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SP tem 51 quilombos, sendo que 34 deles aguardam regularização fundiária pelo estado e União

G1/SP - https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia
18 de Nov de 2018

SP tem 51 quilombos, sendo que 34 deles aguardam regularização fundiária pelo estado e União
Mais de 100 comunidades de remanescentes de quilombos estão em processo de certificação e buscam reconhecimento e políticas públicas que reduzam a desigualdade social causada por três séculos de escravidão.

Por Vivian Reis, G1 SP
18/11/2018 07h00 Atualizado há 5 dias

Nos últimos 20 anos, o governo do estado e a união reconheceram 51 comunidades como remanescentes de quilombos em São Paulo, de acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Dessas, 34 aguardam a titulação de terras. Nesta terça-feira, dia 20, é comemorado o Dia da Consciência.

Historicamente, os quilombos eram espaços de liberdade e resistência onde viviam comunidades de escravos fugitivos entre os séculos XVI e XIX. Cem anos depois da abolição da escravidão, a Constituição de 1988 criou a nomenclatura "comunidades remanescentes de quilombos".

Na prática, as comunidades negras que se autodeclaram remanescentes buscam do Incra e do Itesp reconhecimento e políticas públicas que reduzam a desigualdade social causada por três séculos de escravidão, segundo o professor Petrônio Domingues, Ph.D. em História pela Universidade de São Paulo (USP).

Em 1996, para o devido cumprimento da Constituição, o governo do estado, por meio da Secretaria da Justiça, começou a trabalhar no desenvolvimento de políticas agrária e fundiária para as comunidades remanescentes de quilombos em áreas públicas, segundo o Itesp.

"Imagina milhares de escravizados durante mais de 350 anos por um estado opressor, que em 1888 chega e diz: 'pode ir, não precisamos mais desse trabalho'. E aí essa população?" , diz Erivaldo Oliveira da Silva, presidente da Fundação Palmares
Desde então, 51 comunidades foram reconhecidas como quilombos em São Paulo, a maioria no Vale do Ribeira, segundo dados do Incra e do Itesp, que promovem este reconhecimento no estado, e mais de cem estão em processo de certificação.

Este reconhecimento permite que a comunidade conte com assistência técnica para a produção e comercialização, acesso a insumos, inclusão social, recuperação e educação ambiental, além de ter as estradas da região recuperadas, bem como os benefícios trazidos por outras obras. Nos últimos sete anos, o governo do estado gastou R$ 17 milhões para realizar todo este trabalho, segundo o Itesp.

Em São Paulo, o processo de titulação das terras, ou seja, de transferir a posse da terra habitada pelos quilombos do proprietário (que pode ser público ou particular) para a associação da comunidade, teve início em 2001 e, do total das 51 comunidades reconhecidas, 34 ainda esperam a conclusão deste processo.

Perfil dos quilombos
De acordo com o professor Petrônio Domingues, os quilombos eram comunidades habitadas por dezenas de pessoas, em que cada família tinha a sua cabana - a exceção foi o Quilombo de Palmares, que reuniu cerca de 20 mil pessoas, segundo estimativas dos historiadores.

"Nos séculos 17 e 18, essas comunidades viviam isoladas, em locais ermos, que serviamde esconderijos, como Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, e eram autossuficientes, plantando e criando alguns animais. No século 19, elas já não se escondiam e negociavam com comunidades adjacentes, inclusive com grandes proprietários de terras", explica o professor, acrescentando que a resistência dos quilombolas "contribuiu sobremaneira para o fim da escravidão".

Hoje, segundo o Itesp, entre os 51 quilombos de São Paulo, o único urbano é o Brotas, localizado em Itatiba, formado por 32 famílias. A maior delas em extensão é a comunidade Nhunguara, entre os municípios de Eldorado e Iporanga, que ocupa uma área de mais de 8 mil hectares, o equivalente a 8 mil campos de futebol, e a maior comunidade em quantidade de pessoas é a Ivaporunduva, na região de Eldorado, com cerca de 100 famílias.

Domingues explica que, no estado de São Paulo, houve registro de apenas um quilombo, localizado na região de São Vicente, além de redutos de negros, sem comprovação de que se tratavam de quilombos, como nas atuais regiões do Cambuci, Bixiga e Barra Funda.

As comunidades remanescentes do estado habitam atualmente as regiões de Bauru e Marília, Piracicaba, Itapetininga, Sorocaba e Jundiaí, Vale do Paraíba e, sobretudo, Santos.

Reconhecimento e titulação
De acordo com o Incra, o processo que vai da certificação e reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo até a titulação da terra em que habitam pelo governo envolve uma série de profissionais, relatórios e publicações dessas etapas nos diários oficiais do estado e da união.

A primeira etapa do processo é quando a comunidade se autodeclara remanescente e solicita esta certificação, que é feita pela Fundação Palmares, caso a comunidade esteja em área pública federal do Incra ou em área particular, e pelo Itesp, caso esteja em área pública estadual.

A comunidade passa por um estudo antropológico, que analisa a tradição cultural, o costume, a religiosidade e a árvore genealógica, além do histórico que aponte a marginalização, a exclusão e a discriminação que enfrenta.

Após o reconhecimento, tem início o processo que visa a emissão dos títulos de terra. Este processo é mais lento, pois é preciso entender a quem pertence o território, se à União ou ao estado, ou ainda se é particular para, em seguida, repassar o título para a associação que vive no local.

A comunidade Cambury, por exemplo, já certificada pelo Incra, possui malha fundiária complexa, com a sobreposição das serras da Bocaina e do Mar, territórios que passam por diferentes estados. Há também casos como a comunidade Cafundó, em Salto de Pirapora, cujo reconhecimento foi realizado pelo Itesp, mas o Incra é que regularizou a área.

Importância
Em todo o Brasil, a Fundação Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cultura que realiza a primeira etapa do processo, que é o reconhecimento, já certificou 1.200 comunidades quilombolas e tem mais de 2 mil solicitações em fase de estudos.

O professor Erivaldo Oliveira da Silva, presidente da Fundação Palmares, explica a importância do reconhecimento e da regularização fundiária para as comunidades remanescentes de quilombos.

"Imagina você trabalhar 10 anos em um lugar e não te pagarem nenhum dos seus direitos. Parece ruim? Agora imagina não só um trabalhador, mas milhares de escravizados durante mais de 350 anos por um estado opressor, que em 1888 chega e diz: 'pode ir, não precisamos mais desse trabalho'. E aí essa população? Como ela recomeça sua vida? ", questiona.

Revista de Sábado visita o Quilombo Cafundó

O presidente da Palmares acrescenta que uma série de medidas conjuntas são capazes de proporcionar a igualdade de oportunidades entre os negros e os brancos, além do reconhecimento das comunidades, como o investimento na educação pública, que "tinha mais qualidade nas décadas de 1960, 1970 e 1980".

"Muitos desavisados dirão: 'eu não escravizei ninguém! '. Realmente: foi o Estado que escravizou. E todo este trabalho que fazemos é uma tentativa de reparação, assim como as cotas. Se aqui isto ainda está começando, nos EUA, por exemplo, já fizeram há mais tempo - Barack Obama é fruto de cotas. E ninguém as quer para sempre. É pelo tempo necessário até que as oportunidades estejam igualadas", afirma Silva, acrescentando que dos 24 ministérios, 11 têm recorte racial.

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