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Traição de vizinho

CB, Economia, p. 30
Autor: MACHADO, Antônio
25 de Nov de 2007

Traição de vizinho

Por Antônio Machado
cidadebiz@correiweb.com.br

A esperança trazida pela expansão da oferta do álcool combustível e o interesse internacional já despertado como complemento parcial ao petróleo a US$100 ou mais o barril, além de atender ao desafio de reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera, está sob cerco cerrado - e agora até de governos vizinhos historicamente apoiados pelo Brasil, e não só de grupos de pressão, sobretudo organizações não-governamentais, ONGs, manipulados pelos países petroleiros.
0 próximo golpe, a se crer no que revelou em Genebra o comissário das Nações Unidas para a alimentação, o suíço Jean Ziegler, deverá vir de ninguém menos que da Bolívia. Ziegler afirmou ao Estado que foi procurado por diplomatas bolivianos em busca de subsídios para uma resolução que o presidente Evo Morales proporia à ONU em que pede a suspensão por cinco anos da expansão da produção de álcool combustível em todo mundo. Ziegler é o autor dessa recomendação.
Se Morales confirmar a iniciativa, configurará uma intromissão na soberania nacional e o maior ato de hostilidade externa enfrentado pelo Brasil em décadas. 0 governo brasileiro não poderá deixar sem resposta nem de reagir com igual agressividade, já que, desta vez, não seria Morales exercendo sua soberania, como fez ao estatizar o setor petrolífero, inclusive com a ocupação pelo exército das duas refinarias que a Petrobras tinha na Bolívia. Mas seria ele pondo o nariz no que não é parte, nem direta nem indiretamente.
0 fato é que não se poderiam esperar boas intenções tanto de um político com histórico de criar constrangimentos ao Brasil, caso de Ziegler- um jornalista suíço que ganhou estima em setores da esquerda brasileira por colaborar com as investigações para achar dinheiro supostamente enviado a bancos da Suíça pelo ex-governador paulista e deputado Paulo Maluf-, e um presidente ressentido, é o mínimo que se pode dizer, pois outras razões seriam muito graves, pelo apoio que o presidente Lula lhe oferece. E apesar da rudeza na expropriação da Petrobras, que teve de se dar por satisfeita com a indenização recebida da Bolívia por ordem expressa de Lula.
Tese insustentável
A tese de Ziegler, que pode ter o aval de Morales como ele mesmo disse ao correspondente Jamil Chade, é insustentável, segundo foi provado por várias fontes independentes. Ziegler teme que lavouras usadas para extrair etanol ocupem terras cultivadas com a produção de alimentos, tornando os escassos e caros, prejudicando os pobres no mundo. 0 preço da comida está em alta no mercado global, mas o motivo é a maior demanda pela menor pobreza no mundo emergente, em especial na China e índia. Além disso, estudos da FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, mostram que a fome no mundo é um problema de renda, não de escassez de oferta.
Quem se beneficia de tais ruídos, reais ou imaginários? Ao Brasil é que não faz bem. Ora o golpe contra a viabilidade do etanol vem na cara dura, como faz Ziegler, sobre quem o Itamaraty já deveria ter argüido junto à Secretária-Geral da ONU a suspeição. Ora vem sob a capa de uma decisão burocrática, inofensiva, como se soube no fim de outubro, com nenhuma repercussão, que a União Européia decidira limitar o volume de água no etanol de 0,3% para 0,2%. 0 problema, segundo alertou o presidente da Greenergy, Andrew Owens, principal importador de etanol da Inglaterra, é que, transportado a longas distâncias, o álcool absorve umidade. "É uma medida para proteger os produtores locais", disse Owens. "Essa mudança elimina grande parte do fluxo comercial de etanol no mundo."

Ataques têm método
A onda contra o álcool segue um padrão. Pelos motivos alegados por Ziegler à ONU já se manifestaram Fidel Castro e Hugo Chávez. Uma das mídias padrão de Wall Street, a Bloomberg, denunciou que "milhares de trabalhadores brasileiros de cana-de-açúcar morrem e se machucam a cada ano na pressa de produzir um combustível que os presidentes Bush e Lula celebram como caminho para a independência energética.". Sábado retrasado, num evento em Xangai, um francês censurou apoio do ex-diretor da Agência Internacional de Energia Claude Mandil ao etanol, afirmando . que ele omitira o desmatamento da Amazônia para plantio da cana, o que é falso, e as péssimas condições do trabalho nos canaviais. 0 Brasil foi defendido por um executivo italiano. Os inimigos do álcool estão vencendo a guerra.
Alguns nem escondem as motivações dos ataques. Dois analistas da Pinico, maior fundo de papéis de renda fixa do mundo, publicaram um artigo que começa pretextando a viabilidade do álcool de milho nos EUA, mas termina citando a matéria da Bloomberg para concluir que a taxa de US$ 0,54 centavos por galão sobre o etanol importado foi plenamente justificada. Em suma: nem etanol de milho e muito menos importado dos "selvagens" produtores brasileiros. Bom, para eles, deve ser o petróleo a US$100, vendido por países hostis aos EUA.
Curioso é que há no mundo quem defenda os combustíveis verdes com até mais credibilidade que os seus críticos. 0 governo deveria tê-los por perto, promover conferências internacionais, fazer, enfim, a contra-informação. E cuidar de duas frentes: 1a, peitar governos que invistam contra o país. E 2ª , endurecer a legislação contra os empresários do setor - aliás, de qualquer setor - que maltratam os empregados como se fossem escravos da gleba. A falta de tais ações sugere que não é de uma estatal que o etanol precisa, como alguém delirou, mas de um coordenador respondendo a Lula. Basta um.

CB, 25/11/2007, Economia, p. 30

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