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UnB estuda lagartos do cerrado

CB, Cidades, p.24
27 de Fev de 2004

MUNDO ANIMALUnB estuda lagartos do cerradoEm 18 anos de pesquisa, já foram identificadas 49 espécies do réptil em todo o Brasil. Especialista alerta que desmatamento ameaça a sobrevivência do bicho e compromete cadeia alimentar de aves e outros predadores

Renato Alves Da equipe do Correio
Os lagartos podem ser considerados feios, nojentos. Mas têm lugar de destaque na capital do país. O calango, o pequeno lagarto, foi escolhido por artistas, músicos e esportistas no final da década passada como animal-símbolo para definir o trabalho artístico e representar a miscigenação cultural que se formou na cidade. Criaram até o Movimento Calango. Eles se identificam com o bicho que gosta de sol e pode ser encontrado em todo o Brasil.   Mas o lagarto também é adorado e explorado no meio acadêmico candango. Na Universidade de Brasília (UnB), eles são metade dos 40 mil bichos da coleção herpetológica — animais preservados em álcool — no Laboratório de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas.   Há pelo menos 18 anos, professores e alunos estudam o bicho, morto ou vivo. Já descobriram que o bioma cerrado tem 49 espécies diferentes de lagarto — 14 delas são encontradas somente no Brasil. Outras quatro ainda estão sendo pesquisadas pelos estudiosos.   À frente dos estudos está um filho de italianos, o professor Guarino Colli, 41 anos. Desde que chegou à UnB, em 1986, ele se dedica aos répteis e anfíbios, em especial aos lagartos. Guarino e seus alunos querem saber tudo sobre eles: a distribuição geográfica, os hábitos, a dieta, a reprodução, o comportamento.   No cerrado tem lagarto de tamanhos, cores e características bem distintas. Os menores medem apenas dois centímetros. Os maiores chegam a três metros. Há os que vivem na água. Outros preferem a terra. Muitos gostam mesmo é das árvores. E ainda tem aqueles que passam a maior parte da vida debaixo do solo. A maioria coloca ovos. Mas existem os vivíparos — que se desenvolvem na barriga da mãe.   Mas por que tanta dedicação a seres considerados por muitos tão repugnantes? Sabendo onde e como vivem e quantos são, podemos ter idéia dos riscos que eles, o restante da fauna e todo o cerrado correm, explica o professor Colli. Uma certeza que ele e seus alunos têm é a de que os lagartos brasileiros não são venenosos. Há apenas duas espécies peçonhentas, encontradas somente nos Estados Unidos. Extinção Apesar de serem, digamos, do bem, os lagartos brasileiros estão a perigo. Nove espécies integram a lista dos animais ameaçados de extinção do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Eles habitam o litoral do país. São mortos principalmente por causa do couro, usado na fabricação de roupas e calçados. O destino, quase sempre, é a Argentina e o Paraguai.   As grandes plantações de grãos no cerrado comprometem a sobrevivência desses répteis. Sem a proteção natural das plantas nativas, eles se tornam presas fáceis dos seus predadores e do próprio homem, que costuma tirar o réptil do seu habitat para vendê-lo no mercado negro. Entre as espécies mais visadas está a iguana, um lagarto herbívoro. Já os teiús fazem parte da alimentação de moradores das regiões Norte e Nordeste do Brasil.   Em uma pesquisa na região do Pantanal e na Amazônia, Colli descobriu que nos anos 50 e 60 houve uma matança de lagartos da espécie conhecida como dracena — a espécie vive na água e chega a medir um metro. Os moradores contam que houve caça desenfreada ao animal por causa do couro muito valorizado.   O resultado da matança, segundo o pesquisador, é desastroso em qualquer ambiente porque os lagartos são parte importante da cadeia alimentar. Se faltam lagartos, sobram insetos, aranhas e escorpiões, por exemplo. Por outro lado, os lagartos servem de alimento a aves e outros predadores, como as cobras.   As iguanas são as mais procuradas por criadores. No Brasil, é proibida a criação de lagartos nativos. A maneira legal de ter um desses bichos em casa é importando de outro país. Mas a prática só é permitida com autorização de um organismo internacional, a Site.   No entanto, o número de iguanas criadas em casas nos Estados Unidos e na Europa preocupa os especialistas. O que entra de lagartos por ano nesses países é mais do que todas as coleções científicas do mundo inteiro, alerta o especialista da UnB Guarino Colli.
PARA SABER MAISEstudo desde a Missão Cruls  O zoólogo Cavalcanti de Albuquerque foi primeiro pesquisador a estudar répteis e outros animais do cerrado. Ele integrava a Missão Cruls, o grupo de pesquisadores que demarcou, em 1892, a região do Planalto Central onde seria instalada a nova capital do país. Mas Albuquerque e seus ajudantes só conseguiram descrever três espécies de lagartos que encontraram no estado de Goiás. Já naquela época, os pesquisadores chamavam a atenção para o perigo do desmatamento. A queima de campos em Goiás é poderosa destruidora dos insetos que ainda são tenazmente perseguidos pelas emas, seriemas, tesouras e mil outras aves, escreveu Albuquerque no relatório da Missão Cruls.

CB, 27/02/2004, p. 24

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