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US$ 1,1 bi não limpam a baía de Guanabara

FSP, Cotidiano, p. C6
17 de Mai de 2004

US$ 1,1 bi não limpam a baía de Guanabara
Dez anos depois, programa para despoluir local não surtiu efeito; quantidade de lixo e esgoto despejados no mar aumentou

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Dez anos depois de firmado entre o governo do Estado do Rio de Janeiro e organismos estrangeiros, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) consumiu cerca de US$ 1,1 bilhão e não limpou a baía. Ao contrário: com o aumento das cidades em volta, cresceu a quantidade de lixo e esgoto despejados no mar.
Segundo o contrato, o PDBG estaria concluído em 1999 -as oito estações de tratamento deveriam estar em plena operação, captando esgotos domiciliares e industriais, retirando parte das impurezas e jogando-os na baía.
As praias mais próximas à saída da baía, como Flamengo (zona sul) e Icaraí (em Niterói), deveriam apresentar condições de banho. Não haveria mais despejos de resíduos industriais.
Nada disso ocorreu. Cinco anos após o prazo de conclusão previsto, as 52 praias da baía continuam imundas. As estações foram construídas, mas não funcionam. Os prédios foram erguidos e as máquinas, compradas. Mas a maior parte do esgoto não chega às estações por falta troncos coletores e redes domiciliares.
Por dia, a baía de Guanabara recebe cerca de 1,7 milhão de toneladas de esgoto e 1.500 toneladas de lixo. Mais 10.500 toneladas vão para "lixões" e aterros ditos sanitários vizinhos. Parte desse material acaba escorrendo para o mar.
As grandes indústrias, como a Refinaria Duque de Caxias, diminuíram os despejos de materiais sem tratamento, para se adequar às normas ambientais. Já a fiscalização das pequenas e médias é precária. Cerca de duas toneladas de óleo são despejadas todo dia na baía, estimam ambientalistas. Não se sabe o quanto de metais pesados acaba indo para o mar.

Circuito
Na última quarta, a Folha esteve nos sete municípios no entorno da baía (Rio, Duque de Caxias, Magé, Guapimirim, Itaboraí, São Gonçalo e Niterói). Visitou praias, deltas dos principais rios e manguezais. A sujeira predominava.
Nas laterais da foz do rio Bomba (São Gonçalo), o chão era forrado por plásticos e madeira. Na avenida Litorânea (Niterói), pescadores jogavam anzóis em meio aos detritos. Em Mauá (Magé), um valão de esgoto sai direto no mar.
Os rios viraram esgotões, que deságuam na baía sem tratamento. O lixo chega por eles à baía. O pesado vai ao fundo. O leve flutua até chegar à orla.
Áreas nos municípios de Magé e São Gonçalo estão sendo favelizadas, o que resulta num aumento da sujeira, levada para a baía por causa do desmatamento.
Um exemplo do aumento no despejo de lixo pode ser constatado em Niterói. Em fevereiro de 2001, a empresa de limpeza da cidade recolheu, nas praias da baía, 522 toneladas de lixo. Em fevereiro de 2003, foram 700 toneladas.

Melhora temporária
No governo Anthony Garotinho (janeiro de 1999-abril de 2002), a Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente) chegou a registrar melhorias na qualidade do mar em Niterói e no Flamengo. Trechos da orla foram, então, considerados próprios para o banho pelo órgão, vinculado ao governo estadual.
A Feema, na ocasião, informou ter recolhido amostras da água e constatado a diminuição da quantidade de coliformes fecais, indicativo da contaminação por esgoto. Mas o quadro não se manteve. A própria Feema tem feito alertas diários: banhistas devem evitar as praias da baía.
A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Assembléia Legislativa do Estado que, no ano passado, investigou o PDBG concluiu que, "apesar dos excessivos gastos ocorridos até o momento, o programa não funciona".
"Esta CPI constatou que, se um objetivo foi alcançado até agora, foi o de conseguir gastar quase que na totalidade os recursos destinados ao programa, sem que isso significasse o efetivo funcionamento", diz o documento.
Segundo o relatório, houve "abuso da ordem econômica" por parte dos responsáveis pelo PDBG, ao atrasar os serviços. Por causa dos atrasos, os contratos foram prorrogados cinco vezes.
"Com os aditamentos, o programa já está orçado em mais de US$ 1 bilhão, que terá de ser pago pelo povo fluminense, com juros."
O relatório critica a opção por obras de saneamento. Cerca de 80% dos recursos do PDBG são destinados a melhorias no saneamento básico da região.
"O benefício para a baía será mínimo, [porque] representará apenas a redução de cerca de 30% da carga de matéria orgânica."
Concluído no fim de 2003, o relatório da CPI ainda não foi votado pelo plenário da Assembléia. Segundo o presidente da comissão, Alessandro Calazans (PV), isso deve acontecer na quarta-feira.
Criatividade é a arma dos moradores
DA SUCURSAL DO RIO

