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'Um índio pode morrer em 24 horas após contrair uma gripe', diz ex-presidente da Funai

O Globo - https://oglobo.globo.com
Autor: Daniel Biasetto
24 de Fev de 2020

Sydney Possuelo foi responsável por suspender as autorizações para que missões religiosas entrassem em terras indígenas.

RIO - Ex-presidente da Funai entre 1991 e 1993, o indigenista Sydney Possuelo é considerado uma das maiores autoridades quando se trata de povos indígenas isolados. Ele foi reponsável por suspender as autorizações para que missões religiosas entrassem em terras indígenas durante sua gestão.

A decisão se deu logo após o escândalo da morte de índigenas da etnia zoés, no interior do Pará, quando missionários norte-americanos desrespeitaram as leis brasileiras e contataram os então nativos isolados.

Em entrevista ao GLOBO, ele afirma estar preocupado com o o avanço da política que classifica como "nefasta" contra a Funai e as comunidades indígenas do atual governo. E diz que os missionários, ainda que queiram ajudar, devem evitar o contato com os isolados.

Como foi a expulsão da Missão Novas Tribos do Brasil após o episódio de morte dos zoés por contato com missionários?

Eles tinham um acordo com a Funai, antes de eu entrar na presidência, por azar deles quando eu entrei estava vencendo. Eu os recebi com toda a atenção na Funai e tentamos fazer um acordo. Eu falei, olha, na questão da saúde vocês podem auxiliar, na demarcação podem auxiliar, na educação, não tem problema. Vocês só não podem é fazer proselitismo religioso lá dentro. Daí eles não assinaram e o acordo não foi renovado.

Como o senhor vê a tentativa de missões religiosas tentarem a catequizar indígenas?

Isso de certa significa das duas, uma: ou nós não temos respeito ao que eles pensam, ao que eles creeem, ou simplesmente isso para nós não significa nada. De qualquer forma é um desrespeito, por que eles têm a sua forma de estar unidos, de agradecer, de fazer as suas rezas e cânticos.

O senhor acha que existe uma política de aproximação com esses povos?

Qualquer aproximação com esses grupos isolados é sempre perigosa por que independe do sentimento. Você pode ter o melhor sentimento para se aproximar deles, mas vai cometer quase que um genocídio , por leva bactérias e infecta muita gente. É, portanto, desaconselhável fazer esse tipo de movimento, como aconteceu com os zoés, que matou dezenas, centenas, não se sabe direito, provavelmente por gripe. Um índio pode morrer de pneumonia em 24 horas após contrair uma gripe.

Como o senhor vê hoje a atuação da Funai?

A Funai que é feita para defender o índio hoje é braço executivo dessa política canalha que está aí. Eles representam a ação do governo e são o exemplo da política nefasta sobre os povos indígenas. A correlação das palavras que o Bolsonaro tem proferido de que não vai fazer um centímetro de demarcação de terra é um total desrespeito e uma afronta à Constituição.

O senhor acredita em avanços na política indigenista como idealiza o governo?

O governo ameaça acabar com a Funasa, que trata da saúde do índio. Em vez de chegar e extinguir, não faz isso por que seria um alvoroço muito grande , mas ele faz pior. Ele está transformando a Fundação Nacional do Índio num órgão favorável à não demarcação, à introdução de madereiros e do agronegócio. Essa com certeza é a mais nefasta política contra os povos indígenas, portanto, melhor para eles.

E como o senhor vê a indicação de ex-missionário para coordenar a área de índios isolados?

Eu não me lembro dele. Só sei que ele foi ligado a Novas Tribos (Missão Novas Tribos do Brasil). Mas basta ver que o presidente da Funai (Marcelo Xavier) já está com essa missão de destruir a Funai e, agora, o fantasma das missões novas tribos à espreita..., eles não vão perder tempo.

O senhor apostaria num diálogo entre indigenistas e antrópologos com o governo?

O caminho já está traçado. E é o pior caminho. Eu não conheço na História republicana um momento mais difícil do que este. Houve momentos em que os índios e governos viveram momentos tensos, mas depois tudo passou, tudo aconteceu. Agora não, por que agora trata-se de uma política pensada para desmontar todo um arcabouço jurídico, o que já está acontecendo.

https://oglobo.globo.com/brasil/3046-um-indio-pode-morrer-em-24-horas-a…

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