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Vergonha', 'hipocrisia' e 'desinformação': ONGs criticam discurso de Bolsonaro na ONU

O Globo - https://oglobo.globo.com/mundo
22 de Set de 2020

Vergonha', 'hipocrisia' e 'desinformação': ONGs criticam discurso de Bolsonaro na ONU
Organizações como Greenpeace Brasil, Conectas Direitos Humanos e Human Rights Watch pontuam diversas afirmações do presidente que não representam as verdadeiras ações de seu governo

O Globo

RIO - Após o discurso do presidente Jair Bolsonaro na 75ª Assembleia das Nações Unidas (ONU), diversas organizações de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos divulgaram notas criticando suas afirmações. O presidente abriu o debate geral acusando a imprensa de "politizar o vírus [o novo coronavírus], disseminando o pânico entre a população" e, entre outros pontos, alegando que são os índios que queimam a Amazônia - pesquisadores apontam que grande parte dos incêndios e do desmatamento está ligada a grandes fazendeiros.

Greenpeace Brasil

O Greenpeace Brasil classificou o discurso como "negacionista" e afirmou que suas palavras "envergonham" o povo brasileiro. Bolsonaro disse que o Brasil é vítima de uma "das mais brutais" campanhas de desinformação sobre os incêndios que devastam a Amazônia e o Pantanal, críticas que diz serem baseadas na inveja internacional do agronegócio brasileiro.

No entanto, apresentando dados da Global Forest Watch, o Greenpeace Brasil afirmou que o o Brasil está se transformando no líder mundial em desmatamento durante o governo Bolsonaro, sendo o país que mais destruiu suas florestas em 2019 - situação agravada em 2020.

"Lamentavelmente, já estamos habituados a ouvir o presidente faltar com a verdade, desqualificar a ciência e buscar culpabilizar terceiros ao invés de assumir a responsabilidade constitucional que possui. Entretanto, quando o faz numa Assembleia Geral da ONU, diante de centenas de líderes de países, de investidores e do mundo todo, o presidente piora ainda mais a imagem do Brasil e agrava as sérias crises que enfrentamos", disse Mariana Mota, coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, em nota divulgada pela organização.

Conectas Direitos Humanos

Já Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, afirmou que Bolsonaro "fez um discurso desrespeitoso aos líderes mundiais em que subestima a inteligência e nível de conhecimento e informação de seus pares sobre a crise no Brasil".

Asano ainda afirmou que, apesar de o presidente alegar que o Brasil vem sendo referência em direitos humanos, o país se alinhou "ao pequeno grupo de países que subjugam mulheres, como Afeganistão, Qatar e Líbia" em recentes votações sobre gênero no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Ela ainda classificou como "hipocrisia" o fato de o presidente dizer que o país acolhe refugiados venezuelanos. "Seu governo proibiu a entrada de refugiados por via terrestre, embora já tenha liberado turistas vindos de avião a entrar", escreveu Asano.

Human Rights Watch Brasil

A Human Rights Watch Brasil publicou em seu Twitter que "desinformação' foi seu discurso na ONU", em resposta à alegação do presidente de que o Brasil é vítima de uma "das mais brutais" campanhas de desinformação em relação às queimadas na Amazônia e no Pantanal.

"Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência: 1. O desmatamento disparou na #Amazônia; 2. As queimadas intoxicaram o ar que milhões respiram; 3. O #Pantanal sofreu a maior destruição já registrada", escreveu a ONG.

WWF-Brasil

A WWF Brasil classificou o discurso desta terça-feira na ONU como um "roteiro de ficção". Em nota, Gabriela Yamaguchi, diretora de engajamento da organização, disse que o discurso "uniu palavras-chave das Nações Unidas com descrições de um Brasil que não existiu em 2020, em completo negacionismo da realidade do país".

O posicionamento segue com críticas às palavras do presidente, principalmente as de que "queimadas são provocadas pelos índios e caboclos", o que a WWF Brasil fez questão de classificar como "acusações infundadas e ilações sem base científica".

Oxfam Brasil

Para a Oxfam Brasil, em pouco mais de 15 minutos de fala, o que o presidente brasileiro descreveu não condiz com os fatos vivenciados no país. Diretora executiva da entidade, Katia Maia diz que "o governo atual se especializou em disseminar a 'pós-verdade' para eximir-se da responsabilidade pelos graves problemas que o país enfrenta".

Para Maia, as queimadas que destroem a Amazônia, o cerrado e o Pantanal não podem ser colocadas na conta dos povos tradicionais dessas regiões e afirma que "o governo pouco ou nada fez para garantir as ações necessárias para o combate aos crimes ambientais cometidos nos principais biomas nacionais".

