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Temendo ocupações, ministro revoga a municipalização de saúde indígena

Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br
Autor: Elaíze Farias
24 de Out de 2016

Após inúmeros protestos de organizações indígenas e o anúncio da ocupação das sedes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) a partir desta segunda-feira (24) nos estados, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, voltou atrás e restituiu a gestão orçamentária aos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), que haviam perdido a competência com a publicação da portaria no 1.907/16 publicada no último dia 17 de outubro. A medida, que enfraqueceu a Sesai, poderia municipalizar o atendimento de saúde aos índios.

A portaria 1.907 do Ministério da Saúde tirava a competência da Sesai na gestão da saúde indígena, pois revogava outra portaria, publicada em 2011. No último dia 20, o titular da Sesai, Rodrigo Rodrigues, divulgou um memorando acabando com a competência dos coordenadores do Dseis na gestão orçamentária e financeira na politica de saúde indígena, ordenando inclusive que os distritos suspendessem os pregões em andamento. Sem competência para autorizar, por exemplo, compra de medicamentos ou envio de profissionais às aldeias, os Dseis estariam submetidos diretamente à avaliação da Sesai em Brasília.

A ocupação das sedes da Sesai (incluindo os Dseis nos municípios) é uma mobilização nacional convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que exigia a revogação da portaria no. 1.907. No final da tarde desta segunda-feira (24), o ministro Ricardo Barros anunciou que nesta terça-feira (25) será publicada, no "Diário Oficial da União", uma portaria mantendo aos Dseis a competência da gestão, e autorizou despesas de até R$ 500 mil previstas na portaria 1338/12, que não havia sido revogada.

Em nota à imprensa, o Ministério da Saúde anunciou ainda que no próximo dia 9 de novembro haverá uma reunião dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) para discutir "melhorias da Saúde Indígena", em Brasília.

A APIB ainda não se pronunciou sobre a nova decisão do ministro Ricardo Barros. A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) disse que durante essa semana haverá ações de defesa do Subsistema de Saúde Indígena. "Os Estados do Amazonas, Rondônia, Ceará estão mobilizados. Até quarta feira todos os Estados estarão se somando a atividade", disse nota da coordenação.

Índios nas ruas

Na parte da manhã e início da tarde, no entanto, manifestações contra a portaria no. 1.907 ganharam as ruas de várias cidades do país. Em Atalaia do Norte (AM), índios das etnias Marubo, Matís, Kanamary, Kulina e Mayuruna ocuparam a sede do Distrito de Saúde Indígena (Dsei) por tempo indeterminado.

Em Boa Vista, mais de 300 indígenas, sendo a maioria da etnia Yanomami, realizaram um protesto exigindo a imediata revogação da portaria. A manifestação contou com a participação de professores da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Os índios Davi Kopenawa Yanomami e Dário Yawarioma lideraram uma audiência no Ministério Público Federal em que pediram a punição do Ministério da Saúde por "desrespeito aos direitos dos povos indígenas do Brasil" pelas ações tomadas contra a gestão dos Dseis.

O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) dos Yanomami, Alberto Brazão, disse que desde a publicação da portaria havia aumentado os casos de malária no território indígena.

"Na aldeia Hali Kato, por exemplo, já temos mais de 60 casos de malária desde a semana passada. O pessoal responsável pelo atendimento de endemias não pode enviar medicamento porque não recebeu autorização. Essa portaria centralizará tudo em Brasília. Uma burocracia que vai matar mais crianças e adultos. Isso é um risco para a sobrevivência dos indígenas. Quem tomou essa medida demonstra falta de conhecimento sobre a nossa realidade", disse Brazão à Amazônia Real.

Ele enfatizou que o território Yanomami é complexo e não pode ser submetido às análises centralizadas em Brasília. O acesso às aldeias é apenas por via aérea, com poucos deslocamentos por embarcações e praticamente nenhum via terrestre. "Não tem condições de manter uma portaria como essa. Brasília não vai ter condições de cuidar dessa demanda gigantesca", afirmou.

O território Yanomami tem uma extensão de 9.664.975 hectares e uma população de 21.954 pessoas, segundo dados da Sesai. A maior parte do território está no estado de Roraima, mas também abrange o norte do Amazonas. Segundo Alberto Brazão, a reserva possui 37 polos de bases de saúde e mais de 200 aldeias.

"Ficamos sabendo de um áudio onde o secretário da Sesai, Rodrigo Rodrigues, disse que a portaria seria revista, que o ministro da Saúde não tinha conhecimento da situação. Mas nós só vamos parar quando a portaria for revogada", disse.

Brazão enviou o áudio à reportagem. Nele, Roberto Rodrigues disse que o ministro da Saúde "entendeu a necessidade da autonomia dos distritos e fortalecimento do controle social". "A partir de amanhã [25] sai uma portaria restituindo a autonomia aos distritos como era antes", afirmou.

A portaria 1.907 do Ministério da Saúde também preocupou os povos indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira, na região do Alto Rio Negro, extremo norte do Amazonas. Justamente nesta segunda-feira, representantes das organizações receberam uma equipe do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, para discutir a precariedade no atendimento naquela região, após várias denúncias sobre aumento de doenças, falta de atendimento nas aldeias e de envio de remédios.

"Com ou sem portaria, a saúde já parou por aqui. Mas agora está se agravando. Depois de inúmeras denúncias, veio hoje (24) aqui um representante do Conselho Nacional de Saúde. Para a nossa surpresa, sai essa portaria 1.907. Isso é um desastre. O que já estava ruim vai ficar pior. Se o ministro não revogar essa portaria vai aumentar o índice de desnutrição, casos de malária e outras doenças. Vai ter mais mortes. Vai praticamente acabar tudo", afirmou Marivelton Barroso, diretor da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).

