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A turma do ITA revoluciona a energia

OESP, Economia, p. B8
12 de Jan de 2014

A turma do ITA revoluciona a energia
Três colegas da turma de 1977 lideram os projetos de energia eólica no Brasil, que devem movimentar R$ 37 bilhões até 2018

RENÉE PEREIRA

Foi do quintal do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), especificamente do alojamento H8, projetado por Oscar Niemeyer, que saíram alguns dos principais personagens do recente sucesso da energia eólica no Brasil. Da turma de 1977, pelo menos três amigos sucumbiram ao apelo da fonte renovável, que até 2018 vai acrescentar investimentos de R$ 37 bilhões ao País.
Bento Koike se tornou o segundo maior produtor mundial de pás com sua Tecsis, Odilon Camargo virou o maior medidor de ventos do Brasil e Mário Araripe, um grande investidor e desenvolvedor de projetos.
A história começou num trabalho de graduação na segunda metade da década de 70, no rastro do choque do petróleo que assombrava o mundo e obrigava governos a buscar novas tecnologias para reduzir a dependência pelos combustíveis fósseis. No Centro Tecnológico Espacial do ITA, as novidades pipocavam: a Embraer iniciava a produção do Bandeirante, o motor a álcool estava em pleno desenvolvimento e o projeto do lançador de satélites havia começado.
Embora fossem assuntos instigantes, os três engenheiros seguiram horizontes bem diferentes. Cada um a seu tempo, apostaram no desenvolvimento da energia eólica no Brasil. Camargo e Koike sempre estiveram juntos no longo caminho até o sucesso, desde a construção de um aerogerador na tese final do curso do ITA. Araripe chegou por último no setor (em 2006), quando a fonte de energia começava a deslanchar.
Se hoje dizem que os engenheiros tiveram sorte, eles lembram que até meados da década passada falar de energia eólica soava como poesia. A fonte renovável não tinha competitividade nem interesse por parte do governo brasileiro, que só pensava nas grandes hidrelétricas. A virada ocorreu em 2009, no primeiro leilão de eólica. Com a crise internacional, o consumo de energia recuou no mundo todo e os projetos de novas usinas foram paralisados, deixando as fábricas de equipamentos com a capacidade ociosa elevada, principalmente nos Estados Unidos e na Europa.
Como o Brasil saiu rapidamente da crise e o consumo de energia passou a crescer, os fabricantes globais se voltaram para o País, montaram fábricas, criaram competição no setor e aprimoraram a tecnologia. O preço da energia caiu de R$ 300 o MWh para algo em torno de R$ 100. Com o apetite apresentado pelos investidores, o governo resolveu repetir a receita nos anos seguintes.
No ano passado, não teve pra ninguém - nem mesmo para as hidrelétricas. Foram contratados 2,3 mil MW, um recorde, diz a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (AbeEólica), Elbia Melo. Segundo ela, o País fechou o ano com 3,6 mil MW de capacidade instalada - 3% da matriz elétrica. Até março serão 7 mil MW e, em 2018, 13 mil MW - 8% da matriz.
"A sinalização dada com os leilões foi fundamental para o investidor apostar no setor. Hoje temos nove fábricas (de equipamentos) no País", diz a executiva. A chegada de multinacionais permitiu o avanço da tecnologia para aproveitar melhor o vento e dar mais competitividade à fonte de energia - que hoje só perde para a energia hídrica. Elbia lembra que o potencial do Brasil aponta para 350 mil MW que ainda podem ser explorados - sinal de que os três engenheiros ainda terão muito trabalho pela frente.

Opção resistiu aos tempos mais difíceis
Enquanto a energia eólica engatinhava, Camargo e Koike chegaram a fabricar ventiladores

