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Sustentabilidade controversa

CB, Política, p. 5
08 de Fev de 2010

Sustentabilidade controversa
Ambientalistas e ruralistas na Câmara tentam conciliar produção e preservação na finalização do texto do Código Florestal

Juliana Cipriani

Pela primeira vez em 45 anos, o Código Florestal Brasileiro tem uma chance concreta de ser reformulado. Depois de um longo trabalho para superar o radicalismo de ambientalistas e ruralistas, os deputados federais estão tentando formular uma proposta intermediária que ponha fim de vez ao embate. O motivo é simples. A legislação atual caducou e não tem servido ao chamado desenvolvimento sustentável, ou seja, como conciliar preservação do meio ambiente com crescimento econômico e geração de renda e emprego.

Uma das principais mudanças, neste sentido, deve ser a regionalização das normas ambientais, fazendo valer as especificidades locais. Tema em evidência, o desenvolvimento sustentável consiste em conciliar os meios produtivos com a preservação dos recursos naturais. Pelo menos esse é o discurso atual de ambientalistas e ruralistas no trabalho de formatar uma proposta que avance em pelo menos seis pontos e, de certo modo, flexibilize o texto rígido, conforme ficou constatado em duas audiências públicas realizadas na semana passada em Belo Horizonte e Uberaba, no Triângulo Mineiro, pela comissão especial da Câmara dos Deputados que já passou por outros 10 estados e o Distrito Federal.

A mudança na legislação se tornou urgente depois de um decreto presidencial passar a sujeitar seu descumprimento a multas de até R$ 500 por dia. Os parlamentares pretendem fazer valer a determinação da Constituição de que as normas devem ser definidas pela União e pelos estados. Conforme vem sendo discutido na comissão especial, a legislação federal traria normas e conceitos gerais e caberia às assembleias legislativas definições mais técnicas, como as dimensões das áreas consideradas de proteção ambiental. Outra mudança seria no conceito de reserva legal, hoje feito no percentual de 20% do tamanho da propriedade. Os parlamentares articulam retirar a propriedade como parâmetro e estabelecer áreas preservadas dentro dos biomas.

As chamadas áreas de preservação permanente (APPs) são outro foco. Nelas deve ser mantida a vegetação original. O atual Código Florestal obriga a preservação de no mínimo 30 metros ao longo de cursos d'água, de 50 metros de raio ao longo de nascentes e da terça parte superior do topo de morro. A ideia dos parlamentares é tratar apenas da conceituação e estabelecer mínimos e máximos, de modo que fique para os estados a definição final do que deve ser preservado.

Para o relator do projeto na comissão, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o conflito entre ambientalistas e ruralistas é artificial. "Essa ideia serve a interesses de corporação e não do país, que espera da legislação a preocupação com o meio ambiente e com a produção", disse. Segundo Rebelo, desta vez as chances de o código ser votado são maiores pelo fato de haver disposição de incluir todos os envolvidos na discussão. "Ficamos 11 anos para votar uma lei de biossegurança e conseguimos", disse.

Equilíbrio
O presidente da comissão, deputado Moacir Micheletto (PMDB), prega o equilíbrio na nova legislação. "O código atual está arcaico(1) e não condiz com a realidade", disse. O deputado federal Paulo Piau (PMDB-MG), mais ligado ao setor produtivo, rejeita a pecha de ruralista. "Essa é uma briga improdutiva para o país, me considero dos dois lados. A Constituição prevê um meio ambiente saudável, mas também alimento para todos."

O colega de bancada Carlos Melles (DEM) também não quer ser chamado de ambientalista e está afinado com as preocupações de Piau. Ele considera fundamental a descentralização das normas levando em conta o aspecto federativo do país. "A União tem que ter uma definição macro do que tem de ser reserva permanente, com limite mínimo e máximo. O resto fica para estados", disse.

Vista grossa
Professor do Departamento de Engenharia Florestal e Legislação Ambiental da Universidade Federal de Viçosa, Sebastião Renato Valverde considera a legislação atual impraticável. Segundo ele, por ser anterior à própria Constituição de 1988, a norma não é adequada. "Se for cumprir essa lei, ou saem todos do meio rural e vira tudo floresta ou se faz vista grossa. Existe um conflito e pensamentos exagerados de que o meio ambiente está muito degradado", afirma.

Para saber mais

Os principais pontos da nova legislação

Área de Preservação Permanente (APP)
Destina-se à preservação da vegetação nativa. Hoje é preciso conservar 30 metros de largura ao longo dos cursos d'água e 50 metros de raio ao longo de nascentes. A proposta é fixar o mínimo e o máximo e deixar outras definições para os estados.

Reserva legal
Área onde a vegetação original deve ser conservada. O limite hoje é de 20%. A proposta é definir a área sem a delimitar pelo conceito de propriedade.

Zoneamento ecológico-econômico
União e estados fazem um estudo localizando biomas e áreas que têm importância ecológica e o que pode ser liberado para produção. Na nova lei, os municípios também fariam o zoneamento.

Pagamento do serviço ambiental
Ideia é criar um fundo para conceder incentivos aos produtores rurais que adotarem medidas para preservar o meio ambiente.

CB, 08/02/2010, Política, p. 5

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