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Sindicalista espera por justica ha cinco anos

OESP, Nacional, p.A4
21 de Fev de 2005

Sindicalista espera por justiça há cinco anos
Também jurada de morte, viúva de líder sindical quer solução para execução do marido, ocorrida em 2000

RONDON DO PARÁ - "Se as coisas não mudarem, e já, vocês ainda vão voltar aqui para fazer reportagem sobre a minha morte." Dita de chofre, mal iniciada a entrevista, a previsão funesta da presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, Maria Joel Dias da Costa, dá bem uma medida do seu medo.
Aos 42 anos, Joelma, como todo mundo a chama, é uma das 35 pessoas ameaçadas de morte no Pará, segundo a última listagem da Comissão Pastoral da Terra de Marabá.

É a única que tem proteção do governo do Estado: a do soldado PM Manoel de Oliveira Sérvalo, 32 anos, há 11 na polícia. Ele acompanha a sindicalista de dia, paisano e o mais discretamente possível, para onde quer que ela vá. No sábado passado, chegou à casa dela às 8, e não desgrudou.

"Graças a Deus nunca aconteceu nada", disse, sem se deixar fotografar. Segundo Sérvalo, um outro soldado entraria na segurança a partir desta segunda-feira, fechando as 24 horas. Em Rondon do Pará, no sudeste paraense, 40 mil habitantes, a 532 quilômetros de Belém, dois outros diretores do sindicato estão na lista dos marcados para morrer: Cordiolino José de Andrade, o Ziu, e Geraldo Soares Fernandes. Eles não têm segurança policial.

O medo de Joelma é justificado. Ela foi casada, por 19 anos, com um outro freqüentador assíduo das listas de marcados de morrer, José Dutra da Costa, o Dezinho, duas vezes presidente do STR de Rondon, onde era a principal liderança do Partido dos Trabalhadores. Mataram-no, na porta de casa, a tiros, em 22 de novembro de 2000.

Joelma e os quatro filhos amargam duas dores: a da saudade, que o tempo vai cuidando de amenizar, e a da impunidade, que a demora da Justiça só faz aumentar. Até hoje, a caminho de completar cinco anos, o caso não foi resolvido, mesmo estando preso, desde o dia do crime, o pistoleiro Wellington Jesus Silva, que o matou e confessou.

Quem garantiu sua prisão, para aqui relembrar uma história singular de coragem, foi o próprio Dezinho. Lutando pela vida, atracou-se com o matador. Os dois caíram em um buraco. Dezinho, morto, por cima do pistoleiro. Atraídos pelo barulho dos três tiros, os vizinhos o prenderam. Um deles, Magno Fernandes do Nascimento, que segurou e amarrou o pistoleiro, e era, portanto, testemunha do crime, foi assassinado em 10 de setembro de 2002, caso ainda não esclarecido.

Foi Joelma quem abriu a porta da casa quando Wellington bateu, no comecinho da noite. "Queria falar urgente com Dezinho sobre um problema da aposentadoria de sua avó, no sindicato", conta a viúva. Mandou que ele entrasse e sentasse no sofá, enquanto mandava chamar o marido, nas vizinhanças. "Parecia mesmo um trabalhador precisado", diz. Wellington esperou um pouco, mas saiu para a rua. Dezinho vinha vindo e deu-se a desgraça.

SINDICATO DO CRIME

Sua militância, então, como diretor do sindicato e candidato não eleito a vereador de Rondon, era semelhante à que Joelma se dedica, desde agosto de 2002, quando assumiu a presidência do sindicato: denunciar meia dúzia de fazendeiros por um suposto "sindicato do crime organizado" e liderar invasões de terras que consideram improdutivas. No momento, quatro fazendas estão ocupadas, por 300 famílias.

"As ameaças freqüentes partem dos que se dizem donos da terra", diz Joelma. São telefonemas anônimos, carros de vidro escuro rondando sua casa, conversas ouvidas aqui e ali, avisos para que tome cuidado. "Com Dezinho e com o Ribamar também foi assim", diz Joelma. Ribamar Francisco dos Santos é o morto mais recente. Tesoureiro do sindicato e braço direito de Maria Joel, foi assassinado, na porta de sua casa, por pistoleiros de motocicleta, em 8 de fevereiro do ano passado. Para Joelma, outro "crime do latifúndio". O inquérito ainda não foi concluído.

Joelma conheceu Dezinho em Urbano Santos, no Maranhão, terra natal de ambos, filhos de lavradores com alguma terra. Casaram-se em 81. Dezinho foi auxiliar de topografia de empreiteira da Vale do Rio Doce, morando em São Luís, com casa modesta mas comprada. Em julho de 84, desempregado, e na trilha dos sogros, que já tinham ido, e gostado, mudou-se com a mulher e os dois filhos para Rondon do Pará.

Ligado ao trabalho da igreja engajada em movimentos sociais desde os tempos de Urbano Santos, Dezinho, que era do PDT, entrou no PT de Rondon, destacando-se como um dos líderes nesta região do Estado, onde ajudou nas campanhas que elegeram deputados estaduais e federais. Em 85 já estava no sindicato. Foi presidente por dois mandatos, de 93 a 96.

Joelma acompanhava, mais dona de casa. Assumiu a linha de frente dois anos depois da morte de Dezinho, "pra continuar a luta dele". O sindicato tem uma base de cinco mil associados, a maioria inadimplente, e orçamento mensal de R$ 5 mil. Joelma e outros diretores têm uma ajuda de custo de R$ 300 mensais - "quando sobra", segundo diz.

Está denunciado, como mandante da morte de Dezinho, o fazendeiro e empresário José Décio Barroso Nunes, o Delsão, que na ocasião chegou a ficar preso por 13 dias. Ele nega a participação no crime. O Estado tentou falar com o empresário na Madeireira Barroso, em Rondon, mas não o encontrou. Não houve o retorno telefônico solicitado à Associação dos Produtores Rurais. Joelma está pensando em pedir audiência ao presidente da República: "Vou dizer ao Lula que as providências têm de ser tomadas agora, enquanto nós estamos vivos, e não depois que matarem a Joelma e outros companheiros", diz.

OESP, 21/02/2005, Nacional, p.A4

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