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Um mundo mais limpo

CB, Responsabilidade Empresarial, p.2
12 de Out de 2005

Um mundo mais limpo
Certificações ambientais, preocupação com os recursos renováveis e muitas historias pontuam as quatro décadas em que governo, sociedade e empresários despertaram para a necessidade de conservar o ecossistema
Danielle Romani
A década de 60 foi rica em protestos e idéias. Em apenas dez anos, o mundo viu surgir movimentos de várias tendências. Foi a era das feministas, dos hippies, dos esquerdistas das barricadas levantadas em Paris e por cidades de outros continentes. Da contracultura e da revolução. Nas ruas de todo o Planeta, se protestava contra a bomba atômica, pelo término imediato da guerra do Vietnã, pelo fim do capitalismo e pelos direitos civis americanos, especialmente os dos negros. No bojo desta década tão explosiva e rica, surgiria também um novo conceito: o da necessidade do homem e natureza viverem em harmonia. Os anos 60, afirmam estudiosos e especialistas em meio ambiente, foram o embrião do relacionamento sociedade natureza, do surgimento da ecologia.
A bandeira foi levantada principalmente pelos hippies”, explica Jorge Nogueira, que é professor da Universidade de Brasília e diretor de dois centros ligados à UnB: o de Estudos em economia, meio ambiente e agricultura e o Integrado de ordenamento territorial, ambos especializados no assunto. Segundo ele, foi no final da década que surgiria o primeiro documento reforçando o que pregavam os malucos beleza”americanos. Tratava-se do livro Os limites do crescimento , editado pela Massachutes Institute of Tecnology, o mesmo instituto que apoiara o relatório do Clube de Roma na década de 40. A primeira versão do texto foi editada em 1968, mas o lançamento mundial ocorreria em 1971, às vésperas da Conferência de Estocolmo, realizada em 1972”, ressalta o especialista. Nas páginas da publicação, a tese que encantaria os ecologistas da época e deixaria de cabelos em pé empresários sérios. O livro dizia que havia um limite ao crescimento, que a terra seria incapaz de se manter se fosse mantido o ritmo de desenvolvimento”, explica Jorge. Países em desenvolvimento, como o Brasil, e empresários torceram o nariz para as propostas. Ou melhor. No caso do Brasil, os militares não engoliram as teses e enviaram um representante à conferência. O discurso do ministro do interior, coronel Costa Cavalcanti, dá idéia da indignação que a proposta causava nos países subdesenvolvidos. Ele disse algo que se tornaria eterna referência para a literatura da área: Se vocês não querem poluição mandem para cá. O nosso maior problema ambiental é a pobreza”.” Para reforçar o argumento dos neo-ecologistas os anos de 1973/1974 trouxeram um novo problema: a crise do petróleo parecia reforçar a tese de que a Terra
estava à beira de um colapso. Com uma discussão nesse nível, que foi a tônica de todos os anos 70, é óbvio que o empresariado não se sentiu nem um pouco propenso a aderir às boas práticas ambientais. Eram incompatíveis com a existência de empresas. Eles ficaram, portanto, distantes do que consideravam, com razão, de retórica exótica e fútil”, observa Jorge.
Na década de 80 nova realidade. Acidentes ambientais levaram governos e empresas a repensar a questão. Em 1983, em Bophal, na Índia, um vazamento de gás na planta da Union Carbide matou milhares de trabalhadores e os que sobreviveram ficaram com seqüelas durante anos A partir desse incidente criou-se a imagem de que alguns setores produtivos eram sujos, perigosos. Em especial as indústrias química e de papel e celulose”, conta Jorge. A imagem começou a prejudicar os negócios de grandes corporações. Vários segmentos começaram a se opor aos setores. A primeira reação foi da opinião pública. A segunda dos acionistas, que ficaram chateados em ter seus capitais vinculados à indústria. Mas a mais incômoda reação veio das companhias de seguro, que começaram a ficar preocupadas em segurar plantas sujas. E passaram a cobrar bem mais para garantir os sinistros”, diz o professor, que ressalta outro fato impactante na década:
a consolidação do partido Verde alemão, que criado nos anos 70, começava a ganhar força e espaço político na sociedade e no parlamento. E influenciaria, definitivamente, a mentalidade dos dirigentes da comunidade européia.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O mundo fervilhava. No Brasil, o clima também era tenso e a sociedade colhia o impacto de projetos equivocados. Em especial, os resultados dos incentivos dados para a ocupação da Amazônia no final dos anos 70, começaram a se mostrar desastrosos. O processo culminou com a morte de Chico Mendes, em 1986. As empresas brasileiras começaram a abrir os olhos para a questão.
Uma das primeiras a investir na proteção e criação de programas ambientais foi a Companhia Vale do Rio Doce. Em seguida, foi a vez das ligadas ao setor de papel e celulose encomendarem estudos de impacto e projetos ambientais. Na segunda metade dos anos 80, em nível de mundo e do Brasil começou a haver uma reação do meio empresarial em relação ao meio ambiente”.
O ano de 1987, em especial, trouxe novidades importantes. Foi publicado pela Organizações das Nações Unidas (Onu) o relatório Nosso futuro comum, que trazia um conceito revolucionário: o de desenvolvimento sustentável. A partir deste momento, crescimento econômico e meio ambiente não são mais incompatíveis. Passam a ser possíveis e os empresários, finalmente, começam a olhar o setor com simpatia”.
Para se ter noção de como as idéias do Nosso futuro comum atingiram a sociedade, Jorge Nogueira relembra a campanha presidencial brasileira de 1989. Lembro até hoje do primeiro programa eleitoral do horário gratuito. Nele, o candidato — que viria a ser eleito presidente — Fernando Collor falava do meio ambiente e pregava o desenvolvimento sustentável. Tomei um susto”, recorda Jorge.
