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Setor esquecido no Amazonas

A Crítica, Cidades, p. C8
28 de Nov de 2003

Setor esquecido no Amazonas
Pesquisa revela que legislação ambiental é um entrave ao desenvolvimento da mineração e reflete no alto custo da construção civil

Gerson Severo Dantas

A reforma de um apartamento em Manaus custa mais caro do que em Ipanema, no Rio de janeiro, onde o morador está a quilômetros de distância de minas de areia, barro (argila) e calcário. Isso porque falta ao Governo uma política para a exploração sustentável das ricas reservas de minérios existentes no Estado. "A tabela de cobrança do ICMS para recursos minerais, muitas vezes, estabelece um preço que é maior do que o praticado pelo mercado", diz o geólogo Frederico Cruz, que apresentou tese de doutorado sobre o setor mineral no Amazonas, na Escola de Minas da Universidade de Paris.
Fred Cruz mostra no trabalho dele que a legislação ambiental é um entrave ao desenvolvimento da mineração e tem repercussão na vida .do cidadão comum de Manaus. Ele conta que devido a indefinição de competências para começar o negócio, o empresário precisa tirar duas licenças ambientais, uma na Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente (Sedema) e outra no Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). Cada licença custa em média, R$ 3 mil. "Isso reflete no preço final das casas que são construídas em nossa cidade", diz Fred, acrescentando que essa indefinição acaba empurrando o minerador para a clandestinidade.
Outro problema ligado ao meio ambiente é que o Código Mineral do Brasil não foi atualizado após a promulgação da Constituição de 1988.
Fred propõe no trabalho dele que a reforma contemple a entrega adequada da mina após o período de exploração. Ele explica que atualmente o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM) dá a licença de exploração, mas após um tempo determinado o minerador devolve o local a União. "Só que ele devolve cheio de buracos e com um passivo ambiental terrível, que demanda mais investimento do Estado.
0 código deve mudar e obrigar que após o período de exploração, o terreno seja devolvido com as devidas correções em face do dano ambiental proporcionado", defende Fred Cruz, citando como exemplo da falha atual as jazidas de argila, no Município de Iranduba (a 25 quilômetros de Manaus), e as de pedra, no entorno do igarapé do Tarumã. "Tanto num quanto em outro existem imensos buracos que agora caberá ao Estado tapar".
Funcionário do DNPM há 20 anos, o geólogo diz que o Congresso Nacional tem contribuído para a redução da atividade econômica do setor, uma vez que não regulariza a mineração em áreas indígenas. Com isso criou-se uma situação insólita, pois a Constituição Federal autoriza essa exploração, mas por falta de lei complementar a atividade, mesmo quando feita por indígenas, é ilegal.
"0 resultado é que hoje os porões do DNPM estão cheios de ametistas e tantalitas apreendidas pela Polícia Federal de quando estavam nas mãos de índios. Não é absurdo!", questiona o pesquisador, lembrando que a mineração seria uma boa fonte de renda para tribos de diversas partes do Amazonas.
Por uma nova política
0 geólogo Frederico Cruz avalia que o Governo Lula reduziu os investimentos na área de mineração e até agora não apresentou um plano estratégico que contemple o mapeamento das jazidas e o levantamento geológico das áreas onde estão concentrados os minérios. Fred Cruz lembra também que até hoje, os órgãos, empresas e pesquisadores da atividade mineradora ainda trabalham com dados obtidos pelo projeto Radam Brasil, que neste ano completou 33 anos de realização. "A União está ausente e está na hora do Estado entrar no negócio desenvolvendo uma política tributária e de incentivos fiscais", defende Fred em trabalho de doutoramento apresentado na Escola de Minas da Universidade de Paris.
A política estadual proposta por Fred Cruz, que é geólogo do Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM), está baseada na tributação justa da atividade e na concessão de incentivo. Ele lembra que atualmente a pesquisa, uma das etapas da atividade, e a recuperação ambiental são tributados. "Só para saber se um local tem minério o setor privado já tem de pagar ISS (Imposto Sobre Serviços). E um absurdo! Para recuperar a área degradada tem também de pagar imposto", exaspera-se Fred, para quem é inconcebível cobrar imposto de quem vem pesquisar um recurso natural. "Cobre-se o imposto devido quando a mina estiver produzindo. E justo. Mas cobrar antes, é inadmissível".
A atração de investimento, na avaliação de Fred Cruz, resolveria problemas antigos dos amazonenses. Ele lembra que a Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam) tem uma linha de crédito para quem quer comprar calcário, produto trazido de Pernambuco, São Paulo, Pará ou Rondônia, usado na produção do cal para a indústria da construção civil. Acontece que o Amazonas tem uma das cinco maiores reservas de calcário do Brasil, com 238 milhões de toneladas espalhadas pelos Municípios de Nhamundá, Maués e Urucará. Para explorar este potencial basta, conforme Fred Cruz, que o Estado garanta a energia elétrica e vias de escoamento da produção.
Fred Cruz defende também que não é impossível pensar num pólo de transformação de minérios a ser instalado no Distrito Industrial. 'Temos cristais de rocha tão bons quanto os usados no Vale do Silício (Califórnia-EUA) na produção de chips para computador. Temos jazidas de areias quartzocias que tomam viável a instalação de uma indústria de vidros", diz.
Por fim, Fred Cruz critica o programa Zona Franca Verde (ZFV), do governador Eduardo Braga, que não contempla o desenvolvimento da atividade mineradora em um Estado rico em, ao menos, 20 tipos de minérios. "0 ZFV poderia usar a mineração como um mecanismo de reversão do processo econômico da Zona Franca de Manaus, bastando para isso observar nossas particularidades ambientais e culturais", defende.
Fred Cruz defende que a exploração de um jazimento em área indígena não deve implicar na retirada dos índios do lugar.

