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Três anos depois da assinatura, Acordo de Escazú segue sem ratificação no Brasil

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28 de Set de 2021

Três anos depois da assinatura, Acordo de Escazú segue sem ratificação no Brasil

28 set 2021
Jessica Botelho
Meio Ambiente

O Acordo de Escazú é visto como um importante instrumento para fortalecimento de políticas e mecanismos de proteção ao meio ambiente e incentivo ao desenvolvimento sustentável. Segundo o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Brasil assinou o acordo em setembro de 2018. Para valer no país, o texto para ratificação precisa ser encaminhado pela presidência ao Congresso Nacional. O projeto Achados e Pedidos, iniciativa da Transparência Brasil e Abraji, em parceria com a Fiquem Sabendo e com financiamento da Fundação Ford, apurou a situação do tratado e constatou que o processo está estagnado e sem perspectiva de avanço.

Popularmente conhecido como Acordo de Escazú, o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe é o primeiro tratado ambiental na região. A construção deste tratado iniciou-se em 2012, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Em 2018, 24 países latinoamericanos e caribenhos, incluindo o Brasil, assinaram o acordo que passou a vigorar, em 2021, quando alcançou o número necessário de atos de ratificação dos países signatários.

O Dia Internacional do Acesso Universal à Informação, celebrado neste dia 28 de setembro, é um marco para ressaltar a importância do direito à informação como exercício da cidadania, também visto como um fator relevante para o desenvolvimento sustentável. O Brasil, no entanto, atravessa um cenário conturbado na área socioambiental. A atual gestão do Governo Federal tem sido acusada de desmonte das políticas públicas referentes ao meio ambiente, em meio ao impacto provocado pelo crescimento de atividades predatórias e ilegais, como desmatamento e garimpo.

O Ministério das Relações Exteriores afirma que ainda está analisando os dispositivos do tratado "à luz das novas diretrizes da política ambiental brasileira". Em resposta a um requerimento de informação do deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP) sobre questões ambientais, o ministro de Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, aponta preocupação com a "possibilidade de restrição à autonomia dos poderes Legislativo e Executivo nacionais, além de eventual insegurança jurídica e política para projetos públicos e privados brasileiros".

Para organizações da sociedade civil, com processo de ratificação estagnado, o país perde uma oportunidade de fortalecer mecanismos de transparência e participação social referentes a questões socioambientais, prejudicando a liderança brasileira em legislação ambiental na América Latina e no Caribe.

O coordenador do Programa de Integridade Socioambiental da Transparência Internacional - Brasil, Renato Morgado, avalia que há uma distorção do texto do tratado para justificar a morosidade do processo de ratificação. "Um dos princípios explícitos do Acordo é justamente o respeito à soberania dos países signatários. Inexiste no texto, incluindo nas competências dos órgãos de governança que serão criados, qualquer mecanismo que preveja essa possibilidade de interferência", explica.
Acesso à informação é um direito instrumental

No Brasil, a Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei de Acesso à Informação Ambiental são mecanismos que regulamentam a transparência pública no país. No entanto, o descumprimento de tais leis tem provocado preocupações. Um exemplo é a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja transparência ativa foi avaliada pelo projeto Achados e Pedidos. O relatório com os resultados da análise concluiu que 62% das informações desejáveis para o controle social da execução da política indigenista brasileira apresentam algum problema (incompletude ou inconsistência) ou são inexistentes.

O caso da Funai não é um episódio isolado. Dificuldades no monitoramento e análise de dados socioambientais produzidos por órgãos públicos são corriqueiras, os problemas se repetem. O relatório "Área Ambiental: império da opacidade" identificou sete problemas de transparência na gestão socioambiental federal. Essa rotina foi descrita pela repórter Sophia Lopes, quando buscou respostas à pergunta "quanto dinheiro o governo dedicou à proteção ambiental nos últimos 5 anos?". A reportagem, também do projeto Achados e Pedidos, apurou que houveram cortes de até 46% no orçamento de órgãos federais responsáveis por políticas ambientais de monitoramento, fiscalização e combate ao desmatamento e incêndios florestais.