A ineficiência do poder público gerou, em volta da baía, iniciativas individuais que aliam simplicidade, no caso do professor aposentado João Moreira Portes, a criatividade, no caso do desenhista de arquitetura e comerciante Célio de Oliveira.
Portes, 79, recolhe, todos os dias, o lixo que a maré joga na areia da praia do Gragoatá, em Niterói (cidade a 15 km do Rio).
No fundo da baía, em Piedade (Magé, a 60 km da capital), Oliveira, 50, constrói casas com garrafas plásticas que chegam às centenas aos manguezais e praias do lugar.
Morador do Gragoatá há 30 anos, Portes se habituou a, diariamente, nadar 40 minutos em meio aos detritos que bóiam na baía. Diz ser imune a doenças da poluição. "Criei anticorpos." Após o exercício, com uma vassoura, junta o lixo espalhado pela areia, depois recolhido por garis.
"Gosto de praia limpa", disse. Ele evita responsabilizar as autoridades pela poluição na baía. "É a natureza. Ninguém tem culpa."
Figura famosa na praia da Piedade, Oliveira já construiu uma casa e uma sorveteria com garrafas de dois litros. A casa, de três cômodos, têm as paredes formadas por 10 mil garrafas, todas trazidas pelo mar. Ao lado, construiu a sorveteria com 4.800 garrafas.
Piedade é uma praia bucólica, com manguezais a perder de vista. Está dentro da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, espécie de santuário ecológico da baía, o último resquício de natureza em uma região degradada.
Oliveira mostrou à população o valor das garrafas plásticas. Antes da casa, o quilo valia R$ 0,15. Hoje, saltou para R$ 0,60. Adultos e crianças percorrem o litoral e ilhas recolhendo garrafas para reforçar o orçamento familiar. (ST)

Outro lado
Conde diz que governo do Rio já prepara 2 fase
DASUCURSALDORIO
O secretário estadual de Meio Ambiente e vice-governador, Luiz Paulo Conde, anunciou que, embora haja um atraso de cinco anos no PDBG, o governo Rosinha Matheus (PMDB) já se mobiliza para a implantação da segunda fase do projeto.
Em entrevista à Folha, Conde disse que o PDBG-2 está orçado em US$ 822 milhões. O dinheiro, segundo ele, virá dos financiadores do primeiro projeto: o BID e o Japan Bank for International Cooperation.
Conde listou as principais propostas do PDBG-2: modernizar a gestão ambiental da bacia da baía de Guanabara, melhorar a infra-estrutura urbana da região, principalmente na questão do lixo, e desenvolver um sistema de mapeamento digital.
Para o secretário, o governo "está botando o programa para funcionar". Conde afirmou que, até o fim deste ano, 40% do esgoto produzido no entorno da baía será tratado nas estações antes do despejo no mar.
Hoje, de acordo com ele, 22% do esgoto é tratado. Em 1994, no momento da assinatura do contrato do plano, somente 13% passava por algum tipo de tratamento antes de ir para a baía, afirmou o secretário.
Conde disse que o atual programa de despoluição deverá estar encerrado no início de 2006, sete anos ,,após o prazo contratual.
Ele previu que, na ocasião, 58% do esgoto será despejado na baía após passar por tratamentos de purificação nas oito estações da região metropolitana. O percentual é o previsto no contrato firmado em 1994. Deveria já estar implantado em 1999.
De acordo com Conde, o PDBG atrasou em razão da alta do dólar em 1999 e também por não ter sido priorizado em alguns governos anteriores.
"O governo Garotinho foi o que mais avançou [nas obras previstas no contrato]", afirmou ele, pré-candidato do PMDB à Prefeitura do Rio na eleição deste ano.
Até 2005, na região da entrada da baía até a Ilha do Governador, [...] as pessoas vão poder nadar", previu.

FSP, 17/05/2004, Cotidiano, p. C6

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