Riqueza mal explorada
Para que servem os minérios
O Estado do Amazonas está sentado em cima de uma riqueza mineral que poderia torná-lo auto-suficiente em uma série de produtos que encarecem a vida do consumidor, além de poder faturar com a venda de matéria-prima para produtos de alta qualidade.
A mais visível destas riquezas é a água, que hoje já poderia estar sendo exportada para países andinos e do Caribe por meio da BR-174 ou uma hidrovia no rio Amazonas.
O calcário é outro mineral com grandes reservas no Estado e que tem uso estratégico na indústria da construção civil e no setor agropecuário. Industrializado, ele vira a cal usada na preparação de superfícies a serem pintadas. Serve ,também para corrigir a acidez do solo, preparando-o para o plantio. No setor primário também se destaca a ocorrência de gípsita, mineral existente em bacias de rio localizados nos Municípios de Maués, Nhamundá e Urucará. Da gipsita sai o gesso usado nas
forrações de teto dos imóveis. Esse mesmo gesso tem uso ortopédico, quando alguém quebra o braço, por exemplo. "Nada justifica, então, que tenhamos de trazer de outros Estados tanto o cal quanto o gesso", avalia o geólogo Fred Cruz. Também importante para a agricultura e com grande ocorrência no Amazonas é a silvinita (potássio). Ele está em quinto lugar no ranking dos minerais mais importados pelo Brasil, que gasta cerca de US$ 500 milhões/ano com a compra deste. No campo, a silvinita é usado como fertilizante do solo.
Em áreas onde a tecnologia de ponta é necessária, o uso de minérios também é estratégico. Para se fazer a ogiva de uma bomba nuclear ou a fuselagem de um jato é necessário o nióbio, mineral cujas reservas no Amazonas chegam a 81.9 milhões de toneladas. Na indústria de papel é usado o caulim, argila especial para branquear o papel feito com recursos vegetais. "A sociedade está cada vez mais dependente dos recursos mineras uma vez que cada criança que nasce vai precisar de cadernos, casas e uma série de produtos de origem mineral. Portanto, o descaso com este setor é um problema que vai afetar gerações", diz Fred Cruz.

A Crítica, 28/11/2003, Cidades, p. C8

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