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Acidente ecológico ameaça reserva

A CrÍtica, Cidades, p. C1
14 de Abr de 2003

Acidente ecológico ameaça reserva

MICHELLE PORTELA

Um acidente ecológico ameaça a sobrevivência dos índios da etnia uaimiris-atroaris, na reserva indígena localizada na BR-174
(Manaus-Boa Vista). Um caminhão da empresa Natal Transportadora, carregado com tinta à base d'água, tombou na altura do Km 226, derramando ao menos 750 litros de diesel sobre os mananciais -de água doce da região. 0 impacto ambiental é incalculável a longo prazo, mas já se sabe que a -contaminação- vai comprometer a proliferação de peixes nos lagos da região, de acordo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Presidente Figueiredo.
A empresa responsável pelo transporte do material pode ser mu a em até R$ 319 mil, valor que deverá ser recolhido ao Município, a 107 quilômetros da capital).
A contaminação atingiu um igarapé à margem da estrada que corre em direção aos principais rios da região. Até ontem, o óleo diesel e elementos químicos de composição da tinta já haviam atingido 500 metros de leito. Ontem, no local já era possível encontrar peixes e insetos mortos, além do comprometimento da vegetação.
De acordo com técnicos ambientais da Secretaria de Meio Ambiente de Presidente Figueiredo, o igarapé atingido vai desembocar em dois lagos pesqueiros usados pelos índios da região, localizado aproximadamente a um quilômetro do local do acidente. A aldeia Ariné e a Manaua - que somam mais de 100 índios - estão em um raio de 50 quilômetros ao redor da extensão de água.
Depois dos lagos, os rios e os afluentes do reservatório de Balbina estão na linha de contaminação, além do rio Uatumã. Se chegar a essa região, a contaminação alcançará diretamente mais de 1,1 mil pessoas que moram nas comunidades ribeirinhas de Santa Isabel, Santo Antonio do Abonari e Nova Jerusalém.
A coordenadora do departamento de fauna da Secretaria de Meio Ambiente de Presidente Figueiredo, engenheira de pesca Rosaly Oliveira, vai entregar hoje o laudo técnico do acidente. 0 relatório deve condenar principalmente a contaminações dos lagos pesqueiros, o que prejudicará a alimentação indígena. "Os peixes vão ser contaminados e os índios não vão ter onde pescar."
A longo prazo é possível esperar problemas maiores, como a degradação da fauna, porque na cadeia alimentar os peixes da região servem aos pássaros. "Agora nós não podemos prever o grau de impacto que esse acidente causou, mas sabemos que é grande. Neste momento, só resta tentar minimizar as conseqüências da contaminação", avalia.
Além da multa, a Natal Transportadora será obrigada a contratar profissionais especializados para trabalharem na recuperação da área atingida. A secretaria pretende pedir de biólogos e liminólogos - profissionais ligados às ciências aquáticas ,- que desenvolvam projetos de recuperação ambiental. "0 impacto é irreversível", comenta o secretário de Meio Ambiente de "residente Figueiredo, José Lelands.

Índios exigem medidas reparadoras
0 acidente chegou a causar tensão na região marcada por conflitos. Os índios que trabalham como fiscais no Programa de Controle dos Waimiris-Atroaris (PCWA) foram os primeiros a chegar ao local do acidente, na tarde de sexta-feira, e exigiram providências para não perder a área de pesca. Não houve vazamento de imediato, mas os índios permaneceram no local devido à ameaça de contaminação. Depois do vazamento, os funcionários do PCWA passaram a colocar colchões para tentar conter o fluxo da água. "Nós exigimos que limpem o local, porque senão matam os peixes. Aquele é um local onde pescamos e isso nos prejudica muito", disse o fiscal indígena, Mahma Charles, 32.
Logo que a secretaria passou a assumir o caso, os fiscais do PCWA trataram de comunicar os lideres das 19 aldeias que integram a reserva sobre o andamento da questão. "As lideranças, os caciques não gostam dessas coisas. Ninguém quer sugeira ali. Tem que tirar conteiner para não sujar, diz Mahma.
De acordo com o índio, a nascente atingida ontem é um local de "travessia" de peixes, entre os dois lados da rodovia. 0 leito do igarapé que desemboca 'nos lagos pesqueiros também é usado pelos índios, justamente devido à demanda de pescado no local. "Nós pescamos no local, isso vai ficar muito ruim pra gente. Se não limpar, vai ficar pior ainda."
Dono da empresa foi preso por não colaborar
O proprietário da Natal Transportadora, Natalino Acorde, foi detido na tarde de segunda-feira e levado a depor na delegacia de Presidente Figueiredo, por não colaborar com os trabalhos de recuperação da área. Até então, ele não havia cumprido uma determinação da secretaria que o obrigava a fornecer três carros-pipas para a drenagem do material químico e o material necessário para impedir o avanço do líquido poluente junto à margem do igarapé. Natanael prestou depoimento e foi liberado posteriormente.
0 proprietário da Natal estava no local do acidente ontem, mas não quis falar coma imprensa. Representantes da empresa que acompanhavam os trabalhos, que não se identificaram, disseram que foram 400 e não 750 o total de litros de diesel derramados no igarapé Eles defenderam o proprietário, dizendo que desde sexta-feira ele estava no local trabalhando na minimização do impacto ambiental.
Fiscais tentaram conter o derrame
De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente de Presidente Figueiredo, o dente ocorreu por volta das 7h30 de sei feira, mas o comunicado oficial apenas feito no domingo. Nesse período, fiscais indígenas da reserva trabalharam na contenção do óleo diesel e da tinta derramada no igarapé. Não houve vazamento de imediato, mas a partir do momento em que os proprietários da empresa investiram remoção do contêiner, já no sábado à no Desde então, os índios usaram colchões para tentar conter o fluxo no mate: químico na água. As barreiras iml visadas funcionaram nas primeiras horas mas não foram suficientes para resistir força da chuva. A chuva da segunda-feira obrigou os fiscais da secretaria a fechar e passagem da água embaixo da rodo Ontem, a ação foi novamente refeita, durante os 30 minutos de uma forte chuva no Km 226. Proprietários da empresa estavam ontem no local ajudando nos trabalhos de drenagem. A água da bacia igarapé atingido foi parcialmente drenada para evitar que os resíduos químicos continuassem a se dispersar. "0 diesel agente consegue tirar mais fácil, mas tinta é r difícil porque é à base d'água e diluente resíduos químicos é que vão ficar", explica.

A Crítica, 14/04/2004, Cidades, p. C1

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