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Sem ideologia

O Globo, Tema em Discussão, p. 6
Autor: ALFREDO, João
21 de Jan de 2004

Sem ideologia

João Alfredo

Os projetos de geração de energia elétrica caracterizam-se por exigir longo prazo de planejamento e execução. Mas no Brasil há tempos passou a haver uma ampliação injustificada desses prazos já tão extensos, sobretudo por causa das dificuldades criadas pelo processo de licenciamento ambiental.
É significativo que, no momento em que o governo anuncia a retomada da construção de 17 usinas hidrelétricas, esteja simultaneamente tomando providências para liberar a construção de outras 18 hidrelétricas, que estão com as obras embargadas na Justiça justamente por questões ambientais. Porque claramente tomou-se consciência de que de outra forma não se poderá cumprir a enfática promessa de que o país não sofrerá apagões.
Não se trata de promover o desenvolvimento econômico a qualquer preço, com o mais absoluto descaso pelas questões ambientais. Se ocasionalmente pode haver choque entre o interesse econômico e o ambientalismo, o bom senso sempre tornará possível conciliar os dois interesses. Mas para isso é preciso abandonar a posição ideológica que tende a considerar sacrossanto e intocável cada metro quadrado de vegetação.
As exigências com freqüência inadequadas feitas pelos órgãos ambientais, que chegam a inviabilizar projetos extremamente custosos de que o país não pode prescindir, são seguramente fruto desta visão ideológica. Ela gerou bandeiras defendidas com entusiasmo pela oposição há poucos anos, mas felizmente, como ficou claro agora, abandonadas com a ascensão ao poder dos oposicionistas de então.

Prevenir impactos
João Alfredo
Na época da ditadura, os protestos de grupos ambientalistas sobre as prováveis conseqüências ambientais de grandes obras, como a construção de hidrelétricas, eram proibidos pelos mecanismos opressores do regime. Hoje, os protestos são cada vez mais freqüentemente de empresários e empreiteiros contra o que consideram "demora excessiva" e "exigências descabidas" dos licenciamentos pelos órgãos responsáveis.
Os inúmeros desastres ambientais, tanto no mundo capitalista quanto no antigo mundo do "socialismo real", provam que não pode haver política de desenvolvimento que não se incorpore à matriz ambiental. A visão de progresso e de crescimento ilimitados, baseada na degradação dos recursos naturais, já caducou. Tanto que o ordenamento jurídico ambiental brasileiro se baseia no princípio da precaução, que norteia a relação entre obras e serviços e os impactos sócio-ambientais. A compreensão do processo de licenciamento ambiental já está incorporada à legislação.
É absurdo atribuir aos órgãos ambientais a responsabilidade por atraso ou inviabilização de um projeto de desenvolvimento para o país. Mais ainda tentar responsabilizar este governo, que só tem um ano, por erros estratégicos do governo anterior. Temos um bom programa de meio ambiente, que vem contribuindo para a melhoria do licenciamento ambiental; e um novo padrão de respeito às questões ambientais. As críticas de instituições como a Associação Brasileira da Indústria da Infra-Estrutura não passam de uma tentativa de constrangimento dos órgãos ambientais por grandes empresários.
Os licenciamentos se tornaram extremamente complexos porque as obras de infra-estrutura não têm levado em consideração os impactos socioambientais no início do processo. Na construção de uma hidrelétrica, por exemplo, as questões ambientais só são observadas após a licitação, o que torna o processo mais moroso. Não se pode licenciar a toque de caixa uma obra que desloca ou interfere na vida de uma população de cinco mil pessoas.
A questão ambiental não é obstáculo ao crescimento econômico. Pelo contrário, é necessário assumir o conceito de transversalidade, defendido pela ministra em seu discurso de posse, que é uma visão socioecológica do desenvolvimento sustentável - especialmente num momento em que cresce a pressão sobre os órgãos ambientais, tendendo a distorcer a compreensão de um delicado processo de controle e regulamentação ambiental.

João Alfredo é deputado federal e coordenador do núcleo ambiental do PT.

O Globo, 21/01/2004, Tema em Discussão, p. 6

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