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Sob Lula, saneamento passa por pior crise

FSP, Dinheiro, p.B9
06 de Mar de 2005

Indústrias fornecedoras de equipamentos para a área, prioritária para o PT, perdem 17% dos empregos
Sob Lula, saneamento passa por pior crise
Fernando Canzian
As indústrias de equipamentos para o setor de saneamento básico atravessam a sua pior crise em quase 30 anos de operação no Brasil, perpetuando uma situação na qual a metade do esgoto no país deixa de ser coletado e em que mais de 70% ficam sem tratamento.
Mesmo em Estados desenvolvidos como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, pouco mais de 10% da população tem hoje o esgoto coletado pelos prestadores de serviço regionais.
Enquanto o setor de máquinas como um todo cresceu 29% em 2004, o segmento de saneamento perdeu 17% de seus funcionários, fechou linhas de produção e desapareceu em algumas empresas.
Na multinacional francesa Alstom, por exemplo, os resultados na área de saneamento caíram de R$ 438 milhões em 2001 para R$ 28 milhões no ano passado.
A crise dos fabricantes é a ponta do iceberg de uma profusão de números oficiais de investimentos públicos que não se confirmam na prática.
Espelha ainda uma guerra em torno de um ambicioso projeto de lei para o setor que opõe governo, Estados e empresas privadas, retardando investimentos.
Já correndo o seu terceiro ano de mandato, o governo Lula ainda não enviou ao Congresso um projeto de lei que vem sendo discutido há anos para regularizar a área e acelerar investimentos.
A promessa agora é que ele seja enviado em abril. Mas, além de falta de consenso sobre questões técnicas, há trocas de pesadas acusações entre o Ministério das Cidades e as empresas estaduais que respondem pelo grosso do saneamento básico no país.
"Caixas-pretas"
O secretário nacional de Saneamento Ambiental, Abelardo de Oliveira Filho, considera as empresas estaduais "caixas-pretas". "Elas fazem o que querem. Têm, no geral, gestões ruins e são cabides de empregos onde muito dinheiro já foi parar no ralo."
Lucrativa e com os melhores níveis de atendimento no país, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) também não tem uma visão simpática do secretário.
"O Abelardo é inexperiente. É um ex-sindicalista da Bahia, com visão deformada e sem conhecimento profundo para manifestar suas posições sobre o setor", diz Paulo Massato, diretor da Sabesp.
Oliveira Filho foi diretor sindical na Bahia e empregado da Embasa (Empresa Baiana de Água e Saneamento) durante anos.
Nesse clima, os mais afetados são os fornecedores de equipamentos para a área e os empregos.
O setor de saneamento básico é, ao lado da construção civil, o de maior potencial na geração de empregos. Para cada R$ 10 milhões investidos na área, 530 vagas são geradas.
"Ao contrário de todas as expectativas com o atual governo, o setor foi minguando e hoje está extremamente deprimido", afirma Gilberto Chiarelli, da multinacional de origem alemã KSB. Fabricante de bombas hidráulicas, a KSB tinha no saneamento seu principal negócio há oito anos.
"É um fenômeno bem brasileiro, de mudanças bruscas. Tivemos de nos adaptar e migramos para setores como o álcool e a petroquímica", afirma Chiarelli.
Dinheiro não chega
Durante a campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu investir R$ 6 bilhões por ano em saneamento básico.
No ano passado, dos R$ 643 milhões empenhados no Orçamento Geral da União para a área (urbana e rural, contando todas as despesas), só 11,3% foram desembolsados. Os investimentos da União em saneamento caíram, nos dois primeiros anos de Lula, a 10% do que foi investido nos dois últimos anos da gestão FHC.
Os dados são do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) e foram compilados, a pedido da Folha, pela assessoria do deputado Augusto Carvalho (PPS-DF).
No novo corte de investimentos de R$ 15,9 bilhões anunciado pelo governo federal na semana passada para controlar o Orçamento, o Ministério das Cidades será, individualmente, o mais atingido.
Oliveira Filho diz que o baixo nível de desembolso de dinheiro do Orçamento ocorreu por "uma mudança na metodologia no controle das obras, que se tornou mais parcimoniosa e qualificada".
O secretário aponta como principal avanço no governo Lula o fechamento de vários contratos para o setor com dinheiro do FGTS administrado pela CEF (Caixa Econômica Federal).
Os valores contratados em 2003 e 2004 somaram R$ 3,4 bilhões. O liberado, R$ 349 milhões (10%).
Oliveira Filho afirma que o setor trabalha com prazos longos de maturação dos investimentos. Os R$ 3,4 bilhões do FGTS contratados, diz, serão desembolsados ao longo dos próximos quatro anos.
"Não vimos a cor desse dinheiro. O que chega é a base do conta-gotas", afirma Gilson Cassini, presidente do Sindesam, que reúne as indústrias de equipamentos para saneamento. Para ele, há um "desmantelamento" da área.
A Sabesp é uma das empresas que contrataram recursos do FGTS. Foram R$ 600 milhões, em 2003. "O desembolso foi próximo a zero. Em 2004, recebemos R$ 23 milhões para a região metropolitana de São Paulo", diz Massato.