Observatório do Clima

A entidade caracterizou o discurso como "delirante", que "expõe o país de forma constrangedora" e confirma as preocupações de investidores internacionais. A nota ressalta que, ao negar a crise ambiental, Bolsonaro pode incentivar o desinvestimento e o cancelamento de acordos comerciais que seriam importantes para a recuperação econômica pós-pandemia.

Instituto Socioambiental

O trecho do discurso em que Bolsonaro cita indígenas como responsáveis pelas queimadas foi um dos que mais geraram repercussão entre ambientlistas. Tiago Moreira, pesquisador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental (ISA), afirma que há dados que mostram que as queimadas estão diretamente ligadas ao desmatamento.

- No Global Fire Data, mantido por pesquisadores de diferentes universidades no mundo, os dados mostram que pelo menos um quarto da área que queimou na Amazônia estava ligada ao desmatamento. Por outro lado, quando olhamos para os focos de calor identificados pelo próprio Inpe no bioma, percebemos que 89% deles ocorreram fora dos territórios indígenas. É um absurdo completo falar que eles (indígenas) são os responsáveis pelos incêndios - diz Moreira.

Sobre a fala de Bolsonaro a respeito de o governo ter oferecido assistência a mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à Covid, Moreira afirma que houve erro no planejamento das ações.

- Um relatório da Transparência Brasil indicou que menos da metade do orçamento da Funai para as ações de assistência foi gasto até o meio de junho, enquanto deveria ter sido gasto sobretudo no início da pandemia para mantê-los nas aldeias e não precisarem sair das aldeias para buscar itens essenciais (e se expor ao vírus) - destaca.

Cimi

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) repudiou o discurso de Bolsonaro, alegando que o presidente demonstrou má-fé, preconceito e irresponsabilidade ao afirmar falsamente que os índios seriam os responsáveis pelos incêndios que atingem a Amazônia, o Cerrado e Pantanal brasileiro.

"Os territórios indígenas no Brasil se constituem como espaços de preservação da mata e de toda a biodiversidade. Os povos indígenas têm se esforçado no combate aos incêndios que chegam aos seus territórios, provocados por interesses ligados à expansão da agropecuária, aos monocultivos de grãos, à exploração mineral e madeireira", disse o conselho em nota divulgada nesta tarde, e acrescentou: "É importante salientar que esses setores têm tido todo o apoio do presidente e sua equipe para concretizar ações de violência contra os povos e o meio ambiente, a partir do desmonte de toda a estrutura de fiscalização e da política de proteção sob responsabilidade do governo federal."

Especialistas repercutem discurso

André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), classificou o discurso do presidente como "deconectado e fora da realidade, com dados mal informados". De acordo com ele, atribuir as queimadas na Amazônia a indígenas e comunidades tradicionais é um equívoco.

O aumento do desmatamento e das queimadas, segundo Guimarães, se deu por um conjunto de fatores, em especial a inação do governo federal tanto em 2019 quanto em 2020 para combater antecipadamente o desmatamento.

- O aumento do desmatamento que vemos hoje está fortemente ligado a ilegalidade. Em torno de 35% do desmatamento acontece em florestas públicas não destinadas, ou seja, áreas de toda população brasileira. Não são ribeirinhos, não são indígenas, são grileiros se sentindo estipulados a fazer porque o poder publico não está controlando o que deveria controlar.

Sobre a afirmativa de Bolsonaro a respeito de governar com tolerância zero contra crimes ambientais, o diretor do IPAM vê incoerência:

- Ele mesmo assumiu o governo dizendo que iria combater a indústria de multas, enquadrar o Ibama. Este tipo de mensagem passa para o lado de lá algo como: "liberou geral". Ou seja, em um momento, ele diz que vai combater as multas e enquadrar o Ibama, e em outro, que a política ambiental é rigorosa.

Para Guimarães, as falas do presidente podem prejudicar a economia do país:

- O Brasil é um país altamente exportador de alimentos. Mais de um quarto da nossa economia está direta ou indiretamente ligado ao uso da terra. O mundo quer comprar produtos brasileiros, mas se a gente continuar nesse ritmo de desmatamento e continuar mandando sinais trocados para o mundo podemos perder mercado na exportação de alimentos.

Já para o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) é necessário que se questione a eficiência da política tolerância zero alardeada por Bolsonaro na ONU.

- O que devemos nos perguntar é "quem está ganhando essa briga?". A fiscalização dos órgãos governamentais ou os criminosos ambientais. Ou seja, está havendo sucesso nestas ações de tolerância zero? Estamos vendo números de incêndio e desmatamento até maiores aos do ano passado. Quando se faz uma análise, independente de qualquer orientação político-partidária, uma análise rigorosa do ponto de vista científico, a conclusão é que o crime ambiental está ganhando a batalha.

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