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Uma mancha de recuperação na Mata Atlântica

O Globo, Razão Social, p. 12-14
05 de Abr de 2004

CAPA Pequenos empresários de municípios paulistas investem no setor turístico e descobrem na natureza um jeito economicamente viável de sustentar e ampliar seus negócios. Com determinação e boa vontade, fazendeiros recuperam parte da mata virgem

Uma mancha de recuperação na Mata Atlântica

Por Amélia Gonzalez

Ainda é só uma luz no fim do túnel. Mas, para quem está acostumado a ouvir dados aterradores sobre a devastação das nossas florestas, a tese defendida pelo professor Eduardo Mazzaferro Ehlers, do SENAC de São Paulo, é um sopro de esperança. E mais: é a prova de que o homem tem poderes para destruir e inteligência para reconstruir. Vamos à tese colhida pelo professor em mais de três anos durante visitas que fez a 25 municípios paulistas: Em 15 áreas do estado há uma nítida concentração de municípios que ampliaram suas áreas da mata atlântica na década passada, formando manchas de recuperação florestal no mapa de São Paulo. Agora, talvez a melhor parte: os maiores responsáveis por este benefício ao meio ambiente são pequenos empresários que descobriram na natureza um modo economicamente viável de viver:
- A cafeicultura nos anos 20 e depois s criação de gado empobreceram o solo. Hoje o homem encontrou outra atividade econômica o turismo, para a qual quanto mais mata e ambiente conservado, melhor - diz Ehlers.

"O homem achou o turismo, para o qual quanto mais mata melhor"

Eduardo Mazzaferro Ehlers
Professor

Regeneração foi maior em solos empobrecidos
Fogos espoucados, é hora de botar o pé no chão. Afinal, por mais que esteja sendo feito, o mal foi tamanho que para consertá-lo é preciso um esforço muito maior. Até porque, a análise dos dados do Inventário Florestal do Estado de São Paulo, recentemente atualizado pela equipe do Instituto Florestal, também aponta para uma redução da área total de Mata Atlântica. Dos 1.842.180 hectares contábilizados a partir de imagens de satélite, referentes ao período entre 1990-1992, restavam 1.516.018 hectares em 2000-2001.
- A maior parte da regeneração natural ocorreu em solos empobrecidos. E é importante dizer que houve uma fiscalização mais intensa por parte das autoridades controlando a degradação ambiental neste período - lembra o professor Ehlers.
Para quem ainda tem dúvidas, a recuperação da Mata Atlântica é importante para a manutenção da biodiversidade, do clima e, sobretudo, da água, este tesouro que tem se escoado canos abaixo por pura imperícia dos homens. Tudo isso junto significa vantagem sob o ponto de vista econômico, sim, e foi o que o pesquisador começou a perceber em suas viagens:
- Passei a observar mais de perto e vi a predominância de empreendedores que valorizam o patrimônio ambiental. E os municípios beneficiados não estavam isolados, mas agrupados em territórios contíguos.
Daí a mancha de recuperação da Mata, sobretudo na Serra da Mantiqueira, no Circuito das Águas e municípios da mancha das cuestas.
Com pousadas, agências e chácaras de lazer, os pequenos empresários se aproximaram do maior anseio da humanidade. Por ter se afastado tanto da natureza, encarapitado em prédios altíssimos, em cidades poluídas e apinhadas de gente, o homem sentiu falta do ar puro. E decidiu ir buscá-lo, pelo menos nas horas de lazer.
- Vê-se então hoje a revalorização do meio rural, que não é mais o espaço para produzir alimentos, mas também onde se busca o bem-estar, a satisfação, o contato com a natureza. E isso gera emprego, gera renda - diz o professor.
Conclusão: a natureza sempre foi, para o homem, inimiga do crescimento econômico. E agora acontece justamente o contrário. Em alguns dos municípios beneficiados, mais da metade dos empreendedores têm negócios voltados a atividades turísticas. Ehlers conta que há muitos casos em que os pequenos empresários buscaram parceria - com ONGs ou com o poder público - ampliando seu poder de atuação. Para reiterar a boa medida, surge ainda uma força fiscalizadora espontânea: a população local:
- Hoje em dia ninguém consegue abrir um negócio poluidor. A população não vai deixar - diz Ehlers, que sonha dar uma continuidade ao seu estudo despertando o interesse de outros pesquisadores.

