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Tecnologia agrícola resgata Oeste baiano

OESP, Economia, p. B30
26 de Nov de 2011

Tecnologia agrícola resgata Oeste baiano
Município de São Desidério, que até os anos 1980 vivia da agricultura de subsistência, comemora recordes de produção de algodão, soja e milho na safra 2010/2011

Angela Lacerda

Maior produtor de algodão do País e maior produtor de grãos do Norte e Nordeste, São Desidério, município do oeste baiano, exporta 40% do algodão e 20% da soja que produz. Com 28 mil habitantes, segundo maior PIB agropecuário do País, o município, que até a década de 1980 vivia da agricultura de subsistência, abriga hoje 58 empresas do agronegócio com tecnologia avançada, e se orgulha de ter sido escolhido para a implantação da primeira termoelétrica da América Latina à base de queima de capim-elefante - energia verde. E prevê mais crescimento. Do seu vasto território de 1,48 milhão de hectares, tem 450 mil hectares plantados e acena com outro tanto disponível para abrigar mais cultivo de algodão, soja e milho.
São Desidério é um dos retratos da mudança promovida pelo agronegócio no cerrado baiano, que comemora, nesta safra 2010/2011, além de recordes de produção em algodão, soja e milho, o primeiro lugar no ranking brasileiro das melhores produtividades nas três culturas.
"No Nordeste, é o lugar para a produção de grãos", assegura um dos maiores produtores de soja e algodão do País, Walter Horita, do Grupo Horita, pioneiro no oeste baiano, onde se instalou em 1984, quando as terras da região ainda eram muito baratas e a produtividade muito baixa. A pesquisa e o avanço tecnológico - bancados especialmente pela iniciativa privada - mudaram essa realidade, mas, segundo Walter, a região tem uma especificidade de suma importância quando aliada à boa qualidade da terra e ao avanço tecnológico: o clima propício.
Presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), que reúne 1,3 mil produtores e representa 95% da força de produção em 1,8 milhão de hectares plantados no cerrado baiano, Walter Horita, 48 anos, lembra que a sua primeira safra - de soja - quando deixou o Paraná, há 27 anos, lhe rendeu 13 sacas (de 60 quilos) por hectare, numa área plantada de 137 hectares. Hoje a média do oeste baiano é de 56 sacas por hectares (a mais alta no Brasil até o momento), com produtores chegando a alcançar até 80 sacas por hectare.
O grupo Horita está seguro de ter feito a escolha certa quando decidiu apostar suas fichas na região. Atualmente com seis fazendas - três em São Desidério, onde começou, e outras três nos municípios vizinhos de Correntina, Luiz Eduardo Magalhães e Formosa do Rio Preto -, o grupo cultivou, na safra 2010/2011, 13 mil hectares de soja, 25 mil hectares de algodão e 8 mil hectares de milho, num total de 46 mil hectares plantados. Para a próxima safra, a estimativa é de chegar aos 84 mil hectares - 46 mil hectares de soja, 30 mil de algodão e 8 mil de milho. Em 2009/2010, foram 36 mil hectares.
"Estamos sempre expandindo", afirma Horita. Segundo ele, por meio da Aiba os produtores conquistaram melhores condições para produzir e crescer com base em um modelo próprio de tecnologia e pesquisa - com ênfase na melhoria genética e do solo.
A SLC Agrícola, que está no ranking dos principais produtores de grãos e de algodão do País, com 226 mil hectares plantados no cerrado brasileiro - Mato Grosso, Maranhão, Piauí e Bahia -, aportou no oeste baiano em 2006. Ali, numa área de 52.190 hectares distribuídos em três fazendas, já comemora os índices de produtividade. Na atual safra registrou uma produção de 300 arrobas de algodão por hectare no oeste baiano ante 260 a 270 arrobas por hectare nas propriedades de Mato Grosso.
A empresa, que atende a clientes como a Bunge, Cargill e ADM, foi das primeiras a investir na área de cerrado, iniciando seus negócios em Mato Grosso, há cerca de 30 anos. Sua filosofia é manter as culturas nos diferentes cerrados brasileiros a fim de mitigar o risco climático. "Este ano a safra foi excelente no oeste baiano e não tão boa em Mato Grosso, mas, na média, conseguimos atingir os objetivos", observou o gerente de relações com investidores, Frederico Logmann.
Primeira empresa a abrir seu capital na Bolsa de Valores - em 2007 -, a SLC tem planos de expansão no cerrado baiano, que hoje representa 20% da sua produção total. Mesmo com a valorização crescente das terras na região, Logmann assegura que ainda há oportunidades e, dentro da estratégia da empresa, o foco é adquirir uma área bruta de cerrado nativo. Segundo ele, serão cerca de dois a três anos para abrir, limpar e corrigir o solo, mas o retorno certamente será compensador.
Modelo a ser seguido
Empresa brasileira com participação de capital estrangeiro, a Agrifirma, criada em 2008, trouxe um novo ar ao oeste baiano, com a adoção de práticas de integral respeito ao meio ambiente, à sustentabilidade e às pessoas. "Sustentabilidade com governança, esta é a receita para o futuro", prega o diretor de operações, Rodrigo Rodrigues, ao citar o conceito de trabalho da Agrifirma, baseado em três Ps: produtividade, pessoas e planeta.
"Se uma empresa faz bem feita essa lição e tem governança corporativa, no futuro vai poder atrair mais sócios, democratizando o acesso à terra", destaca. Com 69 mil hectares em Luiz Eduardo Magalhães, dos quais 17 mil cultivados com café, algodão, soja e milho, a Agrifirma tem 200 investidores "de todos os tamanhos", adota transparência acompanhada por organizações não governamentais - como a Aliança da Terra e TNC (The Nature Conservancy) - e não tem nenhum passivo ambiental.
Também tem reconhecimento de adesão ao cumprimento de leis trabalhistas e treina não somente colaboradores, mas moradores das comunidades das suas fazendas, o que faz a empresa ser citada como exemplo e modelo a ser seguido por quem tem visão de mundo.
Perfil
Região consolidada no agronegócio nacional, o oeste baiano foi tema de reportagem do jornal de negócios inglês Financial Times, que destacou a introdução da prática da boa gestão empresarial na atividade da região, que é favorecida pela logística e conta com chuvas adequadas.
A área responde hoje por cerca de 30% da produção do algodão brasileiro, assim como 5% da soja e 3% do milho no País. No Estado da Bahia, estes porcentuais sobem respectivamente para 98%, 100% e 70% das culturas. Na exportação, destacam-se Luiz Eduardo Magalhães - onde se desenvolve um parque industrial -, Barreiras, Correntina e São Desidério.
A região representa cerca de um terço do Produto Interno Bruto e do emprego baianos, e na safra 2010/2011 a receita gerada pela atividade agrícola da região chegou a R$ 6,3 bilhões.

