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Seringais reinventam o ciclo da borracha

OESP, Economia, p. B16
23 de Set de 2007

Seringais reinventam o ciclo da borracha
Couro vegetal e preservativo natural dão novo impulso à atividade

Agnaldo Brito

Os seringueiros do Acre descobriram uma nova nova forma de ampliar os ganhos com a produção de látex, matéria-prima da borracha. Trata-se do 'couro vegetal', tecido de algodão banhado com látex até se tornar emborrachado. O produto tornou-se importante fonte de renda. Enquanto a venda de um quilo de borracha seca rende cerca de R$ 4, duas lâminas de 'couro vegetal', fornecida para empresas brasileiras e estrangeiras para confecção de bolsas e calçados, são vendidas por até R$ 16.

O sucesso do novo modelo de produção de látex na região não é embalado apenas com a venda das lâminas. Uma fábrica de preservativos está em fase final de certificação. Será a primeira fábrica a usar exclusivamente látex de seringais nativos. Com investimento de R$ 30 milhões, a unidade localizada no município de Xapuri terá capacidade para produzir 100 milhões de unidades por ano, uma novíssima demanda que tem atraído muitos seringueiros que haviam abandonado a atividade.

'Tem seringueiro voltando à floresta para produzir borracha', diz Raimundo Mendes de Barros, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais do Acre e primo de Chico Mendes - homem que revelou ao mundo a viabilidade econômica do extrativismo sustentável.

'A atividade de extração do látex na floresta existe há 150 anos e já demonstrou que é uma alternativa sustentável que alia uma atividade econômica com preservação da floresta', diz Alberto Tavares Pereira Junior, representante da Organização Não-governamental WWF no projeto dos seringueiros.

ESTÍMULO

Hoje, 50 famílias do município de Boca do Acre sobrevivem com a produção de lâminas de 'couro vegetal'. A expectativa é de que o apoio do WWF e de empresas como a AmazonLife, que compra as peças para desenvolver produtos com apelo de sustentabilidade ambiental para os consumidores do Sudeste do País, assegure novas encomendas e o envolvimento de mais famílias.

'A fama do 'couro vegetal' é maior do que a realidade econômica', diz Wilson Manzoni, ex-seringueiro e articulador local da produção do produto.

Um estímulo ainda maior será a demanda a ser criada para a produção de preservativos. A fábrica vai utilizar 500 toneladas de látex, volume que exigirá o envolvimento de 700 famílias, a maior parte localizada na primeira reserva extrativista criada no Brasil: a Reserva Chico Mendes, em Xapuri.

Segundo Tânia Guimarães, diretora-técnica da Fundação de Tecnologia do Acre - ligada ao governo local -, 500 famílias já foram identificadas e treinadas para produzir o látex. A produção de camisinhas deverá ser vendida para o Ministério da Saúde e significará um reforço para o programa DST/Aids. 'Nossa produção representa apenas 8% da importação do País. Significa que temos uma grande perspectiva de ampliar a produção de preservativos.'

A venda do látex para a indústria rende R$ 4,10 ao seringueiro, valor que já inclui um subsídio de R$ 0,70 por quilo de borracha seca. Outro incentivo para repovoar os seringais.

Manzoni, o moderno soldado da borracha
Wilson Manzoni é seringueiro, microempresário e daimista da comunidade alternativa de Céu do Mapiá (AM). Em 1978, esse paulista de Ibitinga decidiu interromper um passeio pelo Brasil e se converteu à religião do Santo Daime. Em 1983, Manzoni converteu-se também em moderno soldado da borracha, um seringueiro que anos depois enxergou uma alternativa econômica naquilo que era apenas um hábito local.

A figura do soldado da borracha fez história nos seringais acreanos na metade do século passado. Era do Acre a missão de fornecer borracha, um dos insumos da máquina de guerra dos aliados na Segunda Guerra. Manzoni não viveu o auge do ciclo da borracha, mas viu de perto seu declínio.

Foi ante essa perspectiva negativa que Manzoni teve uma idéia. A produção artesanal de tecido emborrachado, usado pelos seringueiros para se proteger da umidade da floresta, se tornou o 'couro vegetal', um produto com apelo ambiental incontestável, que paulatinamente ganha espaço como produto da Amazônia. 'Foi na Eco-92, quando o mundo olhou para o Brasil, que o 'couro vegetal' dos seringueiros do Acre ganhou status de produto natural e passou a ser conhecido', lembra.

Hoje, Manzoni possui uma pequena empresa que produz brindes corporativos, a Seringueira. É membro, também, da Associação dos Produtores de Artesanato, entidade que iniciou o plano de comercialização da produção artesanal.

Este ano, os seringueiros vão produzir 20 mil lâminas, o que projeta uma renda de R$ 160 mil para cerca de 50 famílias envolvidas diretamente na atividade. Não chega a ser uma receita alta, mas, para a realidade local, é uma garantia de rendimento que tem devolvido o interesse pelos seringais.

OESP, 23/09/2007, Economia, p. B16

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