A necessidade de fortalecer mecanismos de acesso à informação no campo socioambiental foi destacada durante uma sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as causas do rompimento da barragem de mineração da Vale em Brumadinho (MG). Na ocasião, Júlia Cruz, representante da Conectas Direitos Humanos, reforçou que transparência e participação têm um papel instrumental no contexto de grandes empreendimentos e de desastres socioambientais: "As pessoas, muitas vezes, não têm acesso à informação com antecedência adequada para intervir nos processos de tomada de decisão, ou essa informação não é disponibilizada com os detalhes e numa linguagem acessível". Apesar da sugestão para incluir a ratificação do Acordo de Escazú no relatório final da CPI, o tratado não foi citado nas recomendações do documento.

Em 2019, o deputado Pedro Lucas Fernandes (PDT/MA) apresentou o Projeto de Lei No 5204 como um reforço ao cumprimento do acesso à informação. "A disponibilização completa e atualizada de informações na área ambiental é fundamental para que governo e sociedade cumpram seu dever constitucional de defender o meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", justifica o parlamentar no PL - que, atualmente, está sem relator na Câmara dos Deputados.

Segundo Renato Morgado, o Acordo de Escazú pode incentivar "a melhoria de práticas de transparência, participação e acesso à justiça em temas ambientais por parte de governos subnacionais, legisladores e também apoiar decisões do judiciário". Morgado ainda destaca que o Brasil tem caminhado na contramão do Acordo de Escazú, que assinou há três anos, mas que o tema é importante e pode aparecer no próximo pleito eleitoral: "Esperamos que no debate eleitoral os(as) candidatos(as), sobretudo à presidência, apresentem propostas sobre como pretendem reconstruir a governança ambiental do país. Isso deve incluir como o Brasil retomará sua liderança internacional na agenda ambiental, abrindo espaço para que o Acordo seja discutido nas eleições."

Em novembro começa a COP 26, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, oportunidade em que são discutidas as medidas para combater os efeitos da emergência climática. Joara Marchezini, consultora de transparência e acesso à informação do Instituto Socioambiental (ISA), explica que o Acordo de Escazú está ligado às discussões sobre a emergência climática porque possui instrumentos que permitem respostas mais adequadas aos desafios, com a possibilidade de incentivos à ratificação do tratado: "O Acordo de Escazú apoia diretamente a implementação dos compromissos do Acordo de Paris e da Agenda 2030, por exemplo. Nessa linha, ratificar o Acordo de Escazú traz maiores oportunidades de cooperação técnica e financeira entre os países, já representa compromisso com a garantia dos direitos humanos e a proteção ambiental."
Uma história de violência

O Brasil tem um histórico de violência no que se refere às questões ambientais. Do início das negociações para construção do Acordo de Escazú, em 2012, até 2020, já ocorreram 373 mortes em conflitos do campo, segundo monitoramento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A situação para os ativistas ambientais também é alarmante. Chico Mendes, Dorothy Stang e Paulino Guajajara são apenas alguns dos nomes conhecidos por defender a terra e o meio ambiente e que tiveram sua atuação interrompida pela violência. O ano de 2020 foi um dos mais perigosos para defensores da terra e do meio ambiente no mundo, de acordo com a organização Global Witness - que coleta dados sobre assassinatos desde 2012. O relatório "A última linha de defesa" apontou que mais de 200 defensores foram atacados por combater indústrias que causam as mudanças climáticas.

No Brasil já foram registrados 20 assassinatos, com significativa concentração na Amazônia. Segundo a Humans Rights Watch, essa violência está diretamente relacionada à impunidade e a crimes de extração ilegal de madeira que intensificam o desmatamento na região.

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