Metade dos brasileiros não tem esgoto coletado
Quase a metade da população brasileira não conta com coleta de esgoto, o que leva a mais de 70% o total de pessoas que não têm seus resíduos sanitários tratados.
Embora 95% dos brasileiros tenham água encanada, o sistema como um todo perde 39,4% da sua receita com vazamentos em canos e tubulações que necessitam de novos investimentos.
Os dados, do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), com base nos números das empresas estaduais de saneamento, mostram a urgência de novos investimentos na área.
Empresas estaduais, companhias privadas e governo têm, no entanto, profundas divergências em relação a um projeto de lei que visa deslanchar o setor.
O secretário nacional de Saneamento Ambiental, Abelardo de Oliveira Filho, prevê para abril o encaminhamento do projeto ao Congresso. Como preâmbulo, ele afirma que hoje "as empresas estaduais fazem o que querem".
Isso explicaria, segundo ele, por que elas investem mais na rede de água do que na de esgoto e seu tratamento, que exigem investimentos muito maiores.
No centro do novo projeto para o setor estão os municípios, os clientes das empresas de saneamento. A idéia é dar mais poder a eles, estabelecendo contratos individuais, em conjunto com o governo federal, para exigir mais.
Para Ricardo Simões, diretor da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), como está, o projeto vai eliminar uma situação onde o consumidor de Belo Horizonte, por exemplo, pode subsidiar investimentos no Vale do Jequitinhonha, onde a população pobre não teria como pagar pela ampliação da rede.
Pressão financeira
Nos contratos individuais entre cidades e companhias estaduais, o governo pretende usar a força financeira (o dinheiro do FGTS e do Orçamento) para obrigar as empresas a alcançar "padrões".
Paulo Massato, da Sabesp, acha um "disparate" o governo querer centralizar a fiscalização de obras em milhares de municípios e "alijar" as empresas estaduais do processo decisório. "Só pode ser motivação política, já que o PT é fraco eleitoralmente nos Estados e forte nos municípios."
Newton de Lima Azevedo, vice-presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base), diz que o projeto de lei para o setor "está fadado ao fracasso". "No modelo proposto, os municípios deficitários e de baixa renda estão ferrados", diz Azevedo, prevendo que as empresas de saneamento resistirão a assumir contratos com eles.
O governo também conta com as PPPs (Parcerias Público-Privadas) como alternativa para mais investimentos. Os empresários do setor acham difícil, dada a complexidade e o valor dos investimentos necessários.
"Só entra via PPP se for doido, um russo que não entende nada do ramo", diz Fernando Pio, consultor da francesa Alstom. (FCZ)

FSP, 06/03/2005, p. B9

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