Na década de 90, mais avanços. E decisivos. Em 1992 seria realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUCED), realizada entre 3 a 14 de junho, que ficou conhecida como ECO Rio ou Rio 92. A reunião foi importantíssimas realizada sob o manto do desenvolvimento sustentável. A Agenda 21, elaborada durante a reunião, é uma ode á tese”, explica o professor.
SENADOR ECOLÓGICO
Mas enquanto no Rio se discutia como conciliar crescimento e meio ambiente, nos Estados Unidos e no Canadá se lançava um projeto que capitalizaria o apoio das empresas. Tratava-se do Programa Pró- Ativo, onde se estimulava os empresários a se anteciparem nas decisões ambientais e não esperar o governo. Os setores químicos canadense e norte-americano começaram a fixar metas de comportamento ambiental sem interferência pública”, diz Outro fato seria determinante. Com a eleição do democrata Bill Clinton para a Casa Branca, chegaria ao poder também o vice-presidente Al Gore, apontado pelos ecologicamente corretos como o primeiro grande senador ambientalista americano.A chegada de Gore ao poder deu uma força tremenda ao Environmental Protection Agency (Epa), o poderoso Ibama norte-americano. Com ele no poder, ao invés de impor às empresas ações, começa um movimento de negociação, o que agrada extremamente aos empresários. Neste período, são assinados os primeiros acordos voluntários ambientais, um modelo ue seria exportado para o resto do mundo”.
Agora, os empresários já não são mais vistos como inimigos públicos número 1 do meio ambiente. Pelo contrário, passam a ser um aliado para atingir metas de redução de impacto e conservação. O interesse das corporações brasileiras em se adequar às normas politicamente corretas têm um apelo extra: com a abertura dos mercados, quem não estiver com selos e certificações ambientais dificilmente conseguirá colocar seus produtos. As idéias da bancada verde européia se difundiram rapidamente pelo continente, impondo uma série de restrições. Principalmente na Alemanha, Inglaterra e França, que ainda hoje mantêm as legislações mais rigorosas e as maiores exigências”, diz Jorge. Diante das cobranças internacionais, empresários brasileiros correram atrás do tempo perdido. Nos últimos cinco anos, houve um aumento expressivo de empresas comprometidas com a responsabilidade socioambiental. Basta pensar que aproximadamente 200 publicam balanços sociais.Meio ambiente, educação e saúde são áreas em que houve um considerável avanço”, explica Mônica Rennó, da WWF-Brasil.
Segundo ela, a idéia de responsabilidade socioambiental é uma decisão estratégica, que passa pelo planejamento de um número crescente de empresas nacionais. É um desafio e um novo modelo, no qual a responsabilidade sociambiental faz parte da sustentabilidade do próprio negócio. Diferente de uma lógica baseada apenas no lucro”, diz Mônica.
Um exemplo é o Clube Corporativo da WWF-Brasil, que reúne empresas que se identificam e apóiam o trabalho da maior rede ambientalista mundial. O clube foi criado há pouco mais de um ano e recebeu a adesão de nove empresas: Natura, Norsul, Icatu-Hartford, Comgás, Itaú BBA, HSBC, Unidas, Ibope e Megadata”, conta Mônica.
Para todos os que querem negociar com americanos e europeus, é conveniente, pelo menos, ter o certificado Iso 14001, criado na segunda metade dos anos 90 pela organização não governamental suíça International Standard Organization (ISO, por isso o nome do selo). Ela é aceitável mundialmente, mas não é bem vista pelos ambientalistas, pois prega o seguinte: se a empresa cumprir a legislação do seu país, pode comercializar. Eles acham que é pouco”, explica Jorge Nogueira, lembrando que principalmente na Europa, cada país tem selos próprios.
Monica Rennó não critica a ISO, mas cita outros selos e certificações para demonstrar caminhos de acesso aos mercados internacionais. Um dos mais conhecidos é o Forest Stewardship Council (FSC), que quer dizer conselho de manejo florestal. Ele foi criado em 1993 no Canadá, por representantes de 26 países, incluindo ambientalistas, representantes de movimentos sociais e empresários do setor florestal.
Atesta que o produto é legal, contribui para a conservação das florestas e de toda a biodiversidade a elas associadas, além de garantir condições de trabalho, de renda e de vida para a população local”. Ela também cita o selo Gold Standard, instrumento útil para garantir a qualidade dos projetos de redução de emissão de carbono, desenvolvido sob a liderança da WWF, e que desde o início deste ano se tornou uma organização independente. Independente do selo que optam por apresentar no exterior, Jorge Nogueira diz que após a Rio-92, o empresário brasileiro descobriu que é melhor e mais barato agir antes do que o governo ou os mercados cobrem adaptações às novas regras. Existem várias associações, comandadas por empresários, em busca de soluções ambientais.” Ele ressalta, porém, um problema: as corporações mais ativas e conscientes são as voltadas para o mercado externo. As pequenas, que têm como alvo o mercado interno, não evoluíram tanto. Têm muito a mudar”.
LINHA DO TEMPO
Década de 60: o movimento hippie lança o movimento ecológico
1972: Conferência de Estocolmo.
Ecologia ainda era incompatível com Desenvolvimento
1983 - Vazamento de gás tóxico em indústria de Bophal, na Índia, mata milhares de operários
1987 - Lançamento do documento Nosso Futuro, que prega o desenvolvimento sustentável
1992 - Realização da Rio-92 reforçando prática do desenvolvimento sustentável e eleição de Al Gore
Século XXI - adoção de selos e certificação de qualidade em todo o mundo. No Brasil, 200 empresas publicam relatórios ambientais

CB, 12/10/2005, p. 2

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