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Sem integração, continente vive crise de energia

O Globo, Economia, p. 24-25
30 de Jul de 2007

Sem integração, continente vive crise de energia
Problemas de Argentina e Chile mostram que América do Sul não consegue superar entraves políticos para explorar energia abundante. Ineficiência custa mais de US$ 4 bi anuais

Patrícia Duarte e Eliane Oliveira

O apagão energético na Argentina e o risco iminente de desabastecimento no Chile comprovam que a proposta de
integração energética na América do Sul, defendida com unhas e dentes pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não passa de retórica. Segundo o especialista Ricardo Sennes, da Prospectiva Consultoria e professor da PUC-SP, estudos internacionais estimam que a América Latina tem um prejuízo anual de US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões por causa da ineficiência energética provocada pela falta de integração regional.

Os países sul-americanos costumam destacar as grandes reservas de gás, petróleo em abundância e recursos hídricos como os pontos fortes da região mas, na prática, o cenário é outro e os interesses políticos se sobrepõem às boas intenções.

O assunto fica ainda mais grave quando se verificam os altos consumos de energia nos últimos meses. Só no Brasil, por exemplo, o volume consumido cresceu 8,2% em maio, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), acumulando no ano expansão de 5,2%. O fortalecimento das economias regionais, alegam os especialistas, só torna mais turvo o cenário já perigoso de abastecimento de energia.

Cada um dos países, em geral, tem importantes características que, teoricamente, deveriam complementar as necessidades uns dos outros. A Argentina produz petróleo e gás natural, enquanto o Chile e o Uruguai são totalmente dependentes da energia de seus vizinhos. Já Bolívia e Venezuela, detentores de grandes reservas de gás, não são considerados confiáveis, devido ao gênio intempestivo de seus presidentes.

Integração é consenso, mas difícil na prática

Fontes do governo afirmam ser consenso o conceito de que a integração energética deve ser utilizada como ferramenta para promover o desenvolvimento social e econômico e a erradicação da pobreza. O primeiro
passo seria promover investimentos conjuntos em infraestrutura e impulsionar a produção de combustíveis renováveis, mas há também idéias de se aproveitar melhor a estrutura já existente.

- O problema é a falta de investimentos e de entendimento. Às vezes, esbarramos na falta de visão cooperativa - afirmou ao GLOBO o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim.

No início dos anos 2000 as nações sul-americanas sentaram para conversar sobre a integração e, na época, calculouse potencial de investimentos de US$ 10 bilhões. O assunto, no entanto, patina e na avaliação de integrantes do governo brasileiro, isso ocorre porque ainda não há disposição para "dividir os ganhos", ou seja, permitir que todos os parceiros se beneficiem, e não olhem apenas para o próprio umbigo.

- Não existe a visão do ganhaganha. Se deixassem apenas os técnicos trabalharem, a solução sairia rápido - afirmou uma fonte do governo.

Segundo especialistas, o potencial que já existe para integração energética entre os países sul-americanos é da ordem de 3.520 Megawatts (MW), igual à potência de cada uma das duas usinas do complexo do Rio Madeira, que irão à leilão nos próximos meses. Só entre a Argentina e o Brasil, já existe uma linha de transmissão que pode transportar até 2,2 mil MW e, de quebra, chegar ao Chile.

A postura dos presidentes Evo Morales (Bolívia) e Hugo Chávez (Venezuela) também é apontada como obstáculo, devido às visões nacionalistas e estatizantes.

Existe a insegurança dos investidores internacionais, devido aos arroubos do presidente venezuelano. Diante disso, o Brasil decidiu continuar tocando seus projetos de geração de energia, como a construção de Angra 3 e das usinas do Rio Madeira. Somente as hidrelétricas demandam recursos da ordem de R$ 20 bilhões

Gasoduto do Sul: uma solução em suspenso
Chávez estaria dificultando execução do projeto, apontado como opção de abastecimento da região
Tido como a grande alternativa de abastecimento para toda a América do Sul, o Gasoduto do Sul teve as discussões para a sua criação esfriadas. O projeto, lançado em 2005, não saiu do papel. A megaobra, de oito mil quilômetros e com custo estimado em US$ 20 bilhões, ligaria a Venezuela à Argentina, passando pelo Brasil e por outros países sulamericanos.

O gasoduto, financiado por brasileiros, venezuelanos e argentinos, seria abastecido por metade da produção de Mariscal Sucre, na Venezuela, com capacidade para transportar até 50 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural. Os técnicos que trabalham no projeto afirmam que o momento atual é de desenhar o modelo e encontrar formas de impedir danos ambientais, especialmente na Amazônia.

Autor da idéia, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é também o grande dificultador, segundo fontes do governo brasileiro. Ele não revela sequer qual o exato volume das reservas de gás de seu país. O Brasil trabalha o tema com cautela, uma vez que deverá ser o grande financiador da obra, via BNDES. Pelos números divulgados por instituições independentes, a Venezuela possui uma das maiores reservas do mundo.

Com 3 mil Megawatts, risco de racionamento seria anulado

Em gás natural, o potencial da região é de 104 milhões de metros cúbicos por ano. Mas, sem avanços no campo diplomático, o cenário atual é apenas de ajudas em momentos de crise, como o que acontece na Argentina, que tem recebido emergencialmente cerca de mil megawatts do Brasil.

- Da integração, fomos para o intercâmbio - resumiu Marco Tavares, sócio-diretor da consultoria Gas Energy, para quem a região precisa, no mínimo, criar mais três mil megawatts para anular as chances de novos racionamentos.

(Eliane Oliveira e Patrícia Duarte)

Projetos em análise
GÁS: Criação de um anel de gasodutos entre Brasil, Bolívia e Argentina. Envolve a interligação do gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) com outros dois gasodutos a serem construídos, um entre Bolívia e Argentina e o outro ligando o Gasbol à Argentina. Os investimentos previstos são de US$ 3,5 bilhões.

GÁS-QUÍMICO: Trata-se da implementação do pólo gás-químico Brasil-Bolívia, a ser instalado na fronteira entre os dois países.

HIDRELÉTRICA: Complexo hidrelétrico integrado no Rio Madeira, com duas usinas no Brasil e uma na Bolívia.

NUCLEAR: O projeto prevê a integração das empresas nucleares do Brasil e da Argentina. A binacional teria um ativo de quatro usinas em operação, duas em construção, e pessoal qualificado.

PETRÓLEO: A Petrobras e a venezuelana PDVSA construirão juntas a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A obra custará US$ 2,8 bilhões.

O Globo, 30/07/2007, Economia, p. 24-25

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