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Um empreendimento sob suspeita

CB, Brasil, p. A14
12 de Nov de 2006

Um empreendimento sob suspeita
Ministério Público investiga impacto ambiental de projeto milionário para extração de minério de ferro que o empresário Eike Batista quer implantar no pantanal. Rapidez na tramitação intriga procuradores

Lucas Figueiredo
Do Estado de Minas

Eike Batista é um empresário tarja preta. Já vendeu seguros de porta em porta na Alemanha, fez fortuna explorando ouro na Amazônia, produziu cosméticos, construiu termelétricas e fez negócios na área de mineração em mais de 10 países. Também se envolveu em polêmicas. A última delas ocorreu em maio passado, quando uma de suas empresas, a MMX Mineração e Metálicos, foi expulsa da Bolívia, onde estava em processo adiantado para abrir uma siderúrgica em Puerto Quijarro, a 15 km de Corumbá (MS). Frustrada a aventura boliviana, Eike atravessou a fronteira e acelerou um novo e mais uma vez polêmico projeto: extrair minério de ferro e fabricar ferro gusa em pleno paraíso ecológico do pantanal mato-grossense. A empreitada atraiu interesses milionários, mas também despertou suspeitas no Ministério Público Federal, que abriu investigação para apurar o impacto ambiental do projeto.
A meta de Eike é ousada: fazer da MMX-que além de Corumbá tem unidades em Minas, no Rio e no Amapá-a segunda mineradora de ferro do Brasil e a quarta maior do mundo. O que não tem lhe faltado é dinheiro.
No final de agosto, a empresa conseguiu captar R$ 1,03 bilhão na Bolsa de Valores de São Paulo.
Metade do dinheiro veio de investidores internacionais. O projeto de Corumbá foi acelerado depois que a MMX foi expulsa da Bolívia pelo governo de Evo Morales, na mesma época da crise com a Petrobras. O argumento utilizado pelos bolivianos foi o de que Eike estava tocando a construção da siderúrgica sem licença ambiental.
Do lado brasileiro, o empresário teve mais sorte. Ganhou do governo do Mato Grosso do Sul, sem licitação, um terreno avaliado em R$ 587 mil. E,em menos de 30 dias, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) transformou o que antes era uma licença prévia em autorização definitiva para que a MMX começasse a construir suas instalações.
A rapidez com que Eike conseguiu transformar o "limão boliviano" em "limonada sul-mato-grossense" chamou a atenção de ambientalistas e ONGs. "Ficamos espantados com a rapidez com que o processo da MMX correu na Secretaria do Meio Ambiente.
O pedido da empresa tramitou em três, quatro meses, enquanto projetos da área de ecoturismo, por exemplo, levam de um a dois anos para serem aprovados. Não sabemos bem quais são as causas que levaram a esse tratamento diferenciado entre empreendimentos turísticos e o da MMX. Nada explica essa diferença de prazo", afirma Sandro Menezes Silva, gerente do "Programa Pantanal" da Conservação Internacional, ONG baseada em Washington, que atua em projetos de conservação da biodiversidade em mais de 40 países. O Estado de Minas tentou falar na Sema no dia 1o de novembro, quando foi informado de que não haveria expediente, e no dia 7, quando ninguém atendeu ao telefone. A MMX, por sua vez, rebateu as denúncias.
Pressa
No mês passado, a MMX anunciou que antecipará para maio ou junho do ano que vem o início de suas operações em Corumbá. O prazo original era final de 2007. Em quatro anos, a empresa espera atingir o pico de produção: 37 milhões de toneladas de minério de ferro e 1,5 milhão de toneladas de ferro gusa. A pressa, contudo, pode esbarrar nos planos do Ministério Público Federal. Em agosto passado, o procurador Alexandre Collares Barbosa solicitou à Sema cópia do processo da MMX. Barbosa também pediu que técnicos do Ministério Público baseados em Brasília avaliassem, com urgência, as questões ambientais do projeto.
Antes que o resultado saísse, o procurador foi transferido para Foz do Iguaçu (PR), mas seu substituto, Rui Maurício Ribas Kucinski, encampou a investigação.
A palavra final será dada pelos técnicos ambientais da Procuradoria Geral da República. São eles quem dirão se a terra dos jacarés, das cobras sucuri e das onças pardas irá se tornar também a terra do minério de ferro e do gusa.

