispo foi até o centro de Cabrobó, a seis quilômetro do sítio Bela Vista, onde era aguardado ontem à noite para celebrar uma missa. O ministro comemorou o fim da greve.
— Eu acho que quem acredita, consegue um entendimento — disse Wagner.
O ministro também agendou um encontro do religioso com Lula, mas o bispo disse que a data será marcada oportunamente.
Segundo assessores do ministro, o governo se comprometeu a prolongar o diálogo sobre o projeto de transposição do rio São Francisco. O governo ainda prometeu trabalhar pela aprovação da emenda constitucional que cria o fundo de revitalização do rio, que prevê verbas de R$ 300 milhões ao ano, durante 20 anos.
Após suspender a greve de fome, dom Luiz fez um discurso para os fiéis que durante 11 dias acompanharam sua penitência, muitas vezes rezando. Quatro agricultores e um ambientalista que desde segunda-feira haviam decidido seguir o gesto do religioso ontem também suspenderam seu protesto.
Colaborou Cristiane Jungblut

Secretário-geral da CNBB diz que espera que essa moda não pegue
Luiza Damée Adauri Antunes Barbosa
O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Odilo Scherer, disse ontem que a Igreja Católica não condena a greve de fome, mas não aprovou o gesto extremo do dispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, que prometeu manter o jejum até a morte, caso não fosse atendido.
— Sinceramente, espero que essa moda não pegue — afirmou Dom Odilo.
Dom Odilo afirmou que a atitude de dom Luiz pegou de surpresa a Igreja e foi decidida de forma isolada. Mas, segundo ele, é possível tirar uma lição positiva do protesto, como a maior divulgação do projeto de transposição das águas do rio São Francisco e a retomada do debate da questão.
Ele explicou que na Igreja Católica o jejum pode ser feito por vários motivos, inclusive como pressão por causas consideradas nobres. O bispo disse que, no caso de dom Flávio, o complicador foi a afirmação pública de que levaria a greve de fome até a morte:
— A Igreja diz que não é eticamente aceitável a pretensão de greve de fome até morrer se não for atendido.
CPT critica divisão do episcopado brasileiro
Em resposta às críticas do arcebispo da Paraíba, dom Aldo di Cillo Pagotto, de que a greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luís Flávio Cappio, era um uma atitude isolada”, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou ontem nota de esclarecimento em que critica o nefasto objetivo de dividir o episcopado brasileiro”. A CPT afirmou que as críticas de dom Aldo são a forma mais eficaz de colaborar com as empreiteiras e com o grande capital que estão de olho nesta obra gigantesca”.
A nota da CPT, assinada pelo seu presidente, dom Tomás Balduíno, que na terça-feira afirmara que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria o responsável se dom Luiz Flávio morresse, afirma ainda que a leitura que dom Aldo faz do gesto de dom Luiz como uma espécie de eutanásia é cruel e irônica sobre o momento mais sagrado e mais sublime da vida deste bom Pastor. Dom Luiz não se cansa de dizer que não quer morrer, quer viver e quer a vida do povo do semi-árido e do São Francisco”.

Os argumentos pró e contra
FAVORÁVEIS
População beneficiada : Vai atender a 12 milhões de pessoas em áreas de pobreza e escassez de água na Paraíba, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte e no Ceará.
Combate à seca: O São Francisco é a fonte perene de água de maior volume próxima do semi-árido nordestino, que poderá ficar sem água para consumo humano num prazo muito curto.
Impacto reduzido: O projeto prevê uma captação de 26 metros cúbicos por segundo, o que representa 1,4% do volume de água que o rio despeja no mar.
Revitalização: Estão previstos investimentos de R$ 4,5 bilhões para projetos de recuperação do São Francisco nos próximos 20 anos, contemplando desde saneamento até replantio da mata ciliar.
Abrangência Os eixos norte e leste atravessam as zonas mais críticas da seca no Nordeste, e as obras beneficiariam pequenas, médias e grandes cidades.
CONTRÁRIOS
Há alternativas: Há projetos de irrigação na bacia do São Francisco que estão parados por falta de verba mas que poderiam ser retomados com parte dos recursos destinados à integração.
Incerteza: A continuidade da obra não é garantida. O prazo para a construção, de 24 meses, se encerrará só no próximo governo.
Impacto ambiental: O São Francisco poderá secar em alguns trechos quando não houver chuva, caso seja feita a transposição.

Liminar anula permissão do Ibama para obra
A juíza da 14 Vara da Justiça Federal, Cynthia Lopes, concedeu na noite de quarta-feira liminar suspendendo a licença prévia emitida pelo Ibama, em abril, autorizando as obras de desvio das águas do Rio São Francisco. A medida proíbe ainda a concessão de novas autorizações necessárias ao início da obra.
A ação civil pública foi impetrada sexta-feira passada pelos ministérios públicos Estadual e Federal, em conjunto com o Fórum Permanente em Defesa do São Francisco. A ação apontou diversas irregularidades no projeto. Com a manutenção da liminar, as obras só poderão começar depois de feitas novas audiências públicas e da aprovação do Congresso.
A Advocacia Geral da União (AGU) informou ontem que vai recorrer da decisão da Justiça Federal.

O Globo, 07/10/2005, O País, p. 9

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.