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40% dos índios vivem fora de suas terras

OESP, Nacional, p. A10
11 de Ago de 2012

40% dos índios vivem fora de suas terras
Raio X do IBGE mostra que o País tem 896,9 mil índios divididos em 305 etnias; 380 mil moram fora de áreas demarcadas pelo governo

LUCIANA NUNES LEAL / RIO

Quatro em cada dez índios brasileiros vivem fora das terras indígenas reconhecidas pelo governo, apontam dados do Censo 2010 divulgados ontem. O País tem 896,9 mil índios (0,47% da população do Brasil), divididos em 305 etnias e 274 línguas. O resultado surpreendeu os técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que partiram de informações preliminares da existência de 225 etnias e 180 línguas.
Pela primeira vez, o IBGE fez o raio X do território indígena. Quase 380 mil índios (42,3% do total) vivem fora de terras próprias e 517,3 mil (57,7%) ocupam as 505 terras demarcadas, equivalentes a 12,5% do território nacional e localizadas majoritariamente na área rural. Foram pesquisadas as terras regularizadas até dezembro de 2010 - a maioria dos índios (63,8%) vive na área rural e 36,2% estão na urbana.
"É preocupante a inoperância das políticas para regularizar as terras indígenas", diz o pesquisador João Pacheco, professor do Museu Nacional e coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Desde janeiro de 2011, o governo federal autorizou a demarcação de onze terras indígenas, mas existem mais de cem territórios em processo de demarcação
"Muitos indígenas estão onde sempre estiveram, as terras é que não foram reconhecidas pelo Estado. Cria-se a ideia de que o índio está em diáspora, saindo de um lugar para o outro, deixando de ser índio. Em muitos casos não é verdade", observou Pacheco. "Existem os que estão em terras que aguardam demarcação, mas o processo é lento. Outros estão nas cidades, mas esperam voltar para suas terras."
A presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marta do Amaral Azevedo, disse que será feito um estudo da população fora das terras legais. "Queremos saber quem são e por que estão fora das terras, se por vontade própria, se estão em terras em processo de demarcação", afirmou.
Pesquisa. Em metodologia inédita, o IBGE levou em conta não apenas a população que se declarou indígena no quesito sobre raça, mas contou também aqueles que se consideram indígenas, embora tenham se declarado brancos, negros, pardos ou amarelos. O Censo encontrou 78,9 mil índios não declarados, que se somam aos 817,9 mil encontrados na pesquisa de raça. Com isso, a população indígena aumentou 9,6% em relação ao que tinha sido divulgado em 2011.
"Para muitos indígenas, cor ou raça é uma classificação dos brancos. Eles respondem que são pardos, na maioria, mas se consideram indígenas", explica a pesquisadora do IBGE Nilza Pereira. Segundo o critério da raça, que permite comparações, a população indígena cresceu 178% entre 1991 e 2010. Passou de 294,1 mil para 817,9 mil, mas as duas décadas tiveram comportamento oposto. Entre 1991 (quando a categoria indígena foi incluída como raça) e 2000, o crescimento foi de 150%. Entre 2000 e 2010, foi de 11,4%, abaixo do aumento da população geral (12,2%). A explosão da década de 1990 não foi demográfica, por aumento da natalidade e redução da mortalidade indígena, mas apenas reflexo do maior número de pessoas que se declarou indígena em vez de outras raças.
Também é inédito o mapeamento das etnias e das línguas indígenas. A etnia Tikuna, espalhada em diferentes terras do Amazonas, é mais numerosa, com 46 mil habitantes, a grande maioria (85,4%) moradora de terras indígenas. Os técnicos do IBGE encontraram 250 etnias entre os índios que vivem em terras próprias e 300 entre os que estão fora. "Algumas etnias pareciam extintas. Vamos pesquisar cada uma delas. O mesmo acontecerá com as línguas, que tinham pesquisas apenas regionais", diz a presidente da Funai.

