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Sônia Guajajara, especialista em educação: 'Quando lutamos por terra, cuidamos de todo mundo'

O Globo - http://oglobo.globo.com
25 de Abr de 2016

"Sou da terra indígena Arariboia, do município de Amarante no Maranhão. Saí de casa com 10 anos para estudar, porque na minha aldeia só tinha até a quarta série. Tenho três filhos, moro na cidade de Imperatriz e viajo pelo mundo. Por causa do movimento indígena já conheci 22 países."

Conte algo que não sei.

No Brasil, a diversidade de povos indígenas é muito grande. Temos 305 povos diferentes que falam 274 línguas, o que já é um número muito reduzido em relação ao que havia em 1500. Só na Amazônia há mais de 60 povos, e pelo país, cerca de 80, que vivem isolados, nunca fizeram contato com a sociedade. Mesmo sendo os povos originários do país, a sociedade ainda nos desconhece. Somos invisíveis.

E como lidar com tanta diversidade?

É uma dificuldade por conta das diferenças e distâncias, mas conseguimos encontrar os pontos comuns. Como a garantia dos territórios, nossa maior bandeira de luta. A partir dela, buscamos o cumprimento e a efetivação dos direitos conquistados.Isso faz que todo mundo se junte.

Como é ser uma líder indígena mulher?

Estamos sempre buscando avanços que vêm de fora. Muitas culturas indígenas não permitem a participação da mulher, por isso é positivo uma figura feminina na coordenação do movimento nacional. Ainda falta muito para mulheres indígenas ocuparem espaços políticos de discussão e cargos públicos.

Como é a coexistência do novo e da tradição?

Se por um lado é preciso estudar e se preparar para ajudar nosso povo, por outro muita gente pensa que índio é o que fica lá na aldeia, pelado, pintado e que usa pena. Hoje, embora reduzidos, queremos manter e fortalecer nossa identidade. Isso não impede de adquirir conhecimentos. Não adianta só o conhecimento tradicional, porque eu não seria respeitada, as pessoas querem saber de diploma. Mas também não basta só o diploma. Juntar os conhecimentos nos fortalece.

Que tipo de educação os povos indígenas precisam?

Uma escola de qualidade que respeite o conhecimento tradicional. Se traz só o conhecimento externo ensina o indígena a deixar de ser o que é. Uma grande luta é que o Estado mantenha escolas bilíngues, temos que falar e entender o português, mas manter a língua materna. A educação deve tanto fortalecer a cultura quanto preparar para a vida. Para enfrentar o Estado brasileiro e a sociedade como um todo, precisamos conhecer a legislação. E para participar dos espaços de poder e decisão e fazer o debate político de igual para igual, precisamos entender. A educação deve ensinar esse conhecimento, sem deixar de fortalecer nossa identidade.

Como a extração de madeira e expansão da agricultura em direção a Amazônia afetam as populações indígenas?

É uma pressão diária. Poucas pessoas entendem a relação do indígena com a terra. Não veem que, para garantir a cultura, a gente precisa dessa terra. Não um lote ou uma fazenda, mas o conjunto do que ela é. A cultura indígena depende do sol, da água, da terra, do ar, do vento... É a partir dos elementos da natureza que temos nossas inspirações e sabedorias. Tudo que vem com o desenvolvimento é uma ameaça. Não é que sejamos contra, mas queremos que aconteça respeitando os nossos direitos, e isso dificilmente acontece. Com o desmatamento, acontecem conflitos e nem dentro da nossa terra temos mais liberdade. Os grandes empreendimentos e o agronegócio estão ditando as regras e passando por cima de qualquer direito em nome de um progresso que ninguém sabe onde vai dar. Só preservando conseguimos manter o equilíbrio da natureza. Quando lutamos por terra, estamos cuidando de todo mundo. E isso as pessoas não sabem.

http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/sonia-guajajar…

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