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Verticalização ameaça litoral

OESP, Metrópole, p. C1
20 de Jun de 2006

Verticalização ameaça litoral
Projeto que libera predinhos em S. Sebastião com a alegação de construir Cingapuras depende de 1 voto na Câmara.

Rosa Bastos

No meio da mata atlântica, entre acácias e manacás, um conjunto de predinhos estilo Cingapura. Essa imagem de pesadelo tem atormentado o sono de moradores, ambientalistas e políticos de São Sebastião, litoral norte paulista. Eles se arrepiam só de imaginar a cidade com edifícios. Em todo o litoral, apenas em São Sebastião e Ilhabela o zoneamento proíbe a verticalização. Os imóveis podem ter no máximo três andares, ou 9 metros, incluindo a caixa d'água.

Por isso, caiçaras e turistas estão em polvorosa com a disposição do prefeito Juan Garcia (PPS) de permitir que se façam prédios - ainda que baixinhos - em Boiçucanga, Juqueí, Maresias, Barra do Una, Camburi. No entender deles, o projeto que cria Zonas de Especial Interesse Social, as Zeis, com o argumento de transferir para lá pessoas que moram em áreas de risco ou de preservação, camufla a verdadeira intenção de Garcia, que é de abrir as portas para a construção de hotéis.

"As Zeis são instrumentos de legalização de núcleos irregulares previstos no estatuto da cidade. Não somos contra", diz a ambientalista Regina Helena de Paiva Ramos, ex-secretária do Meio Ambiente de São Sebastião. "Somos contra os predinhos de cinco andares. Os Cingapuras não deram certo em São Paulo e muito menos aqui, com esse clima quente. É até falta de humanidade colocar essa população num apartamento apertado."

Moradora há 34 anos de Juqueí, Regina fundou a Federação Pró-Costa Atlântica, que reúne 18 sociedades de amigos de bairro da costa sul de São Sebastião. Segundo ela, prédios exigiriam um sistema de esgotamento sanitário porque toda a costa sul do município tem grande vocação turística. Senão, adeus praias limpas. "Predinho é perigoso. Abre precedente para uma futura verticalização, que a gente não quer", diz.

Em fevereiro, o prefeito enviou à Câmara projeto de lei para regulamentar a criação das Zeis. Com a transferência de moradores, todos concordam. Mas o projeto tem dois pontos polêmicos. Um: não especifica as áreas. Dois: permite a construção de moradias populares com até cinco andares. Por causa desses dois artigos, os vereadores da oposição rejeitaram toda a proposta.

'NÚCLEOS CONGELADOS '

"Estamos preocupados com a frustração que pode surgir nos núcleos congelados (é como chamam as favelas e invasões) pela prefeitura caso não ocorram as melhorias prometidas", diz o presidente da Sociedade Amigos da Barra do Saí, o professor da Universidade de São Paulo Claudio Pannut. A comerciante Ângela Maria da Silva, presidente da Associação dos Moradores da Vila Baiana, também quer as Zeis, mas não morar em prédio. Para os dois, bastaria que o prefeito tirasse o artigo 6o - que permite a verticalização - e o problema estaria resolvido.

Em vez disso, Garcia incumbiu o vereador Robson Ceará (PPS) de reapresentar o projeto. Para isso, precisa da assinatura de sete dos dez vereadores da Câmara. Seis assinaram. Com o projeto na linha do pênalti, a oposição entrou em pânico. "Se tiver as assinaturas, pode ser que passe em regime de urgência, a toque de caixa", diz o advogado Paulo Henrique Santana (PHS), vice-prefeito, da "oposição construtiva".

Há dois meses, Ceará, que é casado com uma sobrinha do prefeito e líder do governo, corre atrás das assinaturas. O vereador do PFL Luiz Antônio de Santana Barroso, o Coringa, chegou a assinar, mas voltou atrás. Apesar desse recuo, a tensão continua. No dia 8, o presidente da Câmara, Wagner Teixeira (PV), foi ver a Copa na Alemanha. Temia-se que, na ausência dele, o prefeito aproveitasse o fato de ter um vereador a menos da oposição para apresentar a proposta. Mas antes de viajar, Teixeira, "caiçara de carteirinha", pôs o suplente Valdecir do Amparo contra a parede. "Rapaz, tome cuidado, não me faça uma falseta. Sou capaz de desistir do pacote, do meu sonho de criança de ver a Copa..."

