VOLTAR

Abandono à porta da Funai

O Globo, O País, p. 3
27 de Abr de 2008

Abandono à porta da Funai
Índios buscam ajuda de todo tipo em Brasília; muitos vivem como mendigos sob os pilotis

Não é preciso viajar para aldeias perdidas no meio da Amazônia para constatar o descaso com a sobrevivência e dignidade dos povos indígenas. Nos arredores do prédio onde funciona a presidência da Funai, em Brasília, mulheres, crianças, jovens e velhos de etnias de todo o país se amontoam e perambulam em busca de alguma ajuda. A maioria está atrás de atendimento médico. Outros desistem de voltar às aldeias e passam os dias entre quartinhos alugados em pensões próximas e a sede da Funai.
Muitos se entregam ao alcoolismo. Os que não conseguem vaga nas pensões armam suas redes no saguão do prédio e por ali dormem e passam os dias. Alguns ficam como mendigos sob o pilotis do prédio.
Em 2002, a Funai inaugurou em Brasília um complexo moderno com 40 mil M2 , que seria para abrigar índios que vinham se tratar ou resolver problemas na fundação. Era para tirá-los das pensões, onde eram hostilizados pelos outros hóspedes e moradores das vizinhanças. A construção fica na cidade-satélite de Sobradinho, onde deveria funcionar a Casa de Cultura e Convívio dos Povos Indígenas. O centro, com cozinha industrial, jardins, vários pavilhões com 70 camas e local para 80 redes e quadra de esportes, só funcionou um ano. Há mais de três está desativado e sua manutenção custa aos cofres cerca de R$ 25 mil por mês para pagar oito seguranças, um zelador, jardineiro, água, luz. Se depender da direção da Funai, a destinação original, que era acomodar os índios em trânsito, não volta mais.
- Não funcionou como moradia para índios.
Estive lá com o arquiteto e estamos fazendo uma adaptação para que funcione como centro de formação de indigenistas e funcionários da Funai. Às vezes eles fretam um ônibus inteiro e chegam sem avisar. Cabe às administrações regionais acomodálos - diz o presidente da Funai, Márcio Meira.
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) recebe e abriga os índios numa chácara com instalações precárias perto do município de Santo Antônio do Descoberto. Lá poderiam ser abrigados até 120 índios, mas hoje há apenas 46, com doenças como tuberculose, câncer ou problemas cardíacos.
Até o ano passado, a ONG Instituto Recicla Brasil (IRB) cuidava da Casa de Saúde Indígena. Mas foi denunciada e interditada pelo Ministério Público, pelo desvio de recursos do convênio de R$ 3 milhões. A ONG Instituto Etno Ambiental do Xingu (lpeax), dirigida por vários índios, assumiu a casa. Com um convênio de R$ 10 milhões, a ação da ONG se limita a hospedar os doentes e transportá-los para o Hospital Universitário de Brasília (HUB).
As condições dos alojamentos estão horríveis. Não tem cama, colchões nem lençóis suficientes. Medicamentos, agora é que estão começando a fazer licitação para comprar - conta um dos funcionários da chácara.
Do lado de fora do prédio da Funai, índios novos e velhos passam os dias como zumbis.
No segundo andar, em cima da marquise, um dos guardas do local passa por cima de uma mãe com filhos deitados no chão como se não existissem. Embaixo, Geni Xavante, com um dos três filhos no colo, espera alguma ajuda para comprar remédio para o menorzinho, febril, acomodado em um balaio a seus pés. O marido, Mateus Xavante, está internado, com dengue.
(Maria Lima)

O Globo, 27/04/2008, O País, p. 3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.