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Uma morte a cada 19 segundos

OESP, Vida, p. A23
10 de Nov de 2006

Uma morte a cada 19 segundos
25% da população não tem acesso à rede de esgoto. Uma taxa pior que a do México e do Paraguai. Se o País não acelerar o ritmo, dificilmente atingirá o objetivo de atender 85,5% até 2015

Lígia Formenti

A deficiência no acesso à água e ao saneamento básico são considerados um dos maiores empecilhos para o desenvolvimento mundial. Os dois fatores combinados provocam todos os anos a morte de 1,8 milhão de crianças no mundo - um óbito a cada 19 segundos. Muitas das que escapam da morte têm de enfrentar problemas constantes de saúde, que levam ao atraso no aprendizado e à evasão escolar.

A falta de água e de saneamento dificulta até mesmo a igualdade entre homens e mulheres - buscar água é uma tarefa essencialmente feminina e, ao executá-la, as meninas acabam indo menos à escola, por exemplo. O problema também mina recursos obtidos por países e regiões. Somente a África Subsaariana perde 5% de seu Produto Interno Bruto por questões relacionadas à água.

Para mostrar a gravidade da situação, o Programa de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas dedicou o relatório deste ano ao tema Água e Esgoto. Além de reunir números que ajudam a avaliar a tragédia provocada pela falta de infra-estrutura, o relatório faz sugestões para resolver o problema e inicia uma campanha: todas as pessoas do mundo deveriam ter acesso diário a pelo menos 20 litros de água tratada.

'O problema não é falta de água, mas de vontade política de governantes, de ações adequadas para adotar as medidas necessárias', afirma Ricardo Fuentes, do PNUD. 'A escassez é provocada muito mais pela falta de voz, pela falta de poder político de pobres do que por problemas financeiros ou tecnológicos.'

Em artigo escrito a pedido do PNUD e publicado no relatório, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que 'a água limpa é um dos pilares do desenvolvimento econômico e social'. 'Tentamos combater o problema da água e do saneamento como parte do nosso esforço mais amplo para criar uma sociedade mais justa.'

DIREITO

Dentro da estratégia de reduzir a escassez, o PNUD defende que o acesso à água seja considerado um direito humano. E para providenciá-la, recomenda o estudo, é indispensável que governantes locais e países do G-8 ampliem os recursos para este fim. Estratégia bem diferente da adotada atualmente. Pelos cálculos do PNUD, água e esgoto consomem menos de 0,5% do PIB. Se 1% fosse reservado para a área, afirmam, avanços significativos já seriam observados.

Eles lembram também ser indispensável a ajuda de países ricos aos pobres - não só por meio de financiamentos, mas também com intercâmbio de tecnologias. Autores do estudo estimam que, para atingir um dos Objetivos do Milênio - a redução da metade da proporção da população que não tem acesso a esses recursos até 2015 -, seriam necessários US$ 10 bilhões. 'Pode parecer muito, mas é bem menos do que o mundo gasta com armas em cinco dias', compara Fuentes.

No relatório deste ano, o Brasil é várias vezes citado. Entre as referências, estão duas iniciativas bem-sucedidas: a do abastecimento de água em Porto Alegre e a da criação do esgoto condominial no Distrito Federal, uma espécie de mutirão em que o Estado providencia o material e a população, auxiliada por técnicos, se encarrega da construção de sistemas de ligação entre os dutos principais de esgoto e suas casas.

O Brasil também é lembrado pelas carências. Um exemplo são os moradores de favelas na região do Recife, que, sem sistema de esgoto, são obrigados a descartar as fezes, embaladas em sacos plásticos, pela janela.

Apesar da discussão em torno da privatização dos serviços de água e esgoto, o relatório do PNUD aponta que os dois sistemas têm ganhos e perdas. 'Não há uma fórmula mágica', diz o trabalho. O essencial, acrescenta, é que o poder público financie a instalação de esgoto em áreas mais pobres, onde certamente investidores não teriam nenhuma atração para fazer suas obras.

A desigualdade de acesso e do consumo vem acompanhada de outra distorção. Justamente as pessoas mais pobres são as que mais pagam pela água consumida. Para driblar a escassez, recorre-se a caminhões particulares. Na comparação feita pelo estudo, a água fornecida por um vendedor chega a ser entre 10 e 20 vezes mais cara do que a do serviço de abastecimento público.

Brasil tem de correr para melhorar saneamento

O relatório do PNUD adverte que o Brasil vem apresentando um ritmo de ampliação da rede de esgoto abaixo do que seria considerado adequado. Em 2004, 75,5% da população vivia em áreas com saneamento satisfatório. Em 1990, a porcentagem de cobertura era de 71%. Se o ritmo não for acelerado, dificilmente o País cumprirá o compromisso de oferecer o serviço a 85% da população até 2015.

No quesito investimento, o Brasil também está longe de atender às expectativas do PNUD. Recomenda-se que países destinem pelo menos 1% do PIB para serviços de água e esgoto - a média de investimentos do governo federal no setor é de 0,35% do PIB, segundo o secretário de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Abelardo Oliveira. Nos próximos quatro anos, o investimento federal deve passar para 0,45% do PIB. 'Gastamos menos do que deveríamos, mas muito mais do que em outros períodos.'

O PNUD mostra que a estrutura para fornecimento de água cresceu de forma mais rápida. Cerca de 90% dos brasileiros tinham em 2004 acesso à água tratada - o compromisso é de 91,5% da população em 2015.

A desigualdade no ritmo de ampliação do sistema de esgoto, no entanto, anula em parte os ganhos obtidos na área do abastecimento de água. 'Água tratada e esgoto são dois serviços que têm de andar juntos', defendeu ontem o assessor para o Desenvolvimento Humano Sustentável do PNUD, José Carlos Libânio. L.F.

OESP, 10/11/2006, Vida, p. A23

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