VOLTAR

Surto de catapora entre índios no Pará: quem vai segurar o rescaldo da crise?

ISA
Autor: Valéria Macedo
09 de Nov de 2000

Com o saldo de cinco mortes e centenas de índios contaminados, a epidemia parece estar controlada, contudo, resta a expectativa quanto à apuração das responsabilidades e às providências para a erradicação definitiva da doença.

"A fase difícil já passou e a situação agora está sob controle". Este foi o diagnóstico de Benigno Marques, administrador da Funai em Altamira e ex-chefe de posto na Terra Indígena Araweté do Igarapé Ipixuna, no sudoeste do Pará, onde habitam cerca de 280 índios, dos quais pelo menos 218 foram acometidos pelo surto de varicela - doença de origem virótica popularmente conhecida como catapora - nos últimos 20 dias, segundo dados da Funasa (Fundação Nacional da Saúde). A doença provocou a morte de um recém-nascido e quatro adultos, causando ainda a internação de 22 Araweté.

A situação, contudo, ainda está longe de ser resolvida. Restam cinco membros desse povo internados no hospital municipal e cerca de 30 na Casa do Índio de Altamira. De acordo com Benigno Marques, a catapora também alastrou-se em outras aldeias da região (Bacajá, Asurini do Koatinemo e Arara). No momento, em Ipixuna, cerca de 25 índios ainda estão contaminados pela doença.

Ontem, uma equipe de sanitaristas do Instituto Evandro Chagas, de Belém, colheu amostras de sangue de índios no local, vacinou os não contaminados e aplicou medicamento para aumentar a resistência dos doentes. Além disso, há uma equipe de dois médicos e alguns para-médicos da Secretaria Municipal de Saúde prestando assistência no local.

A Funasa comprometeu-se a vacinar todos os membros das 12 aldeias da região até, no máximo, a próxima terça-feira. Além disso, todo os Araweté receberam doses de imunoglobulina, substância que contém o anticorpo da catapora e impede sua manifestação.

Apurando responsabilidades

Para apurar as mortes dos cinco índios, será aberto um inquérito policial e outro administrativo. O diretor da Funasa, Ubiratã Pedrosa, esteve ontem em Altamira, onde se reuniu com dois Procuradores da República e assumiu a responsabilidade pelo ocorrido. Segundo testemunhou Tarcísio Feitosa da Silva, do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), o chefe do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) local não teve a mesma postura e entrou em atrito com os Procuradores, que também prometeram apurar a aplicação dos recursos concedidos pela Funasa no convênio com a Prefeitura.

De acordo com Benigno Marques, o impacto do surto de catapora nos Araweté foi mais drástico pela ineficiência do convênio da Funasa com a Prefeitura de Altamira, que contratou profissionais sem experiência, os quais permitiram que índios doentes retornassem às comunidades e contaminassem os demais. De acordo com Tarcísio Feitosa da Silva, a epidemia teve início em julho passado, quando um Araweté teve catapora e retornou ao Ipixuna levando a doença.

No caso dos Araweté, diz Benigno, há o agravante de que eles sempre tiveram "baixa resistência", desde o tempo dos primeiros contatos, quando boa parte morreu contaminada por uma epidemia de conjuntivite. O funcionário da Funai também rejeitou todas as justificativas para o surto dadas pelos representantes locais da Funasa, como subnutrição pelo final da estação seca, falta de higiene e número de pessoas por residência coletiva.

Na mesma direção, Tarcísio Feitosa aponta a má aplicação dos recursos do convênio da Funasa pela Prefeitura, dando exemplos como a compra de gabinetes dentários que ficam na cidade, enquanto na aldeia o dentista trata os Araweté em um banquinho; disse ainda que as instalações do posto de saúde no Ipixuna, construído com verba do convênio, são absolutamente inapropriadas, de modo que "não dá nem pra atar uma rede!".

Na avaliação de Beto Ricardo, antropólogo e pesquisador do ISA que esteve com os Araweté no início da década de 90, de agora em diante, espera-se que, além de apurar as responsabilidades, o Ministério Público Federal garanta a erradicação da doença na região. Em razão dos poucos recursos que sobraram do convênio com a prefeitura nesse final de exercício, é preciso garantir a liberação de verbas públicas extras para instalar um posto de saúde adequado no Ipixuna e assegurar uma equipe médica especializada de plantão em Altamira, com plenas condições de se deslocar para as aldeias, caso haja novos casos da doença, até o final do surto. "Com a aparente melhora da situação, resta o perigo de que os Procuradores e sanitaristas retornem à Brasília e à Belém, deixando os índios apenas com os médicos do convênio", alega Ricardo. O pior já passou, mas é preciso que o governo responsabilize-se pelo rescaldo da crise.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.