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Sertão, uma outra história

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: SMITH, Roberto
15 de Jan de 2004

Sertão, uma outra história

Roberto Smith

No artigo "O sertão do abandono", publicado na Folha no último dia 4 (pág. A3), o professor Marco Antonio Villa fala da "grande seca de 2005, já prevista desde o final do século passado", para assinalar o que considera "o absoluto descaso do governo quanto às necessidades da região". Não gostaria de me deter em seus vaticínios catastrofistas. O articulista sabe bem que a seca sempre foi um argumento funcional à impregnação do poder das chamadas elites nordestinas, a serviço do clientelismo que produziu historicamente a miséria e o atraso.
Ao dizer que "o Banco do Nordeste do Brasil foi loteado no banquete da base política governista e mantém o mesmo perfil das últimas décadas: é um generoso caixa para atender às demandas dos oligarcas nordestinos", o professor comete pecado profissional de um historiador que despreza qualquer aderência aos fatos e dá vazão, na sua crítica leviana, à especulação imaginária e preconceituosa.
O Banco do Nordeste (BNB) encontrou a mesma situação com a qual o governo Lula deparou no país. E está empenhado num intenso processo de construção do desenvolvimento social e econômico regional, que tem por base o apoio à estruturação autônoma dos interesses legítimos existentes na sociedade e um tratamento ético e responsável aos fundos públicos, que passaram a ser recuperados e investidos de forma correta e consistente.
Considero a crítica um exercício de democracia e o debate, fundamento da cidadania. Entender o semi-árido a partir da seca é sintoma de recaimento na velha armadilha da argumentação dos coronéis e dos neocoronéis na captura das benesses do Estado. Tanto quanto considerar que todas as soluções da problemática do semi-árido nordestino repousam apenas na ação do governo, esquecendo-se do papel da sociedade na estruturação da sua base produtiva e na afirmação de seus direitos.
Um primeiro aspecto que nos tem servido de guia para a ação decorre do entendimento de que o Nordeste não é um capítulo à parte no tratamento dos problemas nacionais. O BNB está comprometido com o esforço de democratização e acesso ao crédito, com o programa de segurança alimentar, com o Bolsa-Família, com o apoio à agricultura familiar, com o Seguro-Safra, com a atração de investimentos para a região, enfim, com tudo que implica tanto o combate à exclusão social como a geração de empregos.
Sem perder a dimensão histórica dos fatos, convém lembrar que são 502 anos de clientelismo que estão sendo superados. O BNB está presente nos 1.983 municípios da região, com o trabalho de suas agências e de seus agentes do desenvolvimento, implantando no Nordeste as diretrizes governamentais de desenvolvimento e inclusão social. Sem clientelismo, sem tutela e com senso de responsabilidade. Já é o segundo banco em volume de crédito rural do país e sozinho responde por mais de 80% do crédito à agricultura familiar no Nordeste. Nesta safra, estará aplicando R$ 550 milhões, em grande parte no semi-árido. O CrediAmigo, programa de microcrédito solidário urbano, é o segundo maior da América Latina, já completou R$ 1 bilhão em operações e neste ano será estendido ao meio rural.
O Nordeste incorpora muitas realidades, muitas diversidades. O semi-árido tem grandes riquezas biológicas e naturais que permaneceram conservadas, livres do uso indiscriminado de defensivos agrícolas. O Piauí hoje é o maior produtor de mel do Brasil. A China viu-se alijada da posição de maior produtora de mel mundial porque suas abelhas não souberam distinguir áreas contaminadas. A preservação ambiental é um dos pontos fortes da cultura técnica e profissional do BNB.
Um outro aspecto diz respeito ao cuidadoso critério de avaliação de risco circunscrito aos financiamentos concedidos e ao esforço na recuperação dos recursos públicos do Fundo Constitucional do Nordeste. Tanto o amadurecimento empresarial quanto o direcionamento adequado da política de investimentos colocam hoje a região numa perspectiva de melhoria dos seus indicadores sociais e econômicos.
O passado e o presente não devem ser confundidos. A eficácia dos recursos aplicados e a recuperação de ativos jogados no lixo mostram que queremos mudar essa história. A expansão da demanda de crédito para investimentos sinaliza que estamos gerando as condições para o crescimento, com responsabilidade e sem faz-de-conta.
O BNB vem estruturando uma política produtiva para a região, em conjunto com o BNDES, o Basa e segundo as diretrizes do Ministério da Integração, envolvendo o DNOCS e a Codevasf.
Por fim, é oportuno esclarecer que o ministro Palocci buscou para a diretoria do BNB uma composição técnica, qualificada e experiente, tanto na área bancária quanto na de desenvolvimento regional. E essa equipe está à frente de um corpo técnico concursado e capacitado, principal capital do Banco do Nordeste.

Roberto Smith, 61, doutor em economia pela USP e professor da Universidade Federal do Ceará, é o presidente do Banco do Nordeste do Brasil S.A.

FSP, 15/01/2004, Tendências/Debates, p. A3

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