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Sob pressão, Flamarion admite deixar PT

OESP, Nacional
05 de Dez de 2003

Sob pressão, Flamarion admite deixar PT
Governador de Roraima diz não querer criar problemas para a direção do partido

Edson Luiz e Vera Rosa

Três horas depois de saber que deputados da chamada "esquerda" petista estão pedindo o seu afastamento do partido, o governador de Roraima, Flamarion Portela, admitiu que se sente desconfortável diante da pressão e, por isso, pode deixar o PT. "Não quero criar transtornos para o PT", afirmou. "Não quero que a direção nacional tenha problemas em sua base parlamentar. Se isso acontecer, saio com tranqüilidade."
Flamarion disse que não pedirá para sair, mas entenderá se a cúpula tomar essa decisão. Abatido, o governador observou que o número de parlamentares que querem sua cabeça é "expressivo" e tem aumentado.
Na tarde de ontem, 13 deputados encaminharam petição à Executiva do PT solicitando que o partido afaste Flamarion, como "ação preventiva", até que sejam esclarecidos os fatos e definidas as responsabilidades. Outros ocuparam a tribuna para cobrar mais rigor da sigla.
"Claro que isso me incomoda. Sou um ser humano que tem sensibilidade, que tem vontade de acertar", argumentou. Acusado de envolvimento no "esquema de gafanhotos" - que abrigava funcionários fantasmas na folha salarial do governo de Roraima com o objetivo de desviar dinheiro público para políticos -, Flamarion continua negando sua participação na fraude.
Na Câmara, deputados de facções mais à esquerda no mosaico ideológico do PT duvidaram da versão apresentada pelo governador, que ontem conversou com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. "A saída de Flamarion do PT é uma medida sanitária", provocou o deputado Ivan Valente (SP), numa referência ao "esquema de gafanhotos". "Fico chocado com a punição de parlamentares do PT que vêm defendendo posições históricas enquanto um governador recém-chegado ao partido, com acusações gravíssimas, merece tolerância e amparo da cúpula", completou. Flamarion está filiado ao PT há apenas 8 meses.
Os radicais aproveitaram o episódio para lembrar que a reunião do Diretório Nacional do PT, marcada para os próximos dias 13 e 14, vai expulsar a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados Luciana Genro (RS), João Batista de Araújo (PA), o Babá, e João Fontes (SE), que votaram contra a reforma da Previdência.
"Esses deputados não estão preocupados em acabar com a corrupção em Roraima.
Eles aproveitam a crise no Estado para fazer luta interna no partido, lamentavelmente", reagiu o presidente do PT, José Genoino, que se reuniu com Flamarion na noite de quarta-feira. Irritado, Genoino foi mais longe. "Eu gostaria que esses parlamentares fossem para Roraima e acompanhassem as investigações, em vez de ficar criando factóides no Salão Verde do Congresso."
As reações às estocadas de Genoino não tardaram. "Ele está nos desrespeitando em nome da defesa exacerbada de um recém-filiado", atacou deputado Chico Alencar (PT-RJ), que, momentos antes, ocupara a tribuna da Câmara para dizer que a sociedade assistia "perplexa" ao desenrolar dos acontecimentos em Roraima.
"Isso não é prejulgamento nem linchamento público: é algo muito maior, que é a preservação da nossa legenda", discursou Alencar. Logo depois, lembrou que as ilações já começaram. "Há quem pergunte: será que essa estrelinha do PT está virando escudo?"
Comissão - Genoino destacou que a cúpula petista poderá criar uma comissão para investigar as denúncias que pesam contra o governador. "Nós não o defendemos nem o condenamos a priori", comentou. Ameaçada de expulsão, Luciana Genro disse que a situação em que se encontra ilustra o "new PT", "moldado" pelo governo. "Nos 15 minutos que terei para fazer minha defesa, vou explorar o contraste entre a decisão de nos expulsar e, ao mesmo tempo, fechar os olhos de forma escandalosa para as evidências contra Flamarion", afirmou. "Esse governador é que devia estar na Comissão de Ética".
Mesmo diante de depoimentos na Polícia Federal nos quais aparecem indícios de que sabia da folha gafanhoto, responsável por R$ 320 milhões em pagamentos para fantasmas, o governador insistiu no contrário. Num dos interrogatórios, a ex-chefe do Gabinete Civil Diva Silva Briglia admitiu que chegou a consultar Flamarion sobre uma lista de nomes enviados por um ex-deputado para ser incluída na folha. "No conheço o depoimento dela", desconversou. E concluiu: "Todos pedem uma oportunidade de emprego."

Governador sabia de folha paralela, diz ex-secretária
Uma contradição no depoimento à polícia de Diva Silva Briglia, ex-chefe de Gabinete Civil do governo de Roraima, complicou ainda mais a situação do governador do Estado, Flamarion Portela (PT). Ela procurou isentá-lo de qualquer responsabilidade nas fraudes. Mas, em certo momento, disse que Flamarion sabia da existência de uma folha de pagamentos paralela, na qual foram incluídas pessoas indicadas por um ex-deputado.
O depoimento de Diva foi um dos mais longos dados à PF nas investigações da Operação Praga do Egito, que desvendou o esquema de folha de pagamento fantasma de Roraima, que ficou conhecida como folha gafanhoto. Nas 10 horas de interrogatório, Diva contou como o esquema era feito, dizendo que muitas vezes atendia a pedidos de deputados, encaminhados pelo ex-governador Neudo Campos. Preso na Cadeia Pública de Boa Vista, Neudo se negou ontem a prestar seu primeiro depoimento. Ele afirmou que só falaria em juízo.
A ex-chefe do gabinete civil foi secretária de administração de Neudo e de Flamarion, quando este assumiu o poder com a desincompatibilização do governador, de quem era vice. Aos delegados da PF ela contou que não achava estranho o volume de procurações apresentadas por deputados. Funcionária antiga do Estado, Diva disse que isso era normal entre servidores que moravam no interior, que passavam procurações para receberem seus salários.
Num depoimento que isentava Flamarion, Diva caiu em contradição quando se referiu ao ex-deputado estadual Bernardino Alves Cirqueira, adversário de Neudo, que se aliou ao governador petista quando ele assumiu o governo. Ela disse que Cirqueira fez entre 20 e 30 indicações em maio de 2002, e que comunicou isso a Flamarion, que não se opôs às contratações fantasmas. Por ter tido aval do governador, a lista enviada pelo ex-deputado foi direcionada à própria Diva, que na época era secretária da Administração.
Para a PF, o depoimento poderá esclarecer outros fatos e incluir novas pessoas entre os investigados, como o deputado federal Luciano Castro. Conforme Diva, em 2001, ele entregou a ela uma lista de 70 pessoas para serem contratadas com salários em torno de R$ 500. (E.L.)

OESP, 05/12/2003, Nacional

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