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Suposto intermediario da execucao de irma Dorothy se entrega a policia

OESP, Nacional, p.A4
20 de Fev de 2005

Suposto intermediário da execução de irmã Dorothy se entrega à polícia
Amair Freijoli da Cunha, capataz do fazendeiro suspeito de encomendar morte de missionária, nega participação no crime

ALTAMIRA Amair Freijoli da Cunha, o Tato, suspeito de ter contratado os pistoleiros que mataram a freira Dorothy Stang, entregou-se ontem à tarde à Polícia Civil do Pará. Ele é capataz do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, suspeito de ser o mandante do assassinato da missionária. Os supostos matadores da religiosa, que teriam sido contratados por Tato - Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Uilquelano de Souza Pinto, conhecido como Eduardo, continuam foragidos.
Ao se apresentar, acompanhado de um advogado, Tato recebeu voz de prisão e foi levado a depor. Ele negou qualquer participação no assassinato da freira e disse que fugiu, nos últimos dias, porque temia ser morto por um grupo de 20 colonos que, segundo lhe disseram, caminhavam armados de espingarda na direção de seu barraco, nas matas de Anapu, onde trabalha derrubando árvores.

"Não tenho nada a ver com esse crime, não tinha interesse na morte da freira", disse ele, explicando à polícia que foi informado da morte de irmã Dorothy pelo filho do agricultor Adalberto Xavier Leal, o Cabeludo, que também seria assassinado horas depois de Dorothy. Em seu depoimento inicial, Tato contou que fugiu a pé pela mata até chegar à localidade de Belo Monte, a 80 quilômetros de Anapu. A polícia estranhou que, apesar da alegada fuga por uma mata de formação densa, Tato se apresentou sem arranhões ou marcas na pele.

PRISÃO DECRETADA

Ele contou que, ao chegar a Belo Monte, na sexta-feira, procurou um amigo e pediu ajuda para contratar um advogado e se entregar à polícia. Não explicou, no entanto, como, depois de passar os últimos seis dias embrenhado na mata fechada e sem comunicação, teria sabido que era um dos suspeitos pela morte da freira ou que sua prisão tinha sido decretada.

Na noite anterior ao assassinato, Tato tinha participado, como ouvinte, de uma reunião coordenada pela freira assassinada, no Projeto de Desenvolvimento Social (PDS) Esperança, na área rural de Anapu. Ele relatou à polícia que irmã Dorothy insuflava os agricultores a lutar pelas terras. "Foi assim que ela conseguiu ampliar o projeto", afirmou. Contou ter comprado seu lote de Bida, mas ainda não conseguiu a documentação de propriedade porque o fazendeiro também não tinha documentação definitiva - e nem poderia ter, porque a área ocupada por ele pertence à União.

Em seu depoimento ele admitiu conhecer os dois suspeitos de terem efetuado os disparos, mas negou participação no assassinato. Segundo o diretor-geral da Polícia Civil do Pará, delegado Luís Fernandes Rocha, Tato já tinha sido denunciado várias vezes, nos últimos meses, por ameaças de morte a várias pessoas. "Temos certeza do seu envolvimento com o crime. Ele estava no local quando o crime ocorreu e tinha problemas com a freira", rebateu o delegado Rocha.

Anteontem à noite a polícia deteve o fazendeiro Sebastião Júnior, que vendeu um carro a Bida há algumas semanas e esteve na fazenda dele no dia do crime. Júnior negou ter ajudado o amigo e foi liberado. O advogado de Bida, Augusto Septinho, esteve ontem na delegacia e negocia com a polícia a apresentação de seu cliente.

Há mais de 20 anos, região é cenário de conflitos

RIO Conflitos entre proprietários de terras, posseiros, trabalhadores rurais e madeireiros. Fiscalização falha das atividades comerciais. Necessidade da criação de uma Justiça Agrária. Polícia mal estruturada para coibir a violência. Exploração predatória da floresta. Em 1982, era esse o quadro da extrema tensão social no Pará traçado em relatório da Secretaria de Segurança do Estado. O documento foi encaminhado ao Ministério da Justiça, no governo do general João Baptista Figueiredo, o último presidente do regime militar. Passados 23 anos, os mesmos fatores compõem o cenário de violência na disputa pela terra.
São citadas sete "situações mais comuns", entre elas "grupos sem escrúpulos procurando tomar conta de mais áreas e desumanamente alijar posseiros miseráveis e desassistidos". Por outro lado, fala de "fazendeiros, empresários ou proprietários abruptamente injustiçados pela ocupação de suas glebas sob ação de invasores e especuladores".

"Diante de quadro tão sombrio, é óbvio que os problemas seriam inevitáveis. Surge a imperiosa necessidade da presença de autoridades, sejam policiais, sejam judiciárias, visando a manter o equilíbrio social", diz o documento, que aponta a "necessidade de criação da Justiça Agrária", como forma de "diminuir as lutas oriundas das atividades agrárias e das relações que dela emergem".

O relatório da Secretaria de Segurança está entre centenas de documentos que fazem parte do acervo da antiga Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Justiça, guardado no Arquivo Nacional, no Rio. Diz que "destacamentos policiais precários e desequipados, Poder Judiciário sem condições de funcionamento e violências inomináveis formam o caldo de cultura para a realidade com que se defronta".

Os problemas fundiários do Pará, ressalta outro trecho, decorrem de "ação de grileiros e posseiros especuladores da invasão", da ocupação descontrolada da Amazônia, da falta de demarcação das terras indígenas e do furto de madeira, entre outras causas.

Em muitos aspectos, o diagnóstico de 1982 se aproxima da realidade atual. Em outros, porém, há uma grande distância. As autoridades policiais paraenses alertavam para a presença de partidos de esquerda nos movimentos sociais. "A tensão social oriunda dos litígios de terra no Pará é campo fértil para propagação de ideologia extremista, de possível aproveitamento por organizações subversivas, principalmente o PC do B." O relatório fala ainda em "minorias subversivas que nessas ocasiões são atuantes" e propõe a interação das polícias estaduais com a Polícia Federal "para identificar os responsáveis pela agitação no meio rural". Também exalta a criação da Delegacia de Ordem Social, um braço do temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops), "com policiais treinados para questões fundiárias".

OESP, 20/02/2005, Nacional, p.A4

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