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Só executores condenados

O Globo, País, p. 3
05 de Abr de 2013

Só executores condenados
Júri absolve suposto mandante de assassinato de ambientalistas em região de conflito no Pará

EVANDRO CORRÊA
Especial para O GLOBO
opais@oglobo.com.br

Marabá (PA) Após dois dias de julgamento, o Tribunal do Júri, em Marabá, absolveu ontem José Rodrigues Moreira, apontado como mandante do assassinato do casal de ambientalistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo, em maio de 2011. Por maioria de votos, os sete jurados só condenaram os executores do duplo homicídio, Lindonjonson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento, a 42 anos e oito meses e a 45 anos de prisão, respectivamente. A decisão provocou revolta entre representantes de movimentos sociais que acompanharam o julgamento. A promotoria pública anunciou que recorrerá da sentença.
O júri ficou reunido por cerca de quatro horas, e a decisão foi proferida pelo juiz Murilo Lemos Simão. Assim que o magistrado anunciou a absolvição de José Rodrigues, lideranças e movimentos sociais iniciaram um grande protesto em frente ao fórum de Marabá. Gritando palavras de ordem como "justiça" e "punição para assassinos", agricultores atiraram pedras contra o prédio do fórum e em direção à tropa de choque da Polícia Militar do Pará.
Em seguida, os manifestantes fizeram novo protesto na Rodovia Transamazônica. Com cruzes feitas de madeira, com fitas pretas amarradas, o grupo chegou a bloquear um trecho da rodovia. A segurança se manteve reforçada na região durante toda a noite de ontem.
O casal de extrativistas foi executado em uma estrada na zona rural de Nova Ipixuna, após combater a ocupação irregular de área de assentamento. José Cláudio e Maria do Espírito Santo chegaram a denunciar que sofriam ameaças de fazendeiros e madeireiros da região. A Polícia Federal investigou o caso.
Outros agricultores sofreram ameaças após o assassinato e a Força Nacional de Segurança foi deslocada para Nova Ipixuna com o objetivo de proteger os agricultores. Dez pessoas tiveram que ser retiradas do local, entre elas cinco crianças.
anistia internacional ataca decisão do júri
Lindonjonson Rocha e Alberto Lopes cumprirão pena em regime fechado, e o tempo de prisão preventiva será abatido da pena. O juiz do caso já determinou a expedição do alvará de soltura de José Rodrigues Moreira, que saiu livre do fórum de Marabá. Os promotores Bruna Rebeca, Ana Maria Magalhães e Danyllo Pompeu anunciaram ontem mesmo que apresentarão recurso para anular o julgamento.
- Apenas parte da justiça foi feita aqui hoje. Nós só descansaremos quando condenarmos o mandante do crime - disse a promotora Ana Maria Magalhães.
Para advogado José Batista Afonso, da Comissão Pastoral da Terra, a absolvição de José Rodrigues representa a vitória da impunidade.
- Temos que dar um basta nesta onda de violência que assola o campo. Queremos justiça para um casal que foi morto porque defendia a floresta - disse Afonso.
Os advogados dos réus condenados também pretendem recorrer. Ontem, eles sustentaram que não há provas para a condenação.
Em nota, a Anistia Internacional também se pronunciou a respeito do julgamento e criticou a sentença. A entidade afirmou que "vê com preocupação" o resultado do julgamento, pela absolvição do suposto mandante das execuções.
"É importante a condenação dos executores, mas a ausência de condenação de um mandante mantém a impunidade do crime. Mais grave ainda é o fato da sentença desmoralizar o trabalho e a atuação das vítimas, que acabaram culpabilizadas pelo agravamento do conflito".
A entidade ainda criticou a impunidade de crimes cometidos contra defensores dos direitos humanos, que, segundo a entidade, "fortalece a ação daqueles que agem fora da lei e contra a preservação dos bens naturais".

CRESCE O NÚMERO DE MORTES EM CONFLITOS

O agravamento da disputa por terras no Brasil tem aumentado o número de mortos em conflitos agrários. Somente no ano passado, o total de líderes locais assassinados, entre sem-terra, indígenas, ambientalistas e pescadores, cresceu 10,3% em relação a 2011, subindo de 29 para 32 casos. Este ano, os registros de casos de violência no campo continuam.
No último dia 2, Fábio dos Santos Silva foi assassinado com 15 tiros no município de Iguaí, no Sudoeste baiano. O líder comunitário integrava a direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Ele foi morto na frente da mulher e da filha por dois pistoleiros. Os criminosos estavam em uma moto que interceptou o carro da família.
Fábio dos Santos Silva vinha sofrendo ameaças de morte desde o ano passado, quando foi preso por participar da ocupação da Fazenda Três Lajedos. A vítima era formada em Pedagogia e havia se especializado em Educação no campo. Silva disputou as eleições do ano passado, quando concorreu, pelo PT, a uma vaga de vereador, mas não foi eleito.
No dia 25 de janeiro deste ano, Cícero Guedes dos Santos, militante do MST, foi assassinado em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, região canavieira historicamente conhecida por graves conflitos de terra. O agricultor era um dos líderes do MST no assentamento nas terras da usina Cambayba, em Martins Lage, localidade no limite do município com a cidade de São João da Barra.
Cícero Guedes dos Santos foi morto com vários tiros na cabeça, e o seu corpo, encontrado numa estrada vicinal.
De acordo com o MST, a morte do agricultor estaria ligada à disputa por terras. Os sem-terra pedem a desapropriação de parte da usina Cambayba considerada improdutiva pelo Incra. Desde o ano 2000, o MST ocupa a área, e Cícero era um dos coordenadores da invasão ao local.
A maioria das mortes ocasionadas pela disputa de terras no Brasil ocorreu no Pará e em Rondônia, estados da Região Norte onde os conflitos por terras e as brigas em torno da exploração ilegal de madeira têm se intensificado nos últimos anos.
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que o Rio de Janeiro, onde a média de mortes era de uma por ano, contabilizou quatro no ano passado. O total é o maior patamar registrado desde 1999, quando foram assassinadas cinco pessoas.
De 2000 a 2012, os conflitos agrários provocaram 458 mortes. Em novembro, ocorreu o maior número de mortes no campo durante o ano passado. Ao todo, sete pessoas foram assassinadas, quase metade delas no Pará.
O estado, que costuma registrar o maior número de mortes em conflitos no campo, apresentou queda no total de assassinatos: de 12, em 2011, para seis, em 2012.
Já em Rondônia, a violência no campo aumentou: de dois, em 2011, para sete, no ano passado.

O Globo, 05/04/2013, País, p. 3

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