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Transgênicos

O Globo, Tema em Discussão, p.6
Autor: LONDRES, Flávia
17 de Abr de 2005

Transgênicos

Nossa opinião

Razões do sucesso

Omaior mérito da Lei de Biossegurança, no que se refere ao cultivo de transgênicos, foi tirar a questão do âmbito político-ideológico para deixá-la firmemente na área técnica. A autorização para pesquisa e plantio cabe agora exclusivamente à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, cujas decisões não mais podem ser vetadas por ministros, de acordo com interesses políticos ou posições ideológicas.
É paradoxal que os alimentos geneticamente modificados continuem a enfrentar oposição de ambientalistas, apesar de terem efeitos positivos sobre o meio ambiente, já que exigem menos uso de pesticidas e herbicidas. A maior produtividade e o gasto menor explicam sua aceitação entusiástica pelos produtores - tanto os que compõem o agronegócio quanto os pequenos agricultores. Mas se ainda há alguma relutância em admitir que eles não fazem mal à saúde (embora estejam sendo amplamente consumidos pelos americanos há oito anos), já não faz sentido negar que eles são ecologicamente benéficos.
O fato de os transgênicos terem sua origem em laboratórios de multinacionais pode explicar a rejeição, mas não a justifica. Muito menos quando se sabe que os técnicos e cientistas na linha de frente das pesquisas nessa área, no Brasil, estão na Embrapa.
A nova legislação, de qualquer forma, tem um importante aspecto positivo adicional, que é o de tornar legítima uma prática adotada no campo brasileiro há anos - até mesmo por assentados do Movimento dos Sem Terra, que, mostrando bom tino comercial, optaram pelo plantio e venda da soja transgênica.

Outra opinião
Fúria predatória
Olobby das indústrias de biotecnologia teve enorme êxito em mascarar o real objeto do Projeto de Lei da Biossegurança, escondendo-o atrás da polêmica acerca da liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias e, desta forma, fazer passá-lo.
Originado no Poder Executivo, o PL foi encaminhado à Câmara dos Deputados com a exigência da realização de estudos de impacto sobre saúde e meio ambiente, previamente a liberações comerciais de transgênicos. Foi então contestado pelo lobby das indústrias no Congresso e parlamentares da bancada ruralista. A Câmara eliminou em sua votação as exigências de controle sobre pesquisa sobre transgênicos, mas introduziu um artigo sobre pesquisas com células-tronco embrionárias.
No Senado, os mesmos lobistas, acompanhados por crianças em cadeiras de rodas, dominaram o debate e fizeram passar um projeto de lei substitutivo, autorizando pesquisas com células embrionárias, e, de quebra, eliminando todas as exigências de avaliações de riscos nos processos de liberação comercial de transgênicos. De volta à Câmara para votação final, o PL ganhou destaque na mídia exatamente como propunha a indústria.
À véspera da votação pelo plenário, o principal telejornal do país pôs no ar uma reportagem apelativa, com dezenas de jovens em cadeiras de rodas, ocupando o salão verde, e o novo presidente da Casa, deputado Severino Cavalcanti, cercado de lobistas da indústria. O fato de que a liberação de transgênicos estava proposta na mesma lei sequer foi citado na reportagem.
Com a medida, quem ganha é a Monsanto, multinacional americana de sementes e agrotóxicos, que controla mais de 90% do mercado mundial de transgênicos. Já se prevê um significativo aumento nas vendas do herbicida Roundup, usado em associação com a soja transgênica e carro-chefe de vendas da empresa. A maior parte do lucro da Monsanto advém da venda de agrotóxicos, o que contribui para desmascarar o mito de que lavouras transgênicas usariam menos herbicidas do que as convencionais. No Brasil, a Monsanto passará a ganhar também com os royalties sobre a venda de suas sementes patenteadas.
Mas a sociedade civil continua mobilizada em torno do tema, aliada a inúmeros movimentos de resistência em âmbito internacional, e o trabalho de conscientização de agricultores e consumidores será o caminho para revertermos o processo de controle de nossa agricultura e alimentação pela fúria predatória das corporações transnacionais.

Flávia Londres é coordenadora do Programa de Segurança Alimentar da ActionAid Brasil.

O Globo, 17/04/2005, Tema em Discussão, p. 6

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