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Sinal verde para hidrelétricas

O Globo, Economia, p. 21
10 de Jul de 2007

Sinal verde para hidrelétricas
Após 3 meses de pressão, Ibama concede licença para usinas do Madeira

Patrícia Duarte, Henrique Gomes Batista e Ramona Ordonez

Debaixo de muita pressão, inclusive do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por três meses, o Ibama anunciou ontem a concessão da licença prévia para a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, cujos investimentos somam cerca de R$ 20 bilhões. O documento traz 33 condições obrigatórias que os futuros empreendedores do projeto terão de cumprir, como a preservação de espécies de peixes, além do controle de sedimentos e dos níveis de mercúrio na água. Santo Antônio será a primeira a sair do papel. O edital, segundo o Ministério de Minas e Energia, deve sair em agosto, e o leilão foi prometido para outubro. A geração está prevista para começar em meados de 2012.

Tudo indica que houve uma articulação para garantir a liberação dos empreendimentos, tendo a greve dos funcionários do Ibama como aliada. Isso porque a elaboração final da licença, que consumiu cerca de quatro anos de discussão, não contou com os oito técnicos do Ibama que cuidavam do projeto e, recentemente, emitiram parecer contrário.

Os servidores estão em greve e, apesar disso, o presidente do órgão, Bazileu Margarido, afirmou que eles participaram das discussões nesse período, mas reconheceu que não da decisão final. Outros técnicos de dentro e de fora do Ibama, acrescentou, foram ouvidos.

- O Ibama levou o tempo necessário para fazer suas análises. Mesmo antes da greve (que dura três meses), dado o grau de complexidade do projeto, já procurávamos técnicos de fora - afirmou Margarido.

Empresários estão satisfeitos com ação
A usina de Santo Antônio tem potência instalada de 3.168 megawatts (MW). Segundo o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, a usina de Jirau tem capacidade para 3.326MW e deve ser leiloada em 2008, entrando em operação em 2013.

As obras são consideradas essenciais pelo governo e fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A concessão da licença prévia colocou em rota de colisão Marina Silva (Meio Ambiente) com diversos ministros, como Dilma Rousseff (Casa Civil), que cobravam rapidez na liberação dos empreendimentos, sob ameaças de que o desenvolvimento do país estaria sendo prejudicado por cuidados excessivos.

Até Lula chegou a cobrar uma solução do Ibama "para a questão dos peixes" e havia colocado maio como prazo.

Entre as condições do Ibama está a construção de caminhos alternativos para a migração dos peixes, ao lado das barragens. Esse ponto já estava previsto no estudo de impacto ambiental feito pelo consórcio Furnas e Odebrecht, mas o Ibama incluiu a criação de um centro de reprodução de peixes, para compensar possíveis acidentes ambientais.

Outra avaliação feita no estudo do consórcio, que serviu de base para a concessão da licença prévia, era que 14% dos sedimentos do Rio Madeira se depositariam com a construção, com risco ambiental. O Ibama, no entanto, adotou o estudo do especialista indiano Sultan Alam, que calculou em 1% o percentual - este parecer havia sido questionado pelos técnicos originais.

- Assim, criou-se uma condição bem melhor - afirmou o presidente do Ibama, acrescentando ainda que as usinas não trarão impactos ambientais para a Bolívia.

Segundo Hubner, as condicionantes não vão atrapalhar o apetite dos interessados na construção das usinas, seus custos e preços:
- Acreditamos que não altera em nada. Lembramos ainda que o Ibama fez um estudo muito minucioso, e que as usinas serão exemplos do uso do potencial hidrelétrico brasileiro.

A licença prévia, que atesta a viabilidade ambiental dos projetos, tem validade de dois anos. Nesse período, os vencedores dos leilões terão de preparar o projeto de execução das obras. Depois, o Ibama terá de conceder a licença de instalação, que dá o sinal verde para as obras começarem.

Em seguida, terá de ser concedida a licença de operação, que autoriza o funcionamento.

Empresários e especialistas se mostraram satisfeitos, mas apontaram uma série de questões que precisam ser superadas, tanto em relação ao projeto como em termos de legislação ambiental, de forma a garantir o aumento da oferta de energia após 2010. O vice-presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace), Eduardo Spalding, disse que agora é preciso garantir que o licenciamento não seja interrompido por decisões judiciais, e que é preciso acelerar o leilão:
-
Depois de vencidos os desafios das licenças ambientais e da realização do leilão, surge outro, que é o de conseguir reduzir os custos elevados do projeto. Mas a notícia é muito boa, pois reduz os riscos de apagão.

Na segunda-feira, O GLOBO mostrou que o risco de apagão em 2011 chega a 30%, superando o índice de 2001, época do racionamento. No fim de junho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou a retomada da construção da usina nuclear Angra 3, suspensa há 21 anos.

O presidente do Instituto Acende Brasil, que reúne os 15 maiores grupos privados investidores em energia do país, Cláudio Sales, ressaltou que o projeto não pode atrasar mais, sob o risco de agravar a situação de oferta de energia após 2012. Segundo ele, o governo precisa melhorar a legislação para evitar que as licenças demorem.

O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da UFRJ, Nivalde de Castro, destacou que o Brasil tem que aproveitar as oportunidades de projetos com fontes renováveis. Segundo ele, a maioria dos países da Europa depende 60% de energia importada:
- O Brasil está dando um passo importante para avançar na fronteira elétrica do país. Todo projeto energético tem impacto ambiental.

O do Madeira terá tecnologia que permite o menor impacto possível.

Os empresários dizem que precisam avaliar melhor as condições do Ibama. Dependendo da complexidade, pode haver maior atraso na conclusão das obras e riscos aos investidores. A opinião é do presidente da Associação de Infra-estrutura e das Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy:
- É um dos maiores projetos hidrelétricos do mundo, que será viabilizado por empresas, não por governos, em um ambiente regulado.
Colaborou Aguinaldo Novo

' Trabalhar e Esperar

Roberto Stuckert Filho

Há dois meses, eu e o repórter Evandro Éboli viajamos para Rondônia, para visitar os ribeirinhos que serão afetados pela construção das hidrelétricas do Rio Madeira. Em Vila de Santo Antônio e Cachoeira do Teotônio, deparamo-nos com populações desorientadas. O outro lado da esperada liberação do licenciamento é a insegurança das comunidades.

O medo está estampado na face dos pescadores. Eles relataram que receberam visitas de integrantes do consórcio que faz o estudo de impacto ambiental e foram perguntados sobre como vivem, onde são suas casas e quanto elas e os terrenos valem. Não receberam mais informações. Por isso, a maioria acredita que terá de abandonar sua casa e seu sustento, com uma indenização qualquer. O temor é básico: morrer de fome.

Apesar dessa convicção, poucos são os ribeirinhos que sabem o impacto das usinas sobre seu meio de subsistência. Enquanto a sobrevivência dos grandes bagres piramutaba e dourada provocava uma polêmica envolvendo ministros e o presidente da República, nas pequenas cidades a ameaça era praticamente ignorada.

Com tantas meias palavras, é fácil criar teses e arrebanhar adeptos. De um lado, comerciantes se animavam com as possibilidades de lucros, e sindicatos, aparentemente influenciados por Odebrecht e Furnas (que formam o consórcio), decantavam seus benefícios. De outro, ambientalistas questionavam as obras. Aos ribeirinhos resta, nas sábias palavras de um pescador, trabalhar e esperar.

O Globo, 10/07/2007, Economia, p. 21

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