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Tensão entre índios e fazendeiros também cresce em MS

OESP, Nacional, p. A10
09 de Jan de 2004

Tensão entre índios e fazendeiros também cresce em MS
Juiz vai à região do conflito por causa do fracasso da negociação de caiovás e proprietários

José Maria Tomazela
Enviado especial

O juiz federal de Dourados, Odilon de Oliveira, vai hoje à região da fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai para tentar resolver pessoalmente o conflito entre os índios da tribo caiovás-guarani e fazendeiros. Cerca de 3.700 índios, pintados para a guerra, ocupam seis fazendas e ameaçam entrar em outras nove. Há um clima de tensão na área, pois em algumas estradas a passagem é controlada pelos índios. O juiz anunciou a decisão depois de uma tentativa frustrada de acordo, à tarde, no Fórum Federal de Dourados, entre os representantes dos proprietários e dos indígenas visando a desocupação das áreas ocupadas desde dezembro.

Do lado de fora, cerca de 200 fazendeiros protestaram, com faixas e discursos, contra as invasões. O porta-voz dos caiovás, Ambrozio Fernandes, disse que os invasores, embora não estejam dispostos a sair das áreas, aceitam negociar. Oliveira preferiu não requisitar força policial para ir até os índios. Ele perguntou a Fernandes se os integrantes da sua comitiva não correrão risco de seqüestro. "Ir com policiais pode acirrar mais os ânimos", justificou. O juiz estará acompanhado do procurador da República Ramiro Rockembach da Silva, de representantes regionais da Funai e de advogados dos fazendeiros.

Desde a manhã, ruralistas ocuparam a frente do fórum, vigiado por 9 agentes e um delegado da Polícia Federal. O Sindicato Rural de Dourados estendeu faixas criticando a "política irresponsável" do governo na questão fundiária.

O fazendeiro Ricardo Bacha, da Fazenda Buritis, de 860 hectares, em Sidrolândia, invadida pelos terenas, disse que os índios arrendaram suas terras para criadores de gado. "A Funai acoberta essa situação criminosa." A advogada Roseli Ruiz Silva, que teve sua fazenda invadida, afirmou que os índios não estão armados com revólveres e rifles. Segundo ela, a questão indígena virou "uma indústria e tem muita gente tirando proveito". O produtor Adão Ribeiro disse que foi expulso de sua fazenda. "Os terenas cercaram minha família e exigiram duas vacas gordas para que a gente pudesse tirar algumas coisas." Expansão - O juiz Oliveira concedeu ontem liminar em ação movida pelos donos da Fazenda Princesa do Sul, em Mundo Novo, proibindo a entrada dos índios. A fazenda já havia sido invadida. Em caso de nova invasão, a Funai terá de pagar multa de R$ 10 mil por dia. Fernandes disse que os índios continuarão invadindo fazendas. "Índio não invade, só retoma, pois essas terras eram dos nossos avós e foram tomadas." Segundo ele, 2004 será o ano da "retomada" das terras indígenas em todo o País. "Vamos de cidade em cidade recuperando o que é nosso."

Em Mato Grosso do Sul, os conflitos entre índios e fazendeiros que ocorrem na fronteira com o Paraguai podem se expandir para o restante do Estado.

Segundo a Funai, os grupos indígenas estão se mobilizando nas regiões de Dourados, Campo Grande, Naviraí e Aquidauana, no Pantanal.

Produtores acusam governo de omissão

Roldão Arruda

O Movimento Nacional dos Produtores (MNP), que tem sede em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, lançou ontem um manifesto no qual acusa as autoridades de omissão em relação às invasões de terras por índios naquele Estado. Segundo o presidente do MNP, João Bosco Leal, em 15 dias os índios invadiram 12 propriedades.

Intitulado O Índio É Um Cidadão?, o texto diz que os produtores que tiveram terras invadidas não sabem a quem recorrer: "Se um índio comete um crime, nada se pode fazer, entretanto, ele pode votar, ter RG, CPF, carteira nacional de habilitação, enfim, tem os mesmos direitos de um cidadão comum, mas nenhuma de nossas obrigações. A hipocrisia está dominando este relacionamento poder público/índio a tal ponto que não sabemos mais se este é ou não um cidadão. Até quando?"

Para Leal, polícia e juízes estaduais evitam o envolvimento com questões indígenas, que seriam da competência do governo federal. Lembra que o Mato Grosso do Sul possui o maior rebanho de gado de corte do País, além de ser grande produtor de trigo e soja. E afirma que o avanço sobre terras indígenas é inevitável: "Nenhum país colonizado após o século 14 o fez sem se apossar de terras que antes eram de populações nativas, sejam índios, aborígines ou outros. Que o digam os Estados Unidos e a Austrália."

O líder ruralista disse também que hoje é difícil definir os reais interesses em torno do movimento indígena, que envolve missionários religiosos e antropólogos estrangeiros. "Cabe aqui um questionamento, de qual o real interesse de quem está por trás, incita os índios e patrocina os meios de transporte para essas invasões".

Confusão - O presidente da Funai, o antropólogo Mércio Pereira Gomes, rebateu as afirmações do MNP. Disse que, segundo as leis do País, os índios têm direitos e obrigações como os outros cidadãos.
"Já existe até índio preso em Bangu 1", lembrou.

A diferença seria a tutela da Funai. "Ela garante atenuantes para o índio, assim como existem leis no País que garantem que o cidadão com curso universitário, acusado por algum crime, tenha direito a cela especial."

Ainda segundo o presidente da Funai, a terra ao redor da reserva Porto Lindo, que estaria sendo invadida pelos índios, pertence a eles. "No total são 17 fazendas que estão em terras dos guaranis, de acordo com estudos feitos por um antropólogo, brasileiro de pelo menos três gerações."

Gomes lembrou que os 410 mil índios existentes no País detêm 11% do território. Com todas as homologações de terra em curso passarão a ter 12,5%.

OESP, 09/01/2004, Nacional, p. A10

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