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'Se você esperar pelos governos, nada acontecerá', diz Nobel da Paz

O Globo, Sociedade, p. 18
Autor: MUNASINGHE, Mohan
23 de Jul de 2018

'Se você esperar pelos governos, nada acontecerá', diz Nobel da Paz
Físico, economista e ganhador do Nobel da Paz em 2007 afirma que os mais jovens têm ferramentas para mudar o mundo e evitar catástrofes como o aquecimento global

POR GIAN AMATO, ESPECIAL PARA O GLOBO

PORTO- Mohan Munasinghe era o vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU quando dividiu o Prêmio Nobel da Paz com o ex-vice-presidente americano Al Gore em 2007. Palestrante no lançamento do Protocolo do Porto, em Portugal, acordo assinado entre empresas para o combate às alterações climáticas, o físico nascido no Sri Lanka convocou a sociedade a fazer a sua parte no combate ao aquecimento global, reduzindo o consumo e usando produtos sustentáveis.

O excesso de consumo ajuda a devastar o meio ambiente. Há chance de mudar este padrão?

Há métodos e técnicas hoje que podem levar a uma mudança significativa de padrão de comportamento coletivo para esta nova geração. Os millenials têm ferramentas de mudanças e maneiras de ver o mundo que os antigos não tiveram. Então, talvez não dê tempo de a minha geração ver uma mudança da sociedade, mas a deles verá.

A mudança já é aparente?

A mudança para um comportamento mais consciente e de menos consumo começa ainda na infância. Quando era diretor de uma fundação em Manchester, na Inglaterra, investimos milhões de libras em pesquisas sobre a psicologia comportamental. Concluímos que as empresas ensinam a sociedade, que vê coisas na TV, a consumir mais e mais, mesmo que não seja necessário. Se você comprar uma embalagem maior de suco, eles oferecem algum tipo de desconto, por exemplo, mesmo que você não precise de mais suco. É o mesmo com a pasta de dentes. Aprendi com os cientistas que podemos usar os mesmos truques para reverter este padrão de consumo.

"O aquecimento global tornará todos os outros problemas piores, como a fome"

De que maneira?

Os maiores produtores estão interessados em aumentar vendas e lucros. A solução é encontrar uma maneira de introduzir produtos sustentáveis na sociedade e influenciar os consumidores certos a comprá-los. Assim, reduziremos danos e construiremos o ciclo sustentável.

Pode dar um exemplo prático?

Em meu trabalho, há jovens que criam mercados sustentáveis na internet. São pequenos e orgânicos. Os produtores sustentáveis nem precisam levar seus produtos ao mercado, eles expõem na internet e está disponível para o mundo todo. As novas gerações estão mais despertas. Eles consomem cultura, alimentos, roupas, costumes de diversas nacionalidades, uns dos outros, sem fronteiras. Então, para esta geração e para as futuras, comprar na internet já consiste em um simples clique. A tecnologia e a informação ajudam na implementação de novos valores e hábitos, como apagar a luz quando sair da sala, comer menos carne... Em breve, uma família estará rodeada de produtos sustentáveis que não são caros. O vizinho verá e irá comprar e assim por diante. São produtos melhores para a saúde e para o meio ambiente.

É um ciclo que começa de dentro para fora, alternativo e independente de organizações?

Se você esperar por líderes e governos, nada acontecerá. Em 1947, foi assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Todos os países assinaram. Se você ler o documento, verá que já inclui o que está nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ano após ano há novas conferências. Tivemos o Rio-92, Agenda 21 e o que aconteceu? Nada. Esta é a nossa última chance.

Foi tudo uma perda de tempo?

Não completamente. Estabelecemos as diretrizes, mas as implementações foram fracas. É como escalar uma montanha dando um passo de cada vez. Eu vou a muitas conferências internacionais, incluindo a do G7, conto os problemas mais graves para líderes e fica um silêncio... Ninguém diz nada. Mas assinam um documento. Foi estabelecida no Acordo de Paris a necessidade de US$ 100 bilhões ao ano, mas o dinheiro não chega porque os países não contribuem. Todos se comprometeram com ações para limitar a temperatura a 2oC, mas as metas de mitigação são insuficientes.

E se as metas de contenção continuarem insuficientes...

O aquecimento global tornará todos os outros problemas piores, como a fome. Nós já estamos com quase uma perna dentro do abismo, precisamos decidir se caímos ou nos afastamos. Milhões de crianças morrem de fome e isso é um crime inaceitável em um mundo sustentável.

Mesmo assim, as pessoas parecem não se importar em usar sacolas plásticas...

No Sri Lanka, elas foram banidas há anos e foi criada a cultura da reutilização. Quando estive no Brasil, tive a impressão de que os mais pobres já reutilizavam tudo por necessidade. Os mais ricos, não. As crianças tinham hábito de desperdício. Em certos locais do mundo, eles acumulam tanto que, no fim, já não sabem o que fazer com tantas coisas. Talvez estejam copiando os americanos, seu estilo de vida.

Porque parte da sociedade foi construída em um sistema de status baseado em bens materiais, não?

Em 1992, no Rio, a minha mensagem já era que, se começarmos com os valores errados, como corrupção e egoísmo, não dará certo. É preciso mudar os valores, porque as pessoas têm a falsa ideia de que quanto mais consumirem, mais felizes serão. Se mudarmos os valores para um modelo mais sustentável, vamos melhorar o meio ambiente e evitar conflitos sociais.

O Globo, 23/07/2018, Sociedade, p. 18

https://oglobo.globo.com/sociedade/se-voce-esperar-pelos-governos-nada-…

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