MIGRANTES SULISTAS CONTROLAM REGIÃO

Distrito de São Desidério, Roda Velha concentra as atividades do agronegócio no município. Às margens da BR-020, via de escoamento da produção, placas indicam algumas das empresas presentes na região: Bunge Alimentos, Algopar, Kobra, Cargill, Busato, Horita, Cooproeste. Em época de seca, a poeira cobre os plásticos que protegem o algodão recentemente colhido à espera de transporte, ao longo da rodovia.
A moeda local de negócio é a soja e o sotaque do distrito é predominantemente sulista. Agricultores, comerciantes e famílias que deixaram o Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e São Paulo em busca de melhor condição de vida no cerrado baiano habitam o local.
Há 14 anos, o comerciante Jacó Follman, de 55 anos, trocou Quatro Pontes, no Paraná, por São Desidério. Sete dos 11 irmãos estão na região. O primeiro a chegar foi José Inácio, o Juca. Jacó tem uma imobiliária. "Há 10 anos, se comprava uma área bem localizada, perto da BR-020, por 150 sacas de soja o hectare", conta. "Agora, só se pagar de 350 a 400 sacas."
A tendência crescente de valorização é equivalente à tendência de redução das pequenas áreas - de até 500 hectares. "Os grandes estão comprando os pequenos e dominando a região", diz Jacó, que também registra a retração do interesse dos investidores estrangeiros. "Até 2008 era grande a procura dos estrangeiros, desde então a demanda é do Brasil mesmo."
Já os lotes urbanos e casas têm atraído, segundo ele, quem vem morar e trabalhar nas indústrias de beneficiamento do algodão. A crença dos que chegam a Roda Velha é de que o distrito vai se emancipar e se tornar município, com possibilidade de mais desenvolvimento. "Não se pode criar expectativa falsa, mas nossa região ainda vai ser muito procurada pelo País e pelo mundo inteiro", entusiasma-se Jacó.
"Quando a gente chegou aqui, há 20 anos, não tinha nada, só mato" relata Marilei, esposa de José Inácio, o dono do Supermercado do Juca. "Somos parte dos desbravadores que vieram com a cara e a coragem."
Os Follman integram a segunda leva dos "gaúchos", rótulo que ganharam os agricultores sulistas que começaram a chegar a São Desidério na década de 1980, quando as terras do local e de toda a região eram consideradas imprestáveis e a economia local se tinha base na agricultura de subsistência.
Ninguém se arrependeu da empreitada e todos esperam acompanhar o futuro promissor da região. "Está valendo a pena", garante Jair Afonso Moreira Leite, 42 anos, casado, três filhos, dono de uma pizzaria. Natural de Santa Catarina, região de Juaçaba, ele veio acompanhando o sogro que comprou uma fazenda de dois mil hectares em São Desidério e planta algodão, milho e soja.
José Ílton da Silva, deixou Curitiba há nove anos, empolgado com a experiência de amigos agricultores, da família Bolonhini, que deixaram o frio do Paraná para plantar no cerrado baiano. Presidente da Igreja Católica e diretor da Associação de Moradores Três Fronteiras, ele é dono do pequeno hotel do distrito. Quando precisam de serviço médico ou de uma compra mais elaborada, os moradores recorrem a Luiz Eduardo Magalhães, mais próximo de Roda Velha que a sede de São Desidério.

Agricultores aprendem a fazer artesanato, mas produtos não têm saída

Em Vila Nova Conceição, a 47 quilômetros de estrada de barro da sede de São Desidério, mais de 60 famílias deixaram seus casebres há seis anos para ocupar casas de alvenaria, com água e luz. Ali foram construídas uma escola, uma quadra de esportes e um galpão, para atividades que vão de missa a festa e curso de artesanato. Um posto de saúde, que terá a visita mensal de um médico e a presença diária de uma enfermeira, está para ser inaugurado. Três orelhões atendem à comunidade.
As famílias têm três hectares para plantio de lavoura de subsistência e receberam assessoria de técnicos agrícolas. Cassimiro Pereira de Souza, 59 anos, casado e com 12 filhos, reconhece as melhorias, mas está insatisfeito.
Junto com outros 40 moradores, o agricultor fez um curso de artesanato, incentivado pela prefeitura. Aprendeu a fazer brincos, porta-panelas e chaveiros com o coco de babaçu. O município doou máquinas, mas, segundo ele, está difícil manter o negócio. "A prefeitura disse que era para a gente aprender a andar com as próprias pernas e tocar o artesanato como mais uma fonte de renda, mas o nosso produto não tem saída."

OESP, 26/11/2011, Economia, p. B30

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