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Tratores destroem geoglifos milenares para plantar milho

((o))eco - http://www.oeco.org.br/
Autor: Duda Menegassi
06 de Ago de 2020

Os tratores são protagonistas corriqueiros nos capítulos de destruição da floresta, mas dessa vez, eles são os responsáveis por danificar outro tipo de patrimônio: o histórico-cultural. A denúncia foi feita por um pesquisador enquanto observava por satélite a Fazenda Crixá, no sul do Acre, onde está um dos sítios de geoglifos que contam parte da ocupação milenar da Amazônia. Lá, onde normalmente se viam marcas suaves no terreno de pequenas valas que formam desenhos geométricos feitos a cerca de 2 mil anos pelos povos pré-colombianos que ocuparam a região, as imagens de satélite revelaram um sítio violado pela brutalidade de um trator, usado para aplainar a terra para adequá-la ao plantio de milho e pastagem.

A denúncia foi enviada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e ao Ministério Público Federal (MPF). Uma equipe do Iphan foi a campo apurar a denúncia no dia 27 de julho e confirmou o dano ao geoglifo. "Na vistoria foi verificado que o sítio foi impactado pelo plantio de milho, durante o arado de plantio foram destruídos e mutilados as muretas e valetas que compõem o sítio arqueológico do tipo geoglifos, denominado Fazenda Crixá. A área foi embargada e o Ministério Público Federal foi notificado", confirmou ao ((o))eco a assessoria de comunicação do Iphan.

De acordo com a assessoria, a propriedade rural pertence ao atual presidente da Federação de Agricultura do Estado do Acre, Assuero Veronez, que já era dono da fazenda vizinha, Campo Grande, e nos últimos anos comprou e anexou o território da Fazenda Crixá.

"O Iphan não pode penalizar, ele notifica o crime, ele é um fiscal. O MPF vai abrir um processo e quem vai penalizar e impor a pena é o judiciário. O Iphan pode embargar e o embargo foi feito", reforça a assessoria, que esclarece que a multa não cabe ao Iphan. O órgão explica ainda que serão questionados os órgãos ambientais para apurar se havia algum processo de licenciamento de plantio envolvendo a fazenda e confirma que dentro do Iphan não houve nenhum tipo de anuência para qualquer ação no sítio.

Dentro de 15 dias será feita uma nova vistoria e fiscalização, para verificar se há movimentação no solo.

A denúncia foi feita pelo pesquisador Alceu Ranzi, especialista no estudo dos geoglifos da Amazônia e que há 20 anos estuda os desenhos. "Esse geoglifo da Fazenda Crixá foi um dos primeiros que nós fotografamos, em 2001. E eu estou sempre revisando, anotando. Ao fazer esse trabalho na semana passada, eu fui ver as imagens históricas e estava lá o geoglifo Crixá totalmente arrasado. Essas valas dos geoglifos são valas de 10 - 11 metros de largura, de 2 - 3 metros de profundidade. Isso atrapalha o trânsito das máquinas pesadas. E possivelmente o proprietário tenha passado o trator pra deixar tudo lisinho, bonitinho, pra ele poder fazer o que ele quer fazer, agricultura ou pecuária. Vendo as imagens eu comuniquei ao Iphan que fosse a campo e averiguasse, e também fiz uma representação ao MPF", conta o pesquisador.

"A imagem de satélite é muito clara. Ele [o geoglifo] foi arrasado, ele foi preenchido, todas essas valas foram preenchidas", lamenta.

O Iphan realiza vistorias anuais aos bens tombados - e em processo de tombamento - e sítios históricos registrados em todo Brasil. De acordo com a assessoria do Iphan, entretanto, a visita feita a Fazenda Crixá, no 2o semestre de 2019, não obteve sucesso. "Não conseguimos acesso a propriedade, a fazenda estava fechada e não conseguimos contato com o proprietário", relataram os fiscais à época. O Iphan só voltou a propriedade no final de julho (27), após receber a denúncia.

De acordo com imagens de satélites obtidas por ((o))eco com apoio do MapBiomas, em julho de 2019 já é possível identificar a degradação dos geoglifos. Ao comparar com imagens de julho de 2018, a diferença é nítida. A assessoria do Instituto não soube informar se foi realizada uma vistoria anual em 2018 na fazenda e tampouco se já foi apurado, através de imagens de satélite, precisamente quando teria ocorrido a infração.

O jornalista Altino Machado escutou o proprietário da fazenda, Assuero Veronez. Em entrevista ao repórter, Veronez reconheceu a danificação do sítio arqueológico, mas explicou que foi um "erro".

"A propriedade é minha há mais ou menos três anos. Houve um erro cometido pelo tratorista, que havia sido avisado sobre o sítio arqueológico. Mas, ao executar o seu trabalho, findou não observando os cuidados necessários e aterrou as valas dos geoglifos. Eu, sinceramente, não sei como resolver isso. Vou aguardar as orientações do Iphan para ver o que pode ser feito para mitigar os danos. Além disso, o sítio arqueológico é semelhante a centenas de outros existentes na região. Se existem centenas de geoglifos semelhantes, no meu entendimento a gravidade do fato tem uma importância relativa. No local foi plantado milho e hoje é pasto. Sobre embargar minha atividade agrícola, não sei em que isso iria contribuir", declarou ao jornalista. Veronez também é ex-vice-presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

O embargo significa que o proprietário não pode mexer na plantação, nem colher, nem passar a máquina.

Os geoglifos

O primeiro sobrevoo dos geoglifos da Fazenda Crixá foi feito em 2001. Assim como ele, há centenas de marcações milenares similares espalhadas pelo solo amazônico, algumas talvez ainda desconhecidas sob o dossel da floresta.

"Os geoglifos são desenhos monumentais no solo que começaram a aparecer depois que se desmatou a floresta. Tirou a floresta, que se imaginava totalmente virgem, revelou uma verdadeira civilização que existia ali. São desenhos imensos. São desenhos, por exemplo, um quadrado de 100 m², círculos perfeitos com 100 metros, 200 metros de diâmetro, octógonos, hexágonos", descreve Alceu. "A ideia que se tem é que seriam sítios cerimoniais. São centenas, monumentais e geometricamente perfeitos", acrescenta.

A assessoria do Iphan acrescenta que o geoglifo da Fazenda Crixá era um sítio bem íntegro. "Na época do estudo, foi constatado um grau de até 75% de integridade, era um sítio em ótimo estado de preservação".

Para tentar minimizar as perdas, o Iphan solicitou ao Centro Nacional de Arqueologia que seja desenvolvido um plano de trabalho de resgate de material arqueológico do sítio. "Cabe ao Iphan tentar resgatar o máximo possível do que foi destruído. Por mais que tenha destruído os geoglifos ali tem muito material arqueológico", explica a assessoria. Via de regra, os geoglifos não são escavados para preservar as estruturas e não descaracterizar o sítio arqueológico.

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