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Waimiri dizem não aceitar mudanças em compromissos firmados sobre linhão

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05 de Mai de 2022

Waimiri dizem não aceitar mudanças em compromissos firmados sobre linhão
Advogado de indígenas afirma que valor de compensação de linha de transmissão ainda está sendo calculado. Senado aprova projeto que libera empreendimentos indiscriminadamente

Oswaldo Braga de Souza - Jornalista
Quinta-feira, 5 de Maio de 2022 às 14:48
Reportagem atualizada em 6/5/2022, às 14:22.

Por meio de um de seus advogados, o povo indígena Waimiri Atroari avisou que não aceitará alterações nos compromissos firmados com a Transnorte Energia S.A, responsável pela construção da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista, que vai atravessar a Terra Indígena (TI) Waimiri Atroari (RR-AM).

O acordo entre a empresa e a comunidade para o pagamento das compensações pelos danos socioambientais da obra foi anunciado, na terça (3), depois de mais de dez anos de negociações, disputas judiciais e polêmicas. No dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que autoriza o governo federal a pagar parte das compensações.

Horas depois, na noite de quarta (4), o plenário do Senado aprovou um projeto que, na prática, autoriza prévia e indiscriminadamente a implantação de sistemas de transmissão nas TIs em todo país, desconsiderando impactos específicos em cada território. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 275/2019 viabiliza a medida ao declarar esse tipo de empreendimento como de "relevante interesse público da União". A proposta segue para a Câmara.

Organizações da sociedade civil e alguns parlamentares da oposição temem que a aprovação do PLP possa prejudicar as negociações feitas com os Waimiri e a execução da norma editada pelo Palácio do Planalto.

De acordo com Jonas Fontenele de Carvalho, advogado da Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA), qualquer tentativa de interferência externa no entendimento firmado entre a Transnorte Energia e a comunidade, no entanto, poderá implicar seu cancelamento.

"Qualquer coisa fora do que foi acordado nós cancelamos o acordo e acabou", afirmou. "Qualquer deslize da empresa, os indígenas vão proibir a entrada na Terra Indígena", reforçou. Carvalho deu entrevista à reportagem do ISA ainda na noite desta quarta, minutos após a sessão do Senado que aprovou o PLP 275.

O decreto de Bolsonaro regula aspectos do sistema de energia da Amazônia, mas não menciona o linhão especificamente nem qualquer valor a ele referente. Após reunirem-se com Bolsonaro, porém, políticos de Roraima afirmaram à imprensa que até R$ 90 milhões poderiam ser disponibilizados para as compensações da obra que vai atravessar a TI Waimiri. Outros R$ 33 milhões seriam cobertos pela Transnorte Energia.

Apesar disso, Carvalho afirmou que o total das compensações ainda está sendo calculado. O advogado negou que as tratativas e os procedimentos para o início da construção tenham sido concluídos. Ele contou que os termos do acordo deverão ser chancelados pelo Ministério Público Federal e a Justiça Federal, onde tramitam ações que paralisaram a obra.

"Depois disso tudo aceito, vamos dizer assim, nós vamos traçar um protocolo de ações. As pessoas têm me ligado aqui e acham que amanhã vai começar a passar a linha dentro da Terra Indígena. Não vai. Não é assim que funciona", alertou.

O advogado explicou que todas as negociações são feitas diretamente entre a Transnorte e a comunidade e que o mesmo se dará com o pagamento das compensações socioambientais da obra aos indígenas. "A nossa conversa é com a empresa que vai passar a linha. E essa conversa está muito bem costurada", salientou. De acordo com ele, os recursos autorizados pelo decreto e que serão aportados pelo governo não serão destinados aos Waimiri, mas servirão para ressarcir parcialmente a firma pelos custos de compensação.

A Transnorte Energia foi procurada pela reportagem, mas a assessoria informou que a empresa não se manifestaria.
Projeto do Senado

"O PLP 275 amplia desproporcionalmente, sem critérios, as hipóteses de empreendimentos que podem ser classificados como de 'relevante interesse público da União'. Além disso, restringe as formas de consulta e diálogo com as comunidades indígenas", analisa a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.

Ela explica que, de acordo com a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os povos indígenas devem ser consultados sobre qualquer obra, medida administrativa ou legislativa que os afetem. Portanto, antes da aprovação do projeto, o Senado deveria ter ouvido essas populações.

Batista também avalia que a proposta limita as formas de compensação por danos socioambientais e também erra ao não prever a possibilidade de pagamento de royalties às comunidades.

