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Autor: Gabriel Bosa
10 de Mai de 2018
O avanço de igrejas evangélicas em comunidades indígenas põe em risco a preservação étnica dos nativos brasileiros. Muitas vezes de forma violenta, a ação de determinados grupos religiosos subjuga a cultura milenar destes povos e dizima a sua identidade.
Essas foram algumas das conclusões do debate sobre os reflexos das investidas de igrejas sobre comunidades indígenas, nesta terça-feira (8), após exibição do documentário "Ex-Pajé". O debate foi realizado pela Folha, no Espaço de Cinema do Shopping Frei Caneca.
"O etnocídio vem calando línguas e silenciando todo um saber fazer que é próprio da cultura dos povos indígenas", afirmou a professora e filósofa indígena Cristine Takuá.
O filme, com direção de Luiz Bolognesi, aborda os reflexos da intervenção de uma igreja evangélica no povo paiter suruí, localizado entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. Eles começaram a ter contato com os homens brancos em 1969.
No documentário, Perpera, antigo pajé da comunidade, perde seu posto com a ascensão das novas doutrinações religiosas. A partir de então, suas crenças são abaladas e ele passa a temer os espíritos da floresta, antes essenciais para o convívio da tribo.
A extinção da cultura do povo paiter suruí é o debate central da obra. Segundo o cineasta, o interesse em abordar o tema surgiu no primeiro contato com o antigo representante espiritual da comunidade e como ele fora obrigado a abandonar suas crenças.
"Ele contou que o pastor o perseguia, dizendo que o que ele fazia era coisa do diabo. As pessoas não falavam mais com ele, então foi levado a se declarar ex-pajé para continuar morando ali."
A conversa entre os especialistas e a plateia, que lotou o espaço, foi mediada pela repórter da Folha Anna Virginia Balloussier
O longa está em cartaz nos cinemas brasileiros desde o dia 26 de abril. Antes, estreou no Festival de Berlim, recebendo menção honrosa da premiação. Também foi eleito o melhor documentário pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema em premiação do festival É Tudo Verdade.
ABORDAGENS SÃO COMUNS
O processo de evangelização não se restringe ao povo paiter suruí, afirmaram os especialistas. De acordo com Cristine, o assédio de igrejas aos povos nativos é frequente, resultando na dizimação cultural e fragmentação da organização dos indígenas.
"Algumas comunidades conseguem se mobilizar, mas existem outras em que [a evangelização] começa aos poucos e, quando se vê, todos se voltaram contra o pajé e o seu saber cultural", afirmou.
Segundo os especialistas, a solidificação das igrejas geralmente começa em um momento de crise na comunidade indígena -um surto de doenças, por exemplo-, muitas vezes causada pela própria intervenção do homem branco.
"Nesse momento chega o pastor com remédios e presentes. Os pastores entram com comida, brinquedos para crianças e vão ganhando e seduzindo a comunidade", afirmou Bolognesi, ressaltando que algumas igrejas realizam um trabalho positivo e ético.
A comunidade que Cristina representa se mantém firme às investidas religiosas, disse ela.
"O etnocídio esconde o domínio de territórios e de poder. Ele esconde várias outras situações que visam desarticular politicamente as comunidades e os movimentos indígenas."
Em sua fala, o diretor do documentário evidenciou a miscigenação brasileira, tanto em aspectos étnicos, quanto culturais e religiosos, e o quanto isso torna o Brasil único.
"Quando a gente constata um movimento muito violento e forte, que é calcado em destruir tudo que não é igual a você, esse ódio que a gente vê no filme, é algo muito ruim para o país e precisamos acordar para isso."
RESISTÊNCIA
A produção de documentários, pesquisas acadêmicas e obras literárias é uma forma de preservar a cultura dos povos indígenas e de combater a desapropriação de costumes milenares, disse Cristine.
"Existem muitas produções de audiovisuais sendo feitas, algumas com parcerias indígenas. Acredito que seja uma ferramenta de luta. A mensagem falada e mostrada em movimento desperta as pessoas."
Além de expor a realidade enfrentada por diversas comunidades nativas, para a professora, as produções despertam o interesse dos mais jovens.
"É um momento para pensar o que a gente está fazendo e para onde estamos caminhando. A mensagem do filme me tocou, mas como vai ser depois, como as pessoas vão caminhar e semear essas mensagens?", questionou a representante indígena.
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/05/acoes-de-igrejas-evange…
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