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Terra invadida

O Globo, Sociedade, p. 28
18 de Mai de 2018

Terra invadida
Um terço das áreas protegidas do mundo está em severo estado de degradação

RENATO GRANDELLE

RIO - No discurso, os países prometem conservar sua biodiversidade. Na prática, tomam medidas menos ambiciosas do que as divulgadas. A crítica vem de um estudo internacional conduzido pela Universidade de Queensland (Austrália). Segundo o levantamento, quase um terço das terras protegidas do planeta, o equivalente a 6 milhões de quilômetros quadrados, está sendo severamente modificado pela atividade humana.
Essa área, segundo os pesquisadores, chegou a um estado em que será "improvável conservar a biodiversidade ameaçada ou reter as funções ecológicas necessárias para garantir sua sobrevivência a longo prazo".
Entre os territórios sob algum estado de conservação, como parques nacionais e reservas naturais, 90% apresentaram sinais de danos ligados à exploração econômica. Por isso, ambientalistas registram um grave declínio populacional e mesmo a extinção de algumas espécies.
Para os pesquisadores australianos, que observaram 50 mil áreas protegidas em todo o planeta, a solução não é aumentar esse território, e sim melhorar sua administração. Diversas localidades que são encaixadas como legalmente conservadas não passam de "parques de papel", já que os governos não se preocupam em tomar medidas básicas, como nomear fiscais e estabelecer que atividades devem ser permitidas ou proibidas em cada região.
- Quando as áreas protegidas são bem geridas, financiadas e posicionadas e suas leis são cumpridas, a proteção da biodiversidade é extremamente eficaz - assegura James Allan, pesquisador da Escola de Ciências da Terra da Universidade de Queensland e coautor do estudo, publicado na revista "Science". - No entanto, muitas vezes os territórios que deveriam ser conservados não passam de linhas traçadas em um mapa.
Entre as intervenções mais críticas dentro de territórios protegidos estão a abertura de estradas, culturas agrícolas e até a construção de cidades inteiras. Os impactos mais extensos foram registrados em locais com maior concentração populacional da Ásia, Europa e África. Trata-se, por isso, de uma demonstração de que os governos são protagonistas - ou, no mínimo, cúmplices - do fracasso dos projetos para preservação dos ecossistemas.
- É raro encontrar regiões onde podemos conciliar integridade ecológica e atividade econômica sem prejuízo à biodiversidade - ressalta Allan. - O objetivo principal das áreas protegidas deve ser conservar a natureza, e para isso ela precisa ter seu próprio espaço, vetado a qualquer atividade humana.
Alguns países estão cumprindo seus compromissos e trancando o acesso a regiões de amplos recursos naturais. O grupo das nações exemplares inclui Botswana e Suriname. Por outro lado, algumas franquearam o espaço de áreas sensíveis à biodiversidade para atividades econômicas predatórias. É o caso, por exemplo, de Ruanda, Ucrânia, Paquistão, Polônia e Kuwait. Apenas 10% das localidades analisadas estavam completamente intocadas - são territórios localizados em altas latitudes na Rússia e na China.
As nações desenvolvidas, segundo os autores do estudo, não estão se comportando como deveriam, mesmo tendo a tecnologia necessária para manter a vitalidade de sua economia sem interferir no meio ambiente. Na Austrália, por exemplo, a agricultura avança sobre terras destinadas à preservação.
'BRASIL É O MAIS IMPORTANTE DO MUNDO'
O Brasil passou recentemente por uma série de revezes em suas áreas protegidas na Amazônia. No ano passado, o Congresso analisou medidas provisórias que reduziriam ou rebaixariam o status de unidades de conservação. Também houve uma tentativa de abrir a Reserva Nacional de Cobre. Um levantamento realizado pelo WWF-Brasil e pela Associação Contas Abertas constatou que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia responsável pelas unidades de conservação, terá à disposição neste ano R$ 708 milhões, uma queda de 44% em relação a 2017. Allan esquiva-se de comentar a situação do país, mas ressalta que seu papel é crucial.
- Do meu ponto de vista, o Brasil é o país mais importante do mundo para mantermos a conservação da biodiversidade. Se conseguir interromper o desmatamento da Amazônia, vai se tornar uma referência internacional - avalia. - Mas sei que existem desafios políticos para alcançar esse objetivo, além de questionamentos sobre quem vai arcar com os custos para que esse ideal seja atingido.
Autor principal do estudo, James Watson critica a falta de uma liderança clara para a Convenção sobre Diversidade Biológica, tratado assinado durante a Rio-92 para garantir a sobrevivência de espécies. Desde então, as áreas sob proteção dobraram de tamanho, e agora abrangem 15% da superfície terrestre.
- Ninguém está definindo as normas sobre o que cada país deve fazer - protesta. - Por isso, um relatório como o nosso responsabiliza as nações pela perda do meio ambiente e talvez possa envergonhá-las a ponto de fazer com que tomem providências. Estamos ficando sem tempo para preservar a herança de nossos ecossistemas. Trinta por cento das espécies serão extintas nos próximos 50 anos se não protegermos adequadamente a natureza.

O Globo, 18/05/2018, Sociedade, p. 28

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