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Um alerta para o pré-sal

Veja, Energia, p. 116-119
30 de Nov de 2011

Um alerta para o pré-sal
O vazamento da Chevron mostrou que faltam gente, estrutura e independência política para garantir a segurança na exploração em alto-mar - problemas que só tornam mais perigosa a aventura de extrair óleo a profundidades inéditas

Malu Gaspar e Renata Betti

Junto com o óleo que vazou de uma fissura submarina próxima ao poço da petrolífera americana Chevron, formando a gigantesca mancha negra que ainda boia sobre as águas do oceano a 120 quilômetros do litoral do Rio de Janeiro, emergiram graves lacunas que tornam mais arriscada a exploração em alto-mar. Às confusas explicações dadas pela multinacional para o acidente, cujas causas estão sob investigação da Polícia Federal, seguiu-se uma série de demonstrações de inoperância dos órgãos responsáveis por vigiar a rotina nas plataformas e agir de forma célere em casos de emergência. O Ibama reconheceu a VEJA que nunca havia sequer vistoriado aquele poço. Na última vez em que os técnicos do órgão estiveram ali, em 2010, a perfuração ainda não existia. Nem o Ibama nem a Agência Nacional do Petróleo (ANP) contam com barcos ou helicópteros para chegar às áreas de extração - dependem de carona das próprias empresas. Foi a bordo de um helicóptero da Chevron que uma equipe da ANP desembarcou na Bacia de Campos, local do vazamento, exatos dez dias depois de seu início.
A dúvida é inevitável. Se não fomos capazes de prevenir um dos maiores derrames de óleo da nossa história a 1200 metros de profundidade e em área explorada há mais de três décadas, o que pode acontecer quando começarmos a desbravar o pré-sal, nas profundezas do oceano e a 400 quilômetros da costa? Nunca se foi tão fundo nem tão longe para extrair petróleo, uma aventura que impõe desafios tecnológicos e riscos exponencialmente maiores que os atuais. Para se ter uma ideia, os dutos precisam vencer uma espessa barreira de sal misturado à água, terreno instável e sujeito a desmoronamentos quando perfurado, para então chegar às rochas onde reside o óleo. Como contém uma grande quantidade de gases, a zona é de alta pressão e temperatura, o que aumenta os riscos de explosão. Diante desse cenário, chegam a dar calafrios o amadorismo e a ingerência política que ainda reinam no setor.
Com apenas oitenta funcionários dedicados à exploração de petróleo em 917 poços e 112 plataformas, o Ibama realizou neste ano não mais do que dezessete simulações para testar a capacidade de reação das empresas a crises em alto-mar. Já houve anos piores. Em 2008, foram apenas oito testes. "Há frouxidão na fiscalização porque nossas instituições carecem não só de recursos, mas de bons quadros e independência para atuar", resume o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura. Nos últimos tempos, critérios políticos têm se sobreposto aos técnicos no preenchimento de vagas tanto no Ibama como na ANP. Três dos cinco diretores da agência foram alçados ao posto por partidos da base aliada do governo: dois pelo PCdoB (incluindo o diretor-geral, Haroldo Lima) e um pelo PMDB. Há ainda uma diretora aposentada da Petrobras - situação, no mínimo, desconfortável para quem tem o dever de fiscalizar a estatal. No Ibama, foi só o chefe da divisão de petróleo, Edmilson Maturana, vir a público questionar a capacidade da Petrobras de reagir a emergências, no ano passado, para ser exilado em um escritório em Sergipe. Dado que as novas regras do pré-sal fizeram da estatal a responsável número 1 por todos os poços, é de indagar se a ANP e o Ibama terão força suficiente para se impor.
Na indústria petrolífera, os avanços tecnológicos ocorrem sempre a reboque de grandes desastres - mas, às vezes, levam décadas para se materializar. Petroleiros de casco simples como o Exxon Valdez, que despejou 40 milhões de litros de óleo cru sobre o Alasca depois de colidir com um recife de coral, só serão definitivamente substituídos por embarcações mais resistentes e modernas em 2015, 26 anos depois do episódio. Nem mesmo o pior acidente de todos os tempos, o derrame de 800 milhões de litros de óleo no Golfo do México após a explosão de uma plataforma da BP, em abril de 2010, parece ter tido até agora um efeito didático. Um sinal disso vem do próprio caso Chevron, que seguiu na Bacia de Campos um roteiro de erros bastante semelhante. A principal hipótese é que a empresa não soube como reagir diante de um pico de pressão dentro do poço, tal como aconteceu no Golfo do México. Ela também demorou a admitir publicamente o incidente e demonstrou extrema dificuldade em se explicar, chegando a indicar um porta-voz irritadiço que só fala inglês para tentar suavizar o impacto do dano. Em vão. Nem sequer o plano de emergência traçado pela empresa foi cumprido.
Na semana passada, a ANP suspendeu a licença da Chevron para perfurar novos poços (a rotina nas onze plataformas já em produção continua). A repercussão do acidente fez a empresa, a quarta maior do mundo no setor petrolífero, ver seu valor de mercado minguar 7% na Bolsa de Nova York, um prejuízo de l4 bilhões de dólares. Em multas, a Chevron pode vir a pagar até 265 milhões de reais. As investigações da PF não deixam dúvida de que a empresa cometeu erros primários, como, por exemplo, não dispor do equipamento certo para estancar o derrame. Inoperância e contaminação política de órgãos encarregados de monitorar essa atividade não são exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, esses mesmos problemas ficaram expostos depois do desastre da BP. Ao acidente, seguiu-se uma faxina nas antigas repartições e criou-se uma estrutura específica para a vigilância dos poços. São iniciativas imprescindíveis para um país que, com o pré-sal, tem a chance de se tornar uma das maiores potências petrolíferas do planeta.
Com reportagem de Helena Borges

Veja, 30/11/2011, Energia, p. 116-119

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