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Saque na floresta: detidos dois estrangeiros com plantas e sementes

A Crítica-Manaus-AM
Autor: Elvis Chaves
03 de Abr de 2003

O agrônomo sul-africano Bernard Peter Ficher, 45, e o jornalista sueco Jan Anders Lindstrom, 31, foram detidos anteontem pela Polícia Federal quando desembarcavam no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus, sob suspeita de crime de "biopirataria". Com eles foram encontrados 79 espécies, entre sementes e mudas de plantas, que seriam levadas para o exterior no dia 5 de maio, quando a dupla pretendia retornar para seus países de origem.

Como não existe uma legislação específica para o mesmo crime, os dois estrangeiros foram apenas indiciados e depois liberados. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) os multou em R$ 29,1 mil. As sementes e mudas foram identificadas ontem pela manhã e levadas, à tarde, para o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

No roteiro de Bernard e Jan Anders constam, conforme informações da PF, os municípios paraenses de Santarém e Óbidos. E as cidades acreanas de Rio Branco e Cruzeiro do Sul, além de algumas cidades de Rôndonia. A última parada teria sido o Pantanal matogrosense. Eles estão no Brasil desde o dia 29 do mês passado.

A detenção da dupla aconteceu no final da tarde de anteontem. Segundo a assessoria da PF, a informação era de que dois homens estariam vindo do Município de Tabatinga (a 1.105 quilômetros de Manaus) trazendo vários produtos de origem vegetal, sem licença da autoridade competente. No aeroporto, a PF conseguiu constatar a irregularidade e acionou o Ibama.

Na sede da superintendêcia da Polícia Federal, no Conjunto Dom Pedro II, Zona Centro-Oeste, Bernard e Jan Anders negaram a biopirataria, afirmando que teriam recebido de presente todas as sementes e mudas. "Nós não sabíamos que era proibido sair do país com este produtos", disse Jan Anders, em depoimento à delegada titular da polícia fazendária da PF, Aparecida Gualberto, que lavrou um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) - uma espécie de comunicado encaminhado à Justiça sobre o caso e as partes.

Segundo explicação da assessoria da PF, apesar de terem sido encontradas sementes e mudas em poder da dupla, o caso não se configura crime de biopitaria. A assessoria explicou que ajustificativa seriam os cartões de embarque que não foram encontrados com eles, os quais apontariam para uma viagem próxima e, o conseqüente contrabando dos produtos para o exterior.

"Infelizmente a nossa legislação não é rigorosa", acrescentou o assessor de imprensa da PF, Darlan Alves, revelando que os dois foram enquadrados em crimes contra o meio ambiente, que prevê apenas pagamento de multa. Depois de identificados pelo Ibama, os produtos apreendidos foram levados para estudo no Inpa.

O assessor de gabinete do Ibama, Adilson Cordeiro, espera que o caso seja enviado logo para a Justiça estadual, que deve julgar o TCO. Têm que ser rápido, antes que eles viajem. Senão vai acontecer como aconteceu com vários estrangeiros biopiratas, que foram multados, mas que não pagaram nada", frisou. Os dois estrangeiros foram procurados na sede da PF, mas já tinham sido liberados. Os agentes federais não souberam informar em que hotel eles estariam hospedados.

PALAVRA DE PESQUISADOR
O pesquisador em Botânica Econômica do Inpa, Juan Revilla, afirmou que pela diversidade de material das sementes e mudas apreendidas dá para se perceber que os estrangeiros detidos "não são tão inocentes assim como se pode pensar". "Ninguém recebe uma quantidade de presente destas", emendou.

Avaliando a lista, Revilla observou que a maioria das sementes é oriunda de plantas alimentícias e ornamentais. E, que as mudas de plantas tóxicas têm propriedades que poderiam ser usadas em fabricações de medicamentos. "Eles conhecem bastante o que recolheram. As espécies são variadas", observou.

Para o pesquisador, depois que os produtos chegarem no Inpa é que se poderá falar, de fato, sobre todas propriedades das sementes e mudas. "É uma quantidade ampla e com nomes muitos genéricos."

De acordo com ele, a ida dessas sementes representaria, com certeza, futuros prejuízos para o país. Segundo o pesquisador, ficou clara que a intenção dos estrangeiros era a biopirataria. "As mudas frutíferas poderiam ser patenteadas futuramente em nomes dos países dele", concluiu, relembrando o caso do cupuaçu, patenteado pelo Japão.

De acordo com o relatório preliminar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investigou o contrabando de plantas e animais silvestres, a biopirataria no Brasil movimenta cerca de R$ 6 bilhões por ano, sendo R$ 2 bilhões com o contrabando de animais e R$ 4 bilhões com o contrabando de madeira. Esse material sai do país sem deixar nenhum centavo aos cofres públicos.

O juiz da Vara Especializada do Meio Ambiente e Questões Agrárias, Adalberto Carim, informou que em todo o mundo a biopirataria de plantas e animais silvestres movimenta US$ 13 bilhões por ano.

SEM LEI
De acordo com o juiz Adalberto Carim, não há como condenar alguém por biopirataria no Brasil porque não há definição desse tipo de crime na legislação. A única referência ao assunto contida na Lei 9.605/98 aparece no artigo 29, que trata dos crimes contra a fauna, como por exemplo: matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. A pena para esses crimes é detenção de seis meses a um ano e multa.

Mas esse artigo da legislação federal, segundo Carin, não é suficiente. Para ele, não há como tipificar a evasão de recursos genéticos sem nenhum benefício para a sociedade ou para a comunidade de onde esses recursos são retirados. "Isso é o que caracterizaria a biopirataria". A legislação também não trata da evasão de plantas, o que tem facilitado a retirada de produtos da flora para fins de pesquisa. Na seção que trata dos crimes contra a fauna, a lei se limita à coibir a destruição da floresta e plantas e nada traz sobre o contrabando desse material.

Carim lembrou o caso das sementes da seringueira, uma planta típica da Amazônia, levadas no final do século XIX para a Ásia, passando a Malásia, no século seguinte a despontar como o maior produtor de látex do mundo, pondo fim ao Ciclo da Borracha na região.

A Constituição Federal estabelece, no artigo 225, que todos os brasileiros têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e compete ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. No entanto, o juiz Carim afirmou que falta no país uma legislação mais pontual no que se refere a biopirataria.

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