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Tempo passa, dinheiro não chega

O ECO - www.oeco.com.br
Autor: Aldem Bourscheit
24 de Abr de 2009

Há dois anos, o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou uma ação civil pública para que governo federal e Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) chegassem a um acordo para cobrar uma pequena taxa nas contas da população e reverter dinheiro ou serviços ao Parque Nacional de Brasília e outras áreas protegidas que fornecem água para abastecimento público.

A medida até agora não foi executada porque artigos da lei federal* que definiu os tipos de unidades de conservação do país ainda não foram regulamentados. O prazo oficial era de 180 dias após a publicação da lei, o que aconteceu há nove anos. Em junho de 2005, o MPF já havia enviado ofícios à Caesb, Ibama e Ministério do Meio Ambiente, para que cumprissem a norma.

A lei diz que as empresas que bombeiam água de parques nacionais, reservas biológicas e outras unidades de conservação devem contribuir para a sua proteção e manutenção. O mesmo vale para geradoras de energia. Desde os anos 1970, a empresa distrital de abastecimento aproveita a água da Barragem de Santa Maria, abastecida com água do Parque Nacional de Brasília. Por volta de 350 mil pessoas, ou quase 15% dos habitantes do Distrito Federal, bebem água mineral produzida pela unidade de conservação, criada em 1961.

O parque nacional garante a sobrevivência daquela fonte, mas não recebe um tostão pelo serviço público e ambiental. Por isso, é mantido com repasses orçamentários federais e arrecadação de ingressos, a R$ 3,00 por visitante. Ano passado, ficou oito meses com entrada gratuita por falhas em licitações públicas para contratação da empresa de bilhetagem. No entanto, ambas as fontes são insuficientes para garantir manutenção e fiscalização, admite a chefe do parque, Maria Helena Reinhardt. "A arrecadação, por exemplo, não cobre um terço de nossas despesas", disse.

Conforme ela, paralelamente à regularização dos pagamentos, devem ser feitas avaliações sobre as necessidades do parque, como prédios, recuperação de áreas degradadas, projetos de educação ambiental, construção de trilhas, fiscalização, veículos e pessoal, além de se realizar o licenciamento das captações de água dentro da área protegida. Os custos anuais com serviços terceirizados, como de vigilância, bilheteria, limpeza, manutenção predial, correio e combustível, é superior a R$ 2 milhões. Cortes no orçamento do Ministério do Meio Ambiente podem reduzir os repasses à unidade.

Sérgio Colaço, atual diretor de Cerrado do Instituto Chico Mendes (ICMBio) e provável futuro coordenador da área de serviços ambientais do órgão, acompanhou de perto o impasse envolvendo o Parque Nacional de Brasília. Segundo ele, a regulamentação legislativa necessária à cobrança pela água que flui do parque e outras unidades de conservação federais será retomada com nova reestruturação de cargos do ICMBio. Isso depende da publicação de um decreto federal, algo também sem previsão para ocorrer.

No entanto, ele adiantou a O Eco que uma metodologia para cobrança será desenvolvida comparando-se a situação do Parque Nacional de Brasília com a de outras áreas, como a Reserva Biológica da Contagem (onde também ocorre bombeamento da Caesb) e a Represa Billings, em São Paulo. "Queremos comparar o custo que eles (Caesb) têm para tratar a água em Brasília com o de outros lugares. Assim, poderemos estimar quanto a empresa deve pagar por ano pelo serviço prestado pelo parque", explicou.

Como a água fornecida pelo parque é extremamente limpa, a Caesb realiza apenas um tratamento simplificado antes de oferece-la à população.

Uma alternativa ao repasse de dinheiro, que pode acabar caindo no caixa único da União e ser usado para outros fins, pode ser a contratação de serviços do interesse das áreas protegidas pelas empresas de água e saneamento, comentou Colaço. "Assim, o retorno poderia vir com a contratação de empresas de vigilância, de biólogos e afins", disse.

Apesar das pedras no caminho, o diretor acredita que o pagamento por serviços ambientais é indispensável para a manutenção de parques nacionais e outras unidades de conservação no país. "O mecanismo é superinteressante para trazer sustentabilidade financeira às áreas protegidas, com o pagamento pelos serviços ambientais que prestam. Isso já ocorre em muitos países", avaliou Colaço.

O superintendente-executivo da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Walder Suriani, comentou que as empresas do setor estão cada vez mais atentas a questões ambientais. Afinal, a matéria-prima para a prestação de seus serviços é a água, muitas vezes oriunda de áreas protegidas. "E quando a água captada não tem qualidade, é preciso tratá-la para que atenda aos índices do Ministério da Saúde. Por isso, as empresas têm interesse de que ela tenha a melhor qualidade possível, para redução de custos e garantia da saúde da população", disse.

Para ele, as empresas poderão absorver custos com o pagamento pela água fornecida por parques nacionais e outras reservas. Mas, disse, tudo que se faça como complementação de serviços pode trazer acréscimos às contas mensais. Aumentos, no entanto, dependem do aval das agências reguladoras.

Suriani apontou, ainda, que o tema do pagamento por serviços é relativamente novo, ao mesmo tempo em que as empresas têm notado maior atenção dos consumidores à preservação do meio ambiente, ao menos quando o assunto é a água que sai da torneira. "Uma parcela da população ainda não entende, por exemplo, a importância do esgotamento sanitário, que polui rios e outros mananciais e apresenta déficit bem mais elevado no país do que o de abastecimento", ressaltou.

População aceita cobrança

Antes de a ação civil pública ter sido disparada pelo MPF, em abril de 2007, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) apresentou um valioso levantamento feito em 400 residências do Distrito Federal, todas abastecidas com água do Parque Nacional de Brasília. O estudo mostrou que a população não só aceita a cobrança, mas também que, quanto mais próxima da área protegida, mais simpática se torna à medida.

Conforme o diretor-adjunto de Estudos Regionais e Urbanos do Ipea, José Aroudo Mota, os cálculos de então revelaram que o acréscimo nas contas de água dos brasilienses seria de no máximo três centavos, enquanto o impacto no orçamento da Caesb chegaria a 0,4%. Pouco pela manutenção do Parque Nacional de Brasília. "As pessoas estão dispostas a pagar para preservar o parque e a água na barragem de Santa Maria. Sabem do valor ambiental do parque", comentou.

Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), Mota também faz uma recomendação ao Ministério do Meio Ambiente, para mapear as oportunidades para pagamento por serviços ambientais em todo o país. "Afinal, Brasília será um exemplo para outras localidades, e precisamos de estudos e metodologias de cobrança adequadas a cada realidade", ressaltou.

A Assessoria de Imprensa da Caesb não retornou às ligações de O Eco.

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