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Um celeiro de bom-senso

Veja, Ambiente, p. 82-87
02 de Set de 2015

Um celeiro de bom-senso
Dez anos depois de sua regulamentação no Brasil, os transgênicos já representam 90% da produção de grãos do país. Desapareceu a discussão mercurial, quase religiosa, do princípio. Não há mais o medo do novo

RAQUEL BEER

Na agricultura convém nunca dar como definitivas uma seca devastadora ou uma temporada de chuvas exageradamente fortes. Quem vive do campo sabe que o passar dos anos e o vaivém das estações tratam de conferir equilíbrio ao que soa inapelavelmente perdido. Quando chegaram ao Brasil, há quase vinte anos, as sementes transgênicas, então recentemente introduzidas nos EUA. foram recebidas com agressividade. Não vingariam, pressionadas pelo movimento ambientalista, por sindicalistas e pela atávica força da burocracia que afasta qualquer tipo de inovação. Os transgênicos - ou, em sua definição científica mais exata, "as sementes geneticamente modificadas" - desembarcaram clandestinamente nesta terra onde, em se plantando, tudo dá. A cercá-los havia uma ruptura cultural inaceitável, de origem até religiosa. Como mexer naquilo que Deus fez?

Entre 1998 e 2005, fazendeiros que cultivavam mudas modificadas operaram na ilegalidade. Nesse período, o Instituto de Defesa do Consumidor deu início a ações que suspendiam a venda desses produtos. Mesmo nas ocasiões em que os agricultores conseguiam produzir, apoiados em medidas judiciais provisórias para continuar a trabalhar, enfrentavam protestos, muitas vezes violentos. Em setembro de 2003, a Via Campesina, entidade que reúne organizações sociais arcaicas como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (o MST), manteve 500 indivíduos armados com enxadas em frente ao Congresso, em Brasília, durante 34 dias seguidos. Ambientalistas chegaram a invadir supermercados em diversas capitais para rotular produtos com etiquetas com os dizeres "cuidado, pode conter transgênicos". Nesse tom de irresponsabilidade, alheio às evidências científicas, soou extraordinária a aprovação da Lei de Biossegurança, em 2005, que regulamentou definitivamente o cultivo e a comercialização dos transgênicos no Brasil. Uma década depois, há relativa paz no campo. Os transgênicos já não alimentam discussões irracionais - à exceção das incentivadas pelos irresponsáveis de sempre, liderados pelo MST. O bom-senso vicejou.

As acusações de que os transgênicos representavam um problema de saúde pública, compreensíveis no passado pela falta de divulgação científica, perderam espaço com amplas pesquisas agora corretamente apresentadas. "Erramos por achar que nosso único cliente era o fazendeiro, para quem as vantagens eram óbvias", disse a VEJA Hugh Grant. CEO da Monsanto, a maior empresa de transgênicos do mundo (leia a íntegra da entrevista na pág. 86). "Notamos, depois, que precisávamos apresentar nosso produto para o consumidor final, sem arrogância."
A atual aceitação pode ser medida de duas maneiras. Inicialmente, pela reação da sociedade. Mesmo lentamente, os transgênicos começam a ser compreendidos. Em 2003, muita gente desconhecia o que eram transgênicos - 36% nunca tinham ouvido falar, segundo o Ibope. Hoje é diferente, o conhecimento é mais disseminado. Há muito a avançar, mas a tendência é evidente. Outro modo, mais eficiente, de desenhar o sucesso é olhar diretamente para o solo. Entre 2005 e 2014, a produção de mudas modificadas cresceu 85% no Brasil, agora o segundo maior produtor do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Hoje, 75% da área total de cultivo de grãos no país é de transgênicos. O fato de as sementes alteradas serem mais resistentes a herbicidas e inseticidas. além de renderem produções maiores e exigirem menos água na irrigação, resultou em uma economia de 12 bilhões de dólares no país em uma década. Do ponto de vista ambiental, há evidentes benefícios. Desde o início da popularização global da tecnologia, em 996, a substituição de plantios orgânicos pelos transgênicos levou à economia de 42,2 bilhões de litros de água, o suficiente para abastecer quase 1 milhão de pessoas durante um ano, e à eliminação da emissão de 930000 toneladas de dióxido de carbono, o C02 (responsável direto pelo aquecimento global), na atmosfera terrestre. A obviedade desses benefícios fez com que os protestos minguassem.

Veja, 02/09/2015, Ambiente, p. 82-87

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