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Risco de racionamento e dependência de gás

OESP, Economia, p. B7
Autor: TAMER, Alberto
12 de Out de 2006

Risco de racionamento e dependência de gás

Alberto Tamer

O leilão de energia não afasta de forma alguma o risco de racionamento a partir de 2011, como afirmou o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, querendo provavelmente afastar um dos pontos mais urgentes e expressados pelo governo atual. Pode haver racionamento, sim, o risco existe e o setor privado não cansa de alertar para isso. O que houve 'foi uma solução contratual entre compradores e vendedores de energia, uma promessa cujo cumprimento vai depender de vários fatores', entre eles licenciamentos ambientais, garantias de suprimentos de gás e respeito aos contratos. Além disso, o resultado do leilão mostra que aumentamos a nossa dependência de gás importado, quando deveríamos reduzi-la simplesmente pelo fato de que ele está vindo da belicosa Bolívia.

PROMESSAS CONTRATUAIS

Nessa terça-feira, foram aprovados contratos para fornecimento de 1.104 megawatts. As necessidades estimadas pelo governo, prevendo um crescimento econômico de 4% ano, eram de 1.243 megawatts.

Isso joga o setor elétrico numa situação delicada porque os 48% de megawatts contratados foram de energia térmica a gás! As movidas a óleo têm custo muito alto. Ou seja, esse fornecimento a partir de 2010 fica na dependência de um combustível, o gás, que está vindo... da Bolívia, ou seja de onde for no futuro! É...

HIDRELÉTRICAS AFASTADAS

Mas existe sempre o reforço de duas hidrelétricas aprovadas no leilão! Sim, mas foram propostas ganhas por empresas estatais. E há hoje dezenas de projetos de usinas hidrelétricas parados por entraves ambientais. Dá para confiar? Quem garante que as duas aprovadas no leilão não terão o mesmo destino, não atrasarão por questões que vamos chamar 'de burocráticas ambientais'?

'Por isso o risco de racionamento de energia elétrica existe, sim', afirma à coluna o vice-presidente da Abinee, Gilberto Schaefer.

O setor fica na dependência de energia gerada por um combustível que não tem segurança de suprimento e de usinas cujo combustível é a água, mas que podem comprometer a entrada em operação por problemas de licenciamento ambiental. Dependemos do que não temos e não aproveitamos o que temos até em excesso. Jogamos fora a energia das águas dos rios.

CONTRADIÇÃO

O leilão realizado nesta semana mostra de forma chocante a contradição do setor de energia. 'Temos, no Brasil, um potencial hídrico, nas águas dos rios, da ordem de 800 mil megawatts. Para ter uma idéia do que isso significa, todo o potencial hidrelétrico hoje instalado no País é de aproximadamente 70 mil megawatts. (As térmicas somam aproximadamente 15 mil megawatts.) Somos um dos poucos países do mundo a ter essa disponibilidade barata de energia ainda por aproveitar, sem depender de ninguém, e ao menor custo possível', afirma o vice-presidente da Abinee. E não o aproveitamos por três motivos: (1) O governo afastou o setor privado modificando regras aprovadas; (2) Há problemas ambientais exagerados, formando uma barreira que ninguém no setor privado se arrisca a enfrentar. A questão ambiental é importante, mas, no Brasil, transformou-se num tabu que praticamente impede o aproveitamento da maior parte dos 800 mil megawatts; (3) Restou apenas o governo para arcar com essa responsabilidade e o governo simplesmente não tem recursos para isso. Para evitar um racionamento de energia, o setor precisa de investimentos da ordem de R$ 30 bilhões até 2010!

PROIBIDO DE CRESCER

Por isso, pode-se dizer que o terceiro e bem-intencionado leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica não afastou de forma alguma o risco de racionamento nos próximos anos.

E aqui, um paradoxo doloroso: o risco é maior se a economia brasileira crescer mais.

Sim, as previsões atuais de demanda nova de energia partem da estimativa de um crescimento de 4%. E se for mais, como pode e precisa urgentemente ser? Não dá. A equação não fecha. Vai faltar energia ou teremos de ir buscar mais gás onde for possível encontrar. E isso a um preço consideravelmente maior do que as águas barrentas dos rios nos podem oferecer. Dá para entender? Não dá.

Com leilão ou sem leilão, sem a presença do setor privado, o risco de racionamento de energia está aí, visto a olho nu. E não é à toa que o presidente boliviano, Evo Morales, envolvido no seu poncho tribal, dá uma de macho que desafia o Brasil enquanto o vagar das águas adormecidas dos rios brasileiros parece rir e acolhe alegremente os turistas, que geram 'bilhões de dólares' de receitas, e os pescadores, que nem sabem o que fazer com tanto peixe que pescam, que até os devolvem para as águas do rio.

Ah! Evidentemente não precisamos depender tanto do gás boliviano. Não, nada disso. Temos uma outra fonte generosa à disposição, uma das maiores reservas de gás do mundo, bem ali na fronteira com a Venezuela. São as imensas reservas de gás do nosso badalado companheiro amigo e superconfiável presidente venezuelano, Hugo Chávez... Neste sim, Brasília pode confiar.

Não me custa lembrar uma história. Quando um ministro de Israel esteve no Brasil, disse-me com os olhos assustados, perplexo: 'Mas como um país com tanta água cresce tão pouco?' E, vejam, ele estava em Foz do Iguaçu, olhando para o Paraná, não para o Amazonas e seus afluentes...

OESP, 12/10/2006, Economia, p. B7

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