Além dos limites da lei de reserva florestal

Por Paula Autran

Na Fazenda do Urso, em São Carlos, não basta obedecer os limites impostos pela lei. É preciso ir além. Obrigada a manter como reserva florestal 20% da área de 500 alqueires, o equivalente a 1200 hectares, a Damha Urbanizadora - que comprou a antiga fazenda de gado e leite de mesmo nome, em 1996, para ali construir condomínios residenciais e desenvolver atividades esportivas e ecológicas - já plantou 200 mil árvores, tanto na Área de Preservação Permanente (APP) quanto ao longo dos riachos, a fim de conectar os maciços. Com isto, reflorestou 23% da área. E quer mais.
- Até porque, é nosso maior apelo. Para tanto, fizemos parcerias com cooperativas que produzem mudas e estamos tomando iniciativas como plantar uma árvore a cada acesso ao nosso site na Internet. Também queremos produzir nossas próprias mudas, de diversas espécies. Temos um quadro de biólogos e agrônomos trabalhando, fazendo inclusive um acompanhamento aéreo por fotografias - conta o gerente-chefe da Damha, Marcelo da Paz.
Ao transformar a fazenda num parque arborizado e florido, a urbanizadora tem a prerrogativa de usar esta área em caráter educativo, de pesquisa e de lazer ecológico. Não por acaso, ao patrimônio natural agregou valores como campo de golfe, hípica, represas, trilhas ecológicas, circuito para cooper e quadras de ténis, vôlei de areia e poliesportiva, além de campos de futebol profissional e infantil. Tudo isto pode ser usufruído tanto pelos condôminos dos três residenciais previstos para existir lá dentro - o primeiro, com quinhentas unidades, já está totalmente vendido há um ano; o segundo está quase pronto e o terceiro está sendo construído - quanto por visitantes, esportistas e crianças que estudam nas escolas da região.
- Mandamos ônibus para buscar as crianças para o passeio guiado - acrescenta Marcelo. - E patrocinamos esportistas como a triatleta Carla Moreno, que treina aqui para ir para Atenas.

Um trabalho de reflorestamento nota dez

Por Paula Autran

Fazendas como a Cassorova, em Brotas, no centro do estado de São Paulo, já são até objeto de estudo. Passando por um processo de reflorestamento para a recomposição da mata ciliar do ribeirão Cassorova, no qual já foram plantadas 1500 mudas de plantas nativas, a propriedade virou tema do trabalho de conclusão do curso de Turismo de uma de suas sócias, Milene Baltieri, em 2002, na Universidade Metodista de Piracicaba. Por esta e por outras, Milene e a irmã, que é agrônoma, sabem como poucos da importância da preservação da natureza para o desenvolvimento do chamado turismo sustentável.
A fazenda, que possui atrativos naturais como as cachoeiras Cassorova e dos Quatis, também ganhou piscinas rústicas de água natural, restaurante típico que serve comida caseira preparada em fogão à lenha, lanchonete e mirantes. Tudo isto para atrair não só turistas de aventura que passam o dia por lá em busca de divertimento nas trilhas e em circuitos de canoagem, por exemplo, mas também os que buscam aprendizado a partir do contato direto com a natureza. Sem o reflorestamento, porém, tanto investimento poderia ser posto a perder.
- Reflorestamos uma área de 125 alqueires, perto da mata ciliar da cachoeira. Para isto, tivemos o apoio da Fundação Florestal, que nos doou as mudas. Os próprios funcionários da fazenda plantaram tudo - conta
Milene. -Acho que iniciativas como estas ajudam a valorizar o próprio negócio, mas é preciso fazer mais. Não fizemos nem a metade do reflorestamento necessário ainda, mas o instituto tinha um limite de mudas.
As visitas à Cassorova, assim como as de outras fazendas que trilham o caminho do ecoturismo e do turismo de aventura na região, são agendadas pela Mata Dentro, uma agência criada para reforçar a nova vocação turística de Brotas, município localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) de Corumbataí e cheio de nascentes, cachoeiras e corredeiras, conseqüentes de seu relevo de cuestas basálticas cortadas por pequenos e médios cursos d'água. Em todas as propriedades, o que foi reflorestado começa a dar frutos.
A busca pelo lucro em outras 'verdinhas'
O biólogo Eduardo Malta Campo Filho, sócio da Fazenda Santa Maria, em São Carlos, contabiliza os lucros de reflorestar a propriedade, de mil hectares. Mas é com outras "verdinhas" que ele se preocupa:
- De quatro anos para cá, passamos a plantar cerca de 150 espécies nativas. Já são 30 mil mudas plantadas na área da reserva, que corresponde a 20% da fazenda. Ainda temos uns 30 hectares para recuperar, tanto de mata ciliar quanto de áreas mais distantes do rio. É um investimento que tem retorno para vários lados além do financeiro. Com a floresta recuperada, até animais que estavam sumidos, como o lobo-guará, o tamanduá e algumas aves, voltaram a aparecer.
Não é à toa que o número de visitantes da antiga fazenda de leite e gado por fim de semana aumentou de 40 pessoas para 150 desde o início do processo de reflorestamento. O biólogo fez uma parceria com a SOS Mata Atlântica, que doou mudas como de paineiras, aroeiras e cedro para iniciar o trabalho. Assim, a fazenda passou a investir em ecoturismo e turismo de aventura, oferecendo passeios a cavalo, excursões de escolas, trilhas com informações sobre as árvores, passeios de boiacross no rio e chalés para alugar.
- Agora, a gente mesmo compra novas mudas para o plantio. E estamos aplicando uma técnica para atrair espécies de aves que carregam sementes. No total, já investimos R$ 8 mil para reflorestar 25 hectares. Estamos bem próximos do que esperávamos - comemora ele.
Proprietários de fazendas da região de São Carlos, como Eduardo, também passaram a contar com uma maior fiscalização por parte da Polícia Florestal. Assim, não se vê mais caçadores invadindo a propriedade alheia em busca de animais silvestres. Desta forma, animais como tucanos e macacos, que voltaram a habitar as áreas reflorestadas, podem viver em paz e fazer a alegria dos visitantes. (P.A.)

O Globo, 05/04/2004, Razão Social, p. 12-14

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