30 mil não índios vivem em reservas de forma irregular

Os indígenas não são os únicos a ocupar as terras demarcadas pelo governo. Uma população de 30,6 mil não índios vive em territórios indígenas, segundo o Censo 2010. Eles equivalem a 5,4% da população total dessas 505 áreas legalizadas. Houve ainda 20 mil pessoas residentes nas terras reservadas aos indígenas que não responderam ou deram informações imprecisas ao IBGE. "Em princípio, as terras são de uso exclusivo dos indígenas, vamos ver como é a ocupação dos não indígenas", diz a presidente da Funai, Marta Azevedo. Segundo técnicos do IBGE, a relação nem sempre é conflituosa. Há casos de moradores ilegais, mas também pessoas que se casaram com índios, agentes de saúde e de assistência social, integrantes das Forças Armadas e outros profissionais. O Censo mostra ainda que apenas 12,6% dos domicílios indígenas eram ocas ou malocas. Em 59% das terras indígenas, não havia uma oca sequer. Com mais de 9 milhões de hectares - mais de duas Suíças -, a terra Yanomami, distribuída entre Amazonas e Roraima, tem o maior número de habitantes: 25,7 mil. "Eles mantêm condições tradicionais de vida, falam pouco português, têm poucas doenças. São hoje o que era o Xingu há 60 anos", compara o antropólogo João Pacheco. / L.N.L

Tradição dos Fulni-Ô resiste nas escolas
Índios pernambucanos preservam a língua com aulas para as crianças e novo livro didático

ANGELA LACERDA / RECIFE

Sotxa kaka. É assim, com um "boa tarde" em Yaathe, a língua dos índios Fulni-Ô, que o professor Cícero de Brito, 36 anos, recebe seus alunos na Escola Estadual Marechal Rondon, no município de Águas Belas, a 275 quilômetros do Recife, no semiárido pernambucano. A língua materna da tribo passou a fazer parte, em 2010, do currículo oficial das duas escolas de ensino regular da aldeia - que oferecem do maternal ao médio. Há também, desde 1987, uma escola exclusiva do ensino do Yaathe.
Os cerca de 6 mil Fulni-Ô que vivem na região lutam contra a corrente. Segundo o Censo do IBGE, em todo o País, somente 37,4% dos índios com cinco anos ou mais de idade falam alguma língua indígena. São 294 mil pessoas que falam 274 línguas diferentes. Entre os que vivem dentro das terras indígenas, 57,3% falam línguas nativas e, fora dos territórios, são apenas 12,7%.
Para manter a língua Yaathe viva, as três escolas em Águas Belas têm 2.384 alunos matriculados e adotam um calendário diferente, adequado à tradição religiosa indígena, que durante os meses de setembro a novembro se retiram para o Ouricuri - ritual sagrado realizado em uma área afastada, sem energia elétrica e sem acesso a quem não for Fulni-Ô. "Nossa língua é a nossa arma, nossa força e nossa identidade", afirma a coordenadora das escolas, Maristela de Albuquerque Santos, filha do cacique João Francisco dos Santos Filho, ao afirmar orgulhosa que o Yaathe é a única língua indígena institucionalizada no Brasil.
Ela comemora a conquista da inclusão da língua nas escolas indígenas como a melhor forma de manter viva a tradição dos Fulni-Ô. Fruto de muita luta, a conquista tem gosto especial porque a cidade de Águas Belas, de população majoritariamente não-indígena, está fincada no centro da reserva dos Fulni-Ô. O contato de índios e não índios é muito próximo, quase misturado, o que torna a cultura tradicional ainda mais vulnerável. "A tendência de absorver a cultura dos outros é maior se não tivermos segurança da nossa", observa Maristela.
Um padrão de escrita e do ensino da língua - ainda inexistente - está sendo buscado pelos envolvidos e ganhou semana passada uma referência: o livro "Descrição da Língua Indígena Brasileira Yaathe - um ponto de partida para os professores de Águas Belas", escrito e bancado pelas suas autoras Januacele da Costa e Fábia Pereira da Silva, esta Fulni-Ô doutoranda em Linguística.
O lançamento, exclusivo na aldeia, gerou muitas exclamações de "Ya am" (pelas mulheres) e "A-ey" (pelos homens), expressões em Yaathe usadas diante de algo que os encanta ou impressiona. / COLABOROU LUCIANA NUNES LEAL

OESP, 11/08/2012, Nacional, p. A10

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