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Uma herança dos antepassados

CB, Cidades, p. 27
23 de Mar de 2004

Uma herança dos antepassados

Arqueólogos goianos encontram milhares de peças pré-históricas na área da barragem do Ribeirão João Leite, entre Goiânia e Anápolis. Instrumentos pertenciam a povos que habitaram a região do Planalto Central

Renato Alves
Da equipe do Correio

Parte da história candanga está enterrada no Planalto Central. São peças de centenas, milhares de anos. Elas dão pistas sobre o modo de vida dos ancestrais brasilienses e goianos. Ferramentas e cerâmicas de homens e mulheres que se abrigavam em grutas, lapas, paredões de pedra e aldeias. Esse tesouro, pouco explorado, é ameaçado pela expansão das cidades e grandes obras de engenharia, como estradas e hidrelétricas. Mas cientistas têm se esforçado para resgatar a herança deixada pelos homens das cavernas e índios que povoaram as terras goianas muito antes dos bandeirantes e dos candangos.

As mais recentes descobertas sobre a pré-história do Planalto Central foram feitas por um grupo de pesquisadores do Núcleo de Arqueologia do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA), da Universidade Católica de Goiás (UCG). Durante dois anos, eles trabalharam no levantamento e resgate do patrimônio arqueológico da área a ser afetada pela construção da barragem do Ribeirão João Leite, entre Goiânia e Anápolis. Os estudiosos identificaram 23 sítios arqueológicos na região. Eles conseguiram resgatar 17, dos quais 11 datam de 830 anos atrás. Os outros seis remetem ao início do século 19. Ao todo, os arqueólogos recolheram mais de 40 mil peças. Todas estão guardadas na UCG.

O relatório do levantamento, divulgado na semana passada, mostra que a área a ser inundada com a construção da barragem (25,6 km²) já foi ocupada por aldeias onde viviam até 2 mil pessoas. Os pesquisadores concluíram que parte dos objetos é de povos da tradição Aratu, que moraram nas terras de Goiás há quase mil anos. Eles construíam as aldeias em formatos circulares. Ao redor, plantavam mandioca, fumo, tomate, milho e feijão. Também costumavam cultivar um pomar, com frutas como jenipapo, xixá, bacuri e guariroba.

''Classificamos as culturas dos ancestrais dos índios utilizando termos como tradição e fase porque não há como precisar os grupos lingüísticos'', explica a arqueóloga Mariza de Oliveira Barbosa, que ao lado da colega Sibeli Aparecida Viana coordenou a exploração científica na barragem do Ribeirão João Leite, iniciada em agosto de 2002.

No período em que os ancestrais indígenas viveram em terras goianas, a região era a maior área de floresta contínua do centro da América do Sul. O território era muito cobiçado pela população indígena, em função, principalmente, da alta fertilidade do solo. A arqueóloga Mariza Barbosa destaca que os mesmos povos que habitavam a região onde está Goiânia também moravam no atual território do Distrito Federal. ''Isso desde os tempos das cavernas'', completa.

Muito depois dos índios, vieram os senhores de casa grande, donos de latifúndios que viviam da criação de gado. Nos sítios históricos da barragem do Ribeirão João Leite, foram resgatados fragmentos de louças, frascos medicinais e de perfume, xícaras, pratos, panelas de cerâmica e de ferro, partes de vestimentas e ferramentas de metal utilizadas pelos donos, trabalhadores e escravos das propriedades rurais, que datam dos séculos 18 e 19.

Inscrições contam a vida na região

A maior parte das pesquisas sobre os antigos animais e os primeiros homens que habitaram o Planalto Central foi feita pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pela Universidade Católica de Goiás (UCG). Os levantamentos dos técnicos goianos mostram que o Distrito Federal e a região do Entorno guardam um importante
registro da pré-história.

Algumas das pesquisas no Planalto Central foram realizadas pela UFG, em convênio com a Universidade de São Paulo (USP), dentro do Projeto Anhangüera de Pesquisas Pré-Históricas. O estudo envolveu as áreas próximas ao DF, entre elas Planaltina de Goiás, conhecida como Brasilinha, único sítio arqueológico estudado a fundo nas proximidades de Brasília.

Em escavações iniciadas em 1979 na cidade goiana, distante 56km de Brasília, os arqueólogos encontraram uma verdadeira indústria pré-histórica de instrumentos de pedra. São mais de quatro mil peças - cunhas, machados, raspadores - que ainda não foram escavadas. Tudo está na beira do córrego Rico. Os instrumentos têm cerca de oito mil anos.

Nas redondezas da cidade de Formosa (GO), a 80km de Brasília, há pelo menos 29 grutas. Apesar de pequenas, elas têm grande importância histórica. São os primeiros abrigos pré-históricos encontrados na região, segundo estudo dos professores Pedro Ignácio Schmitz e Altair Sales Barbosa, da UCG. Tetos e paredes de sete grutas de Formosa são cobertos por pinturas. Algumas com formas de animais. Outras geométricas - a maioria em círculos - e com tradições astronômicas - que os pesquisadores supõem ser retratos do céu, das diversas constelações. Todas tinham tons variados de vermelho, preto e também com associação das duas cores.

Outra área arqueológica, na Chapada dos Veadeiros, a pouco mais de 200km de Brasília, guarda pinturas rupestres diferentes das de Formosa. Na Chapada e no Vão do Paranã, há farto registro de inscrições em pedras. Os retratos são abstratos. A maioria, de formas geométricas, bem variadas em tamanhos. Até 1982, tinham sido catalogados 90 sítios na região.

Em Unaí, a 180km de Brasília, arqueólogos encontraram dois abrigos de pedras com pinturas rupestres. Os estudiosos estimam que os registros foram feitos por uma comunidade que ali viveu há dez mil anos.

No entanto, nenhuma das grutas da região do Entorno é explorada turisticamente. Elas não têm infra-estrutura para visitas.

As obras da Barragem do Ribeirão João Leite abrangem uma área de 25,6km², parte na região do Parque Ecológico, nas redondezas de Goiânia. A barragem é construída junto ao Morro do Bálsamo, uma área rural entre a capital de Goiás e Anápolis. A obra visa expandir o sistema de abastecimento de água potável em Goiânia e cidades vizinhas, como Goianópolis, Nerópolis e Terezópolis de Goiás.

CB, 23/03/2004, Cidades, p. 27

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