Renée Pereira

Nem nos tempos mais difíceis o engenheiro Odilon Camargo questionou a escolha que fez pela energia eólica ainda na época da faculdade. Embora fosse apaixonado por aeronaves (voava de planador, asa-delta e havia tirado brevê como piloto de monomotor), foi arrebatado pelo apelo da fonte renovável.
Ele lembra com detalhes daquela tarde no hall do alojamento do ITA, quando ouviu pela primeira vez um colega falar sobre a criação de um grupo de pesquisa de energia eólica no Instituto de Atividades Espaciais.
"Na hora peguei minha bicicleta e fui pra lá. Encontrei o chefe do laboratório (Cel Libório Faria) com uma pá de aerogerador americano e comecei a analisar o equipamento junto com ele. Vi que podia fazer mudanças significativas para melhorar a aerodinâmica do equipamento. O chefe nem me conhecia, mas fui contratado na hora como estagiário."
Não demorou para ele convencer Bento Koike - seu amigo de classe e de apartamento - a entrar no grupo. "Estávamos no quarto ano e era hora de buscar um rumo para a tese de graduação. Escolhemos fazer uma turbina eólica." Após a conclusão do curso, os dois amigos trabalharam juntos no Centro Técnico Aeroespacial (CTA) até 1983. Depois foram para a Alemanha participar do projeto de construção de um dos primeiros aerogeradores do mercado alemão - conhecido como Adler 25.
De volta ao Brasil, tiveram de se virar enquanto a eólica não prosperava. Chegaram a trabalhar com propaganda de TV (veiculado em São José dos Campos e Curitiba) e fabricação de ventiladores industriais. "Eu projetava e Koike produzia. Foi um sucesso. Até exportávamos o produto." Camargo só ganhou notoriedade no setor após elaborar, em 1999, o mapa eólico do Paraná, baseado em topografia e rugosidade. "Foi um trabalho pioneiro. Naquela época não tinha Google Earth nem modelo topográfico digital. Tudo era mais difícil."
Para concluir o trabalho, lembra ele, teve até de pegar carona num helicóptero da Copel (que fazia inspeção nas linhas de transmissão) para mapear locais de difícil acesso. "Mas no fim o trabalho causou grande impacto no setor. A partir daí, todo mundo queria um mapa: empresas privadas, os Estados da Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará."
Com o título de Rei dos Ventos, em 2001 o engenheiro foi contratado pelo governo federal para elaborar o mapa eólico do Brasil. Mas aí as condições eram outras, com modelos de medição mais refinados. Hoje Camargo tem até equipamentos a laser para medir a velocidade do vento em áreas com topografia mais difícil. Sua empresa - a Camargo Schubert - é responsável pela certificação dos projetos de 60% dos ganhadores dos leilões realizados a partir de 2009.

Fabricante de pás exportava 100% da produção
A Tecsis, fundada por Koike, hoje já destina 30% da produção ao mercado local

Renée Pereira

Bento Koike, fundador da Tecsis, está perto de produzir a pá de número 45 mil, o que significa quase duas Itaipus em capacidade instalada. A grande maioria - quase 80% - está espalhada entre Europa e Estados Unidos, já que até 2011 todos os equipamentos produzidos na fábrica de Sorocaba, no interior de São Paulo, eram exportados. Nada ficava no Brasil, não por uma política da empresa, mas pela inexistência de mercado. Hoje 30% da produção é destinada ao mercado local.
O empresário - tão detalhista como o amigo Odilon Camargo - fundou a Tecsis em 1994, depois de deixar a sociedade numa empresa de desenvolvimento de componentes aeroespaciais. "Nosso cliente era o governo, o ministério, que tinha problemas de caixa para bancar o programa espacial. Os pagamentos atrasavam entre 6 e 10 meses." Livre para se aventurar em mais uma empreitada, ele apostou novamente na energia eólica, como na época da faculdade.
Numa viagem para Alemanha, onde já havia passado uma temporada participando do projeto de um dos primeiros aerogeradores alemão junto com Camargo, ele conseguiu uma reunião com Aloys Wobben (fundador da Wobben). "Fiquei três horas conversando com ele e saí de lá com um contrato de US$ 1 milhão. Como não tinha dinheiro, pedi também que me desse a matéria-prima para produzir as pás." De volta ao Brasil, com o contrato debaixo do braço, escolheu Sorocaba para instalar a Tecsis, que já nasceu exportando 100% da produção.
Koike se surpreende com a dimensão que empresa tomou nos últimos anos: é a maior fabricante de pás customizadas (produzidas de acordo com o projeto) e a segunda maior exportadora de componentes tecnológicos do Brasil - atrás apenas da Weg. Na lista de clientes, estão gigantes como a americana GE, a alemã Siemens, a francesa Alstom e a espanhola Gamesa. Começou com apenas três pessoas e hoje tem 8 mil funcionários. "Nem sonhava que a empresa chegaria a esse tamanho nem que a energia eólica seria tão importante."
Com a crise mundial de 2008 e redução do volume de pedidos, a empresa sofreu um baque no caixa. Dois anos mais tarde, Koike vendeu 80% da empresa para a butique de investimentos Estáter, de Pércio de Souza, conhecido por ser o banqueiro do empresário Abílio Diniz.
Ele deixou a presidência no início de 2013 para se tornar conselheiro sênior da empresa. Também está atuando num projeto para fortalecer a cultura de inovação. "Sou uma pessoa de fé, que sempre me guiou", diz o fundador da Tecsis, que herdou do pai o lado empreendedor. Antes de entrar no ITA, trabalhou na empresa de comunicação do pai. "Foi ele que me incentivou o lado da criatividade."