Empresa diz que age na lei

A MMX nega que o projeto da empresa em Corumbá afronte qualquer ponto da legislação ambiental. "Começamos o processo de licenciamento em abril de 2005 e conseguimos a licença em junho de 2006. Foi, portanto, mais de um ano de trabalho. Fizemos todos os estudos necessários, tudo como diz a lei", afirma Adriano Vaz, diretor da MMX.
Segundo Vaz, a MMX não vai poluir o pantanal ou causar problemas ambientais com o tráfego de barcaças no Rio Paraguai. "O Brasil tem leis e temos de respeitar as leis.Vamos contratar empresas de transporte que têm licença. Se as empresas tiverem licença, isso significa que o impacto ambiental está controlado. Faremos tudo dentro da lei", afirma.
O diretor diz que o eucalipto do Mato Grosso do Sul destinado de forma legal à produção de carvão é mais que suficiente para o fornecimento do produto à MMX. Assim, segundo ele, é infundada a preocupação de que a demanda da MMX por carvão pudesse estimular a derrubada de vegetação nativa. "O estado é o terceiro maior produtor de carvão vegetal do país. Além disso, vamos comprar só uma parte do carvão de terceiros. No prazo de 12 anos, estaremos produzindo nosso próprio carvão, com reservas próprias de eucalipto", afirma ele.
Sobre o fato de a MMX ter antecipado o início de suas atividades em Corumbá, Vaz disse que isso ocorreu porque as chuvas na região foram menores do que o previsto, o que teria permitido a maior velocidade no ritmo das obras.
Bolívia
O diretor da MMX nega que a empresa tenha sido expulsa da Bolívia por falta de licença ambiental, conforme divulgado pelo governo daquele país. "Nós seguimos a legislação local, tínhamos uma licença ambiental. O que aconteceu foi que o governo boliviano quis chamar uma série de empresas estrangeiras, como a MMX e a Petrobras, para uma negociação. O fato é que não é possível operar num país cujo governo não te quer lá."

De acordo com o diretor, não há qualquer irregularidade no fato de o governo do Mato Grosso do Sul ter doado o terreno à MMX."É uma política de estado, de todos os estados, de fomentar investimentos que gerem emprego e riqueza. O estado exige que seja feita uma série de investimentos. Caso a empresa não faça investimento, o terreno volta ao estado", afirmou. (LF)

Ambientalistas preocupados

Conhecido pela beleza natural e rica biodiversidade, o Pantanal Mato-grossense poderá se tornar, com o projeto da MMX, um dos grandes pólos nacionais de produção de minério de ferro e ferro gusa, indústrias em geral altamente nocivas ao meio ambiente. O projeto da empresa é retirar minério de ferro de uma mina localizada a 18 km de Corumbá. A cidade é a porta de entrada do pantanal sul-mato-grossense.
Segundo o site da empresa, "as minas (da região) possuem operação simples, com minério aflorante, (…) bastando britar, lavar e classificar o produto". Depois de processado, uma parte do minério será transportada em barcaças pelo Rio Paraguai até o porto de San Nicolas, na Argentina, de onde seguirá para a Europa, os Estados Unidos e a Ásia. Numa segunda fase, a MMX também produzirá ferro gusa, uma indústria tão predatória como a do minério do ferro.
Os projetos da MMX tiram o sono de ambientalistas e ONGs que atuam na região, como a Conservação Internacional. "Essa não é a região mais adequada para atividades desse tipo. Existem vários riscos intrínsecos para um ambiente como o Pantanal, que é muito frágil", afirma Sandro Menezes Silva, gerente do "Projeto Pantanal" da ONG. Silva destaca três riscos comuns a projetos como o da MMX. O primeiro deles é a poluição atmosférica e dos rios. "Em outras regiões do país e do mundo, há relatos de que empreendimentos siderúrgicos provocam chuva ácida", diz ele.
A segunda questão está relacionada à possibilidade de devastação de florestas. "De onde virá o carvão vegetal?", pergunta Silva, referindo-se à matéria-prima usada em grandes quantidades na produção de ferro gusa. "Existem outros projetos de implantação de siderurgia na região, e o Mato Grosso do Sul não tem um estoque florestal de eucalipto para fazer frente a essa demanda. Nosso temor é que a instalação das empresas na região aumente a produção de carvão a partir da vegetação nativa. Se houvesse um plantel reserva de eucalipto na região, a preocupação seria menor. Mas o que se vê hoje é avanço sobre a vegetação nativa, que tem grande valor em termos de conservação", diz Silva. O terceiro problema detectado pela Conservação Internacional está relacionado ao aumento do tráfego de barcaças no Rio Paraguai, esteio da fauna e da flora local. De acordo com Silva, a transformação do rio numa via de transporte pesado pode alterar todo o equilíbrio ambiental da região. (LF)

CB, 12/11/2006, Brasil, p. A14

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