"Sem estudos técnicos que assegurem que a obra não vai ameaçar a sobrevivência física e cultural dos indígenas e garantias de compensação adequada pelos danos socioambientais, as comunidades afetadas estarão em risco", aponta a advogada.

Nota técnica elaborada pelo ISA lembra que, segundo a Constituição, a regulamentação do uso de áreas em TIs e a compensação por ele deve ser feita por lei complementar, e não por decreto presidencial, como prevê o PLP.

"Muito embora, é bom a gente destacar, o projeto tenha melhorado muito [em relação] ao que foi a proposta original, ainda temos preocupação em relação à constitucionalidade. Entendemos que poderá ainda haver brechas para a judicialização", avaliou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). "[A aprovação do projeto] traz grande preocupação, sobretudo neste momento em que os povos tradicionais têm sofrido de forma muito intensa vários prejuízos", completou.

Só Rede e Cidadania orientaram voto contrário ao projeto. Apenas os senadores Eliziane Gama, Flávio Arns (Podemos-PR), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Zenaide Maia (Pros-RN) votaram contra a proposta. Mara Gabrilli (PSDB-SP) absteve-se.
Impactos da obra

O autor do PLP, senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR), repetiu o argumento incorreto de que a obra não traria impactos significativos porque o linhão será instalado às margens da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista), que já atravessa a TI Waimiri.

"Não estamos aqui limitando qualquer direito das comunidades indígenas", defendeu. "A regulamentação delineada pelo projeto evitará novas e intermináveis disputas nesse tipo de processo", argumentou.

A principal justificativa usada por ele e o relator, Vanderlan Cardoso (PSD-GO), para defender a proposição foi justamente a de viabilizar o linhão. Nenhum dos dois mencionou o acordo feito com os indígenas, no entanto.

Roraima é o único estado não conectado ao sistema nacional de energia e vem sendo abastecido por usinas termelétricas. Até 2019, a eletricidade vinha da Venezuela, mas o fornecimento foi interrompido. Há apagões frequentes ainda hoje. O linhão Manaus-Boa Vista pretende resolver o problema.

Ao contrário do que disseram os parlamentares, o empreendimento deverá ampliar o desmatamento e a circulação de pessoas no território indígena, com impactos sobre fontes de alimentação e matérias-primas, a segurança e a o modo de vida tradicional das comunidades. O Projeto Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI) elaborado pela ACWA aponta, por exemplo, o aumento da violência, da pressão por invasões e do risco de acidentes, assoreamento e contaminação de fontes de água, disseminação de doenças contagiosas. Do total de 37 impactos, 27 seriam irreversíveis, conforme o documento.

Chico Rodrigues foi o parlamentar flagrado pela Polícia Federal, em outubro de 2020, tentando esconder R$ 33 mil na cueca. Ele já foi envolvido em suspeitas de uso ilegal de verbas de gabinete e doações eleitorais, segundo o site De Olho nos Ruralistas. Rodrigues já foi bem próximo ao presidente Jair Bolsonaro e é um dos principais defensores da legalização do garimpo em TIs no Congresso.
Empreendimento paralisado

Dos 715 km do linhão, 122 km estão previstos para atravessar a TI Waimiri Atroari. Há mais de dez anos, as comunidades indígenas lutam para ser consultadas sobre o projeto. A Justiça Federal paralisou a obra até que os indígenas sejam ouvidos e que as medidas de compensação propostas por eles sejam cumpridas.

Com o custo estimado de R$ 2,3 bilhões, o empreendimento foi leiloado em 2011, mas sofreu repetidos atrasos por causa da negativa do governo em realizar a consulta prévia às populações indígenas.

Além disso, a administração federal não fez as alterações exigidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) nos estudos de impacto ambiental. No ano passado, sob orientação da gestão Bolsonaro, Ibama e Fundação Nacional do Índio (Funai) liberaram o licenciamento ambiental sem que as exigências fossem atendidas. A empresa responsável, a Transnorte Energia, e o governo também não se entendem sobre o preço da obra. Apesar disso, durante anos, políticos de Roraima alegaram que os responsáveis pela obra não sair eram os Waimiri.

Os indígenas foram quase exterminados durante a construção da BR-174, nos anos 1970. Cerca de 90% da população à época morreu por causa da violência de agentes do governo ou de doenças. Os Waimiri também sofreram os impactos severos da construção da hidrelétrica de Balbina e da mineração em seu território (veja linha do tempo abaixo e leia mais).

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