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Uso de terras indígenas encalha no Congresso

O Globo, País, p. 12
03 de Set de 2019

Uso de terras indígenas encalha no Congresso
Debate sobre atividades econômicas em terras indígenas encalha no Congresso
Parlamentares nunca regulamentaram a exploração, que agora tem profusão de propostas e polêmicas

Renata Vieira e Gustavo Maia

Uma das principais bandeiras do governo do presidente Jair Bolsonaro, a liberação de atividades econômicas em terras indígenas vem entrincheirando há décadas parlamentares, ambientalistas e lideranças dos índios. Ainda que mais acalorado desde a posse, o debate não surgiu com o novo governo. A Constituição de 1988 prevê que o Congresso regulamente a exploração de minério nessas áreas, desde que as comunidades indígenas sejam ouvidas e pagas por isso. Também não há qualquer restrição expressa à produção agropecuária nesses territórios.

No caso da mineração, a Constituição prevê uma lei complementar para decidir as regras dessa permissão. Mas, desde então, nenhuma norma foi aprovada pelo Congresso - enquanto o garimpo ilegal avança. Na terra dos ianomâmi, estima-se que 20 mil garimpeiros atuem à margem da lei. O fato de nenhum presidente, desde 1988, ter priorizado o tema na agenda de governo, além da falta de consenso sobre como abrir terras indígenas ao que prevê a própria Constituição figuram entre os principais motivos para a regulamentação nunca feita. O momento agora é inverso, com profusão de propostas novas e recuperação de antigas.

Um dos textos em tramitação mais adiantada no Legislativo federal sobre o tema é de autoria do ex-senador Romero Jucá, presidente do MDB, que apresentou sua proposta em 1995. O texto chegou a ser aprovado pelo Senado no ano seguinte, passou também em duas comissões da Câmara, remetido a uma comissão especial, mas já tramita, ao todo, há 23 anos.

- Mesmo estando na constituição a (previsão de) regulamentação, o tema é extremamente sensível. O que é claro para o setor é que, se não houver regulamentação clara, nenhuma empresa vai propor investimentos nessas regiões - disse ao GLOBO o presidente do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Wilson Nélio Brumer.

Jucá explica que, segundo a Constituição, os índios podem garimpar e "o que precisa de autorização é empresa ou uma cooperativa". O último andamento na tramitação aconteceu ontem, quando o deputado Luis Miranda (DEM-DF) protocolou um requerimento pela criação de uma comissão especial para proferir parecer ao projeto. Ele afirma que seu ato é isolado e defende a exploração como um benefício para a população indígena:

- Índio também quer ter um futuro digno

Jucá explica que seu projeto prevê uma série de condições para a exploração:

- É um assunto polêmico. E tem que ter ser discutido com a sociedade. Precisa de controles.

O "cavalo de santo"
Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a admissibilidade de uma emenda constitucional que prevê atividades agropecuárias e florestais em terras indígenas. De autoria do deputado federal Vicentinho Júnior (PL-TO), o texto estabelece que as comunidades indígenas podem, de forma direta, exercer atividades agropecuárias e florestais em suas terras, com autonomia para a administração dos bens e a comercialização dos produtos.

De acordo com o fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli, é possível conferir uma regulamentação mais clara ao tema sem alterar a Constituição. Segundo Santilli, tanto um projeto de lei, quanto um decreto ou uma instrução normativa poderiam facilitar a produção e a comercialização de produtos agropecuários pelos indígenas.

- Não tem nada na Constituição que impeça isso (atividades agropecuárias). Se os instrumentos normativos hoje não são claros, pode-se redigir uma lei para isso. Uma PEC serve de "cavalo de santo" para enfiar no meio do texto atentados aos direitos adquiridos pelos índios. O marco jurídico pode ser infraconstitucional - diz Santilli.

Ainda segundo Santilli, o governo deveria se debruçar na criação de incentivos à produção agropecuária e extrativista dos indígenas. Em condição especial de detentores da posse da terra, que é da União, eles acabam enfrentando dificuldades para comercializar o que vendem.

A PEC que tenta regulamentar atividades agropecuárias deve esbarrar no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem cabe instalar uma comissão especial para tratar exclusivamente do assunto. Ele já afirmou que, "se for algo que sinalize alguma polêmica, algum encaminhamento que gere mais narrativas negativas para o Brasil, é claro que ela vai ficar onde está, apenas aprovada na CCJ".

Neste ano, o senador Confúcio Moura (MDB-RO) apresentou outro projeto de lei que dispõe, entre outros temas, sobre a autorização de pesquisa, a concessão de lavra e o regime de garimpagem de recursos minerais em terras indígenas, os pagamentos devidos e a autorização do Congresso Nacional para a efetivação dos trabalhos de pesquisa e lavra. O relator do texto é o senador Paulo Rocha (PT-PA).

Em outra frente, o governo está finalizando um projeto de lei para regulamentar a mineração em terras indígenas. De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), o texto vai determinar que os povos indígenas terão poder para vetar a exploração em suas terras e receberão royalties sobre o que for extraído. Empresas do setor, no entanto, dizem que a regulamentação levará tempo, e que nenhuma companhia fará qualquer decisão de investimento nessas áreas.

Líder da oposição na Câmara e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) analisa que esses projetos opõem quem está preocupado em preservar o meio ambiente com a "visão atrasada" de quem acha que a proteção é um entrave ao desenvolvimento econômico:

-Há uma resistência firme, não só dos povos indígenas, mas também dos ambientalistas que se preocupam em preservar essas áreas que são as mais preservadas, espécie de santuários

Em abril, Bolsonaro recebeu indígenas no Planalto e prometeu apresentar propostas para regulamentar a exploração das reservas ao Congresso, que, segundo ele é "soberano para decidir essas questões". Há uma semana, em reunião com governadores da região da Amazônia Legal, Bolsonaro disse que, por trás das demarcações de reservas, há tentativa de "inviabilizar" o país.

O Globo, 03/09/2019, País, p. 12

https://oglobo.globo.com/brasil/debate-sobre-atividades-economicas-em-t…

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