Araripe seguiu conselho do amigo e criou a Casa dos Ventos
Da mesma turma de 1977 do ITA, cearense foi dono da fabricante de veículos Troller e decidiu investir na energia eólica

Foi numa das andanças do engenheiro Odilon Camargo para medir os ventos do Nordeste que o cearense Mario Araripe começou a ter contato com a energia eólica. Em 2000, Camargo estava preparando o atlas eólico do Ceará e precisava visitar locais de difícil acesso. Araripe, que era dono da Troller, emprestou um jipe para o ex-colega de ITA percorrer todo o Estado e realizar as amostragens necessárias. Mas a proximidade de Araripe com o assunto parou por aí.
Seis anos mais tarde, antes de ocorrer o primeiro leilão de energia eólica, um novo encontro com Camargo mudou os rumos de Araripe. "Eu havia acabado de vender a Troller para a Ford e estava extremamente líquido. Odilon me disse que deveria olhar a energia eólica e foi o que fiz."
A primeira providência foi criar uma diligência com grandes nomes do setor (certificadores de vento - leia-se Odilon Camargo -, fabricantes de aerogeradores, etc.) para entender o assunto. Foram mais de 60 reuniões até Araripe criar a Casa dos Ventos, uma empresa que começou como desenvolvedora de projetos eólicos. Em 2010, estreou como investidora em parceria com a estatal Chesf, em projetos de 150 MW. No ano seguinte, repetiu a dose e vendeu outros 150 MW.
Mas foi em 2013 que a companhia deu o maior salto. Sozinha, comercializou nos leilões do governo 690 MW de parques que serão construídos ao longo dos próximos três e cinco anos. Além disso, vendeu 420 MW em sociedade com Queiroz Galvão, Chesf e Contour.
Entre projetos desenvolvidos para terceiros e investimentos realizados com capital próprio (ou em parceria), a empresa tem cerca de 4.300 MW de capacidade instalada sendo erguida em algum canto do Brasil. Além disso, tem um portfólio de 15 mil MW em estudos que podem virar realidade nos próximos anos.
Para chegar a esse estágio, Araripe foi buscar profissionais onde ele mais conhecia: nos laboratórios do ITA. Hoje há, pelo menos, oito engenheiros do instituto trabalhando na empresa. Um deles, Edson Luiz Zaparoli, outro amigo de faculdade. "Zaparoli estava no setor acadêmico. Tive um trabalho duro para convencê-lo a vir trabalhar aqui."
Araripe foi o último dos três alunos da turma de 1977 a entrar no setor. Depois de concluir a faculdade, voltou pra Fortaleza e foi trabalhar numa indústria têxtil. Guardava praticamente tudo que ganhava para abrir um novo negócio na área de construção civil. Começou com duas casinhas. Mais tarde, com o dinheiro emprestado de um "tio rico", comprou um terreno na beira-mar. "Fiz uma maquete de um prédio e vendi cotas do empreendimento. Aí ganhei um dinheiro."
O negócio de construção ia de vento em popa quando, aos 39 anos, decidiu passar uma temporada nos Estados Unidos com os filhos. Deixou tudo de lado e foi fazer cursos em Harvard. "Quando voltei, pensei: o que vou fazer? Resolvi que queria fabricar carros. Criei a Troller, em 1997 (a empresa foi vendida para a Ford em 2006, segundo o mercado por R$ 400 milhões)."
Hoje ele ainda mantem participações em empresas de construção civil e do setor têxtil. Mas é com a sua Casa dos Ventos que virou referência no desenvolvimento de projetos e um grande investidor de energia eólica no Brasil. / R.P.

OESP, 12/01/2014, Economia, p. B8

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