A cidade tem 41 "núcleos congelados", onde vivem 20 mil famílias e nos quais casas não podem ser erguidas nem ampliadas. Em pelo menos um deles, no Saí, o pessoal da Sociedade Amigos de Amovila, da Vila Baiana, não quer os predinhos. Bem ou mal, compraram os terrenos de gente inescrupulosa, construíram casas e não querem perdê-las. Pedem só que a área seja urbanizada.

Na Vila Pernambuco, em Juqueí - aglomerado de casas atrás de um córrego com os dois lados ocupados por barracos e casas de alvenaria -, o pessoal precisa sair. A área é de risco, além de preservada. As árvores foram derrubadas, quase não há vegetação e existe o perigo de desbarrancar. Como fica muito perto do rio, os moradores não podem fazer fossa. A Vila dos Mineiros, em Barra do Una, tem situação parecida.

Os moradores da costa norte (onde ficam bairros como Porto Grande, Praia Deserta, Arrastão, São Francisco e Enseada) são a favor do projeto. "O prefeito joga pobres contra ricos", diz Regina. "Chega nas reuniões e fala que quem mora e trabalha ali precisa ir contra os patrões. Mas a questão não é de classes, e sim ambiental."

Segundo o vice Santana, embora o prefeito alegue que só quer ajudar os pobres que vivem em habitações precárias e irregulares, até agora não indicou nenhuma área para abrigá-los e só enviou um protocolo de intenções à Secretaria da Habitação. "O projeto é um pretexto para verticalizar a cidade."

ALTERNATIVA

Na próxima semana, Santana pretende sugerir à Câmara que analise um projeto - cópia daquele do prefeito -, mas que altera os pontos que estão sendo rejeitados pela comunidade. Vai, por exemplo, discriminar cada um dos núcleos habitacionais beneficiados e pedir que as edificações tenham, no máximo, três andares.

"O projeto do prefeito afeta o ecossistema local e abre caminho para a especulação imobiliária", diz o deputado estadual Alberto Turco Loco (PSDB). "Ele não fez nem sequer avaliação do impacto ambiental."

Para o prefeito, a discussão é um equívoco. "São uns cretinos, uns imbecis, não tem nada disso que falam. O projeto é simples. Impacto ambiental? O impacto já está lá. É o povo morando na beira do rio, sem água, luz e esgoto. Por isso quero transferi-los para um lugar onde tenham moradia digna." Até aí, estão todos de acordo. Mas fica a pergunta: Precisa ser prédio?

Em 99, mobilização inibiu Câmara

LUCIANA GARBIN

A polêmica sobre a verticalização em São Sebastião é antiga. Em 1999, abaixo-assinado com 12 mil nomes fez vereadores voltarem atrás na proposta de aprovar uma emenda ao Plano Diretor permitindo erguer prédios. Com isso, continuou valendo o limite de 9 metros de altura. Em Ilhabela, o tema da verticalização vira e mexe ressurge, embora edifícios continuem proibidos.

Com cerca de 270 mil habitantes, segundo a Fundação Seade, os quatro municípios do litoral norte formam uma das regiões que mais cresceram na última década no Estado. Enquanto a média paulista foi de 15,9%, lá chegou a 43,5%. A conseqüência é a crescente degradação ambiental da área onde, oficialmente, 70% do território é coberto por unidades de conservação.

Para tentar barrar a devastação, no fim de 2004 foi aprovado o Zoneamento Ecológico-Econômico, que define onde e quanto se pode construir. Um ano e meio depois, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente promete realizar um estudo para avaliar se o zoneamento está dando resultado. Além disso, pelo Estatuto das Cidades, os quatro municípios têm prazo até outubro para apresentar ou atualizar o plano diretor. "Esperamos que tudo isso ajude a reverter a degradação", diz Marta Emerich, do Departamento de Planejamento Ambiental da secretaria.

OESP, 20/06/2006, Metrópole, p. C1

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