O atendimento à saúde na região do Alto Rio Negro é apenas via fluvial. Além da dificuldade de transporte há também a de comunicação. Segundo Marivelton Barroso, mesmo com autonomia o Dsei Rio Negro tem problemas de falta de medicamentos, de estrutura nos polos bases, de condição humanizada para a remoção dos pacientes e um planejamento operacional da equipe nas aldeias.

"Aqui não é uma logística simples. Sem atendimento acaba tendo mais remoção, quando nem sempre é necessária. É preciso manter as equipes de saúde em área [aldeias] para fazer a atenção primária. Sem isso, a atenção secundária e terciária agrava a situação dos pacientes", disse Barroso.

Ele contou que na região do Alto Rio Negro aumentou o índice de casos de malária nos últimos anos por falta de atendimento suficiente.

A baixa cobertura de imunização de outras doenças também preocupa. "Mais de 50% da população indígena não foi vacinada. Não tem medicamento, não tem equipe em área, não tem pregões, não tem material médico-hospitalar. Há um problema grave com essa portaria", afirmou.

Na região do Alto Rio Negro há 25 polos bases para atender mais de 700 comunidades indígenas, segundo Marivelton. São cerca de 50 profissionais, incluindo médicos do programa Mais Médicos.

Marivelton Barroso disse que em apenas alguns dias, logo após a publicação da Portaria 1.907, a Casa de Saúde Indígena (Casai), local que recebe os pacientes que são removidos para a sede de São Gabriel da Cachoeira, já está com escassez de alimento. "Hoje (24) fomos visitar a Casai. O administrador disse que estão paralisados os contratos para compra de alimentação, que tem [comida] para apenas mais alguns dias", afirmou.

Pelo Censo de 2010 do IBGE, São Gabriel da Cachoeira tem uma população de 37.300 habitantes, sendo que 29.017 são indígenas.

Para André Baniwa, presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana, também do Alto Rio Negro, a portaria publicada no último dia 16 pelo Ministério da Saúde foi uma ação empreendida por ações de ruralistas e autoridades anti-indígenas do governo de Michel Temer. "Essa medida vai varrer dinheiro da saúde indígena. Ela vai matar mais indígenas do que uma guerra. Vai piorar e muito a situação na área de saúde", afirmou.

Desde que a portaria entrou em vigor, várias organizações indígenas divulgaram nota repudiando a medida. No domingo (23), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) divulgou uma nota dizendo que a determinação do ministro da Saúde, Ricardo Barros, era "deplorável". A APIB, no documento, convoca "os indígenas e suas organizações a se articularem e permanecerem mobilizados, vigilantes e dispostos a enfrentar os golpes lançados".

"Exigimos veementemente do ministro da Saúde a revogação imediata da portaria 1.907/16, o Fortalecimento da Sesai, a autonomia dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas e a reafirmação dos convênios das prestadoras de serviços de forma justa e transparente", diz trecho.

Após saber da revogação da portaria, Alberto Brazão disse à reportagem que a medida não serve para os indígenas, pois "devolve" aos Dseis a gestão, mas sem a participação da Sesai.

"Essa nova portaria submete a saúde indígena à Secretaria Executiva do Ministério da Saúde. E esta poderá submeter a portaria ao Núcleos Estaduais do Ministério ou aos municípios. É uma jogada. A autonomia dos Dseis e a ordenação das despesas precisam estar ligadas à Sesai. A nossa mobilização vai continuar", afirmou.

Leia a nota divulgada pela assessoria de imprensa do Ministério da Saúde nesta segunda-feira e enviada para a Amazônia Real:

"O Ministério da Saúde publica nesta terça-feira (25) portaria que restitui as mesmas autonomias financeira e orçamentária que tinham os DSEIs (Distritos Sanitários indígenas). Ainda, fica mantida a competência para autorizar despesas até R$ 500 mil previstas na portaria 1338/12, que não havia sido revogada.

Assim os distritos sanitários poderão:

I - Emitir Notas de Crédito e de Empenho, bem como as respectivas Notas de Anulação e de recursos orçamentários atribuídos ou cedidos à Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI.

II - ordenar a realização de despesas e conceder suprimento de fundos, observada a legislação em vigor;

III - conceder diárias na forma das normas legais e regulamentos pertinentes, e

IV - requisitar, em objeto de serviço, passagens e transporte por qualquer via ou meio, de pessoas, cargas e bagagens.

Para garantir um melhor atendimento à população indígena, no dia 17 de outubro, o Ministério da Saúde, por meio da portaria No 1.908, revogou a autonomia de gestão orçamentária e financeira da SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e unidades subdelegadas, como DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas);

A medida tem o objetivo de estabelecer um novo fluxo e modelo administrativo para o setor, corrigindo, por exemplo, distorções de compra de produtos com variação acima de 1.000% e atendendo determinação judicial para adequar a assistência pelas atuais empresas conveniadas;

Para o dia 9 de novembro, foi convocado o Condisi (Conselhos Distritais de Saúde Indígena), quando será feita uma reunião com as lideranças indígenas para discutir melhorias da Saúde Indígena;

O Ministério da Saúde também reforçará a atuação dos DSEIs, observando que o concurso público para essas unidades já foi autorizado pela Portaria GM/MP no 270 de 19 de setembro de 2016."

Matéria atualizada às 23h20 de 24/10 para inclusão de declaração de Alberto Brazão sobre a revogação da portaria

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