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Ruim com ele, pior sem ele

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
21 de Dez de 2007

Ruim com ele, pior sem ele

Washington Novaes

Continua acesa a discussão em torno dos resultados da reunião da convenção do clima em Bali. E talvez uma síntese dos argumentos colocados tanto pelos que vêem avanços como pelos que se decepcionaram possa estar no velho dito popular "ruim com ele, pior sem ele". De fato, o resultado é modesto. Mas sem o que se decidiu continuaríamos avançando em direção a situações cada vez mais graves, interrompendo um processo de negociações que possa levar a compromissos de redução das emissões de gases.

O Acordo de Bali reconhece que o aquecimento já apontado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas "é inequívoco", que retardar um acordo para reduzir emissões aumenta o risco de impactos graves, que os cortes a definir terão de ser "profundos" e que é preciso chegar a um acordo sobre eles negociando já a partir do início de 2008, para aprovar, até o final de 2009, um texto que inclua os compromissos de todos os países a vigorar em 2013, quando cessa a vigência do Protocolo de Kyoto. Além disso, no texto de Bali, pela primeira vez o G-77, que inclui os países "em desenvolvimento" (inclusive o Brasil), aceitou que serão necessárias, de sua parte, ações mitigadoras "mensuráveis, reportáveis e verificáveis", ou seja, metas de redução de emissões. E o texto, também pela primeira vez, explicita que o futuro tratado deve incluir entre seus objetivos a redução do desmatamento em florestas tropicais.

De fato, não há como fugir aos temas que se referem aos países "em desenvolvimento". Segundo a Agência Internacional de Energia, eles responderão por 74% do aumento da demanda de energia previsto para as próximas décadas e a maior parte continuará a vir da queima de combustíveis fósseis. E as emissões provocadas por desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo em florestas já respondem por 20% do total das emissões globais. Esses países têm argumentado que os industrializados emitem mais e há muito mais tempo; a eles, portanto, cabe a maior responsabilidade pela redução. É verdade, mas isso não isenta os demais países. E é possível calcular com quanto cada um deles, desenvolvidos ou em "desenvolvimento", contribuiu para a concentração de gases que já está na atmosfera e provoca as mudanças do clima. O argumento de que reduzir as emissões prejudicaria o desenvolvimento econômico pode ser respondido dizendo que só prejudica formas insustentáveis de desenvolvimento, centradas apenas no crescimento econômico a qualquer custo.

No caso brasileiro, essa postura, especialmente em relação à Amazônia, tem sido influenciada por um pensamento dominante em parte da diplomacia e em áreas ligadas à segurança nacional, o de que aceitar pagamentos externos pela conservação da floresta (ou outros recursos e serviços naturais) implica renúncia à soberania no uso desses recursos. Essa atitude certamente terá influenciado a proposta que o Brasil apresentou, em Bali, de um Fundo para Proteção e Conservação da Amazônia Brasileira. Embora tenha o mérito de reconhecer que é preciso cuidar desse problema - já que o Brasil é o quarto maior emissor do mundo, com mais de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (inventário de 1994), das quais cerca de 75% em decorrência de desmatamento e queimadas -, a proposta não está vinculada a nenhum compromisso ou meta no âmbito da convenção do clima. É um fundo "voluntário", para o qual poderão contribuir países, instituições ou empresas, mas sem direito de contabilizar em seus balanços de emissões eventuais reduções obtidas por esse caminho - terão direito apenas a um "diploma".

O mecanismo do fundo toma como base uma média anual do desmatamento na Amazônia (outros biomas só depois de 2011, "quando houver sistemas de monitoramento") durante a década 1996-2005, que é de 19,5 mil km2. Nesse caso, se o desmatamento que vier a ser apurado em 2007-2008 for, por exemplo, de 14 mil km2, a redução terá sido de 5,5 mil km2, ou 550 mil hectares, comparada com aquela média; como cada hectare desmatado/queimado emite 100 toneladas de carbono e estas equivalem a 400 toneladas de dióxido de carbono, a redução de emissões será de 220 milhões de toneladas de CO2; e como cada tonelada será cotada a US$ 5, essa redução de emissões daria direito a receber cerca de US$ 1,1 bilhão.

O projeto brasileiro foi recebido com ceticismo quase unânime. O professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), acha que por esse caminho o Brasil conseguirá receber, no máximo, uns US$ 100 milhões por ano - que poderão ser do fundo criado pela Noruega (US$ 550 milhões por ano), do GEF ou do mecanismo da Nature Conservancy.

Além disso, é possível perguntar: que sentido faz um fundo para reduzir o desmatamento na Amazônia que toma por base 19,5 mil km2 anuais (a serem revistos só daqui a cinco anos), quando no período 2006-2007 o desmatamento efetivo já esteve em 11.224 km2? De julho deste ano para cá, o desmatamento na região já aumentou 8% e se prevê que crescerá mais; mesmo que suba 20%, vai-se chegar a 14 mil km2/ano; comparados com a base de 19,5 mil km2, vai-se ter, no papel, uma redução de 5,5 mil km2 e credenciais para receber compensação por isso.

Da mesma forma, não parece muito adequado argumentar, como membros da delegação brasileira em Bali, que o Brasil "fez sua parte" porque reduziu em três anos suas emissões em 1,3 bilhão de toneladas de CO2, com 38,1 mil km2 menos de desmatamento na Amazônia. Mais adequado seria lembrar que nesses mesmos três anos desmatamos 44 mil km2, que equivalem a 1,32 bilhão de toneladas emitidas. E, finalmente, preocupa a decisão de só considerar o desmatamento em outros biomas a partir de 2011. Só no Cerrado, diz relatório recente do Instituto Sociedade, População e Natureza que estão sendo desmatados 22 mil km2 por ano.

Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP, 21/12/2007, Espaço Aberto, p. A2

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