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Risco de novos surtos entre os maxacalis

Hoje em Dia (MG) - http://migre.me/ltNA
Autor: Augusto Franco
21 de Fev de 2010

Falta de água encanada e de instalações sanitárias expõem aldeias inteiras a doenças consideradas relativamente simples, situação agravada pelo alcoolismo

Doenças relativamente simples para a maioria da população brasileira - como a diarreia e a gripe comum - associadas ao alcoolismo podem dizimar nos próximos anos a etnia Maxacali, que habita os vales do Jequitinhonha, Mucuri e o Norte de Minas. O alerta é de autoridades que acompanham a situação dos índios, e foi feito na semana anterior ao Carnaval, quando o HOJE EM DIA acompanhou, com exclusividade, uma série de inspeções e reuniões entre Ministério Público Federal, prefeitos e autoridades sanitárias locais.

Nos dias 20 e 21 de janeiro deste ano, quatro bebês da etnia morreram de diarreia, causada pela bactéria Eschericha coli. Duas semanas antes, no final de dezembro de 2009, um surto de gripe levou pelo menos 50 índios para o hospital e deixou mais um morto.

De acordo com o diretor da Secretaria de Estado Regional de Saúde em Teófilo Otoni, Ivan José Santana Figueira, um novo surto de diarreia como o que matou quatro bebês nos municípios de Bertópolis e Santa Helena de Minas, no Vale do Jequitinhonha, pode voltar a acontecer a qualquer momento. A situação é a mesma em outras duas tribos de índios da etnia Maxacali instaladas há menos de um ano nos municípios de Campanário e Topázio, no Vale do Mucuri.

As tribos não contam com água encanada ou instalações sanitárias, e as fezes são depositadas ao redor das barracas, no mato e às margens dos pequenos rios e córregos de onde os índios tiram água para beber, se banhar e cozinhar.

O alerta em relação aos novos surtos foi dado durante um encontro de representantes da área da saúde no município de Pavão, no Vale do Mucuri. Segundo Ivan José, mostras de água recolhidas em córregos das duas regiões apontaram a presença de coliformes fecais, e laudos laboratoriais atestam que a água que vem sendo usada é imprópria para o consumo humano.

Os maxacalis são a etnia mais pobre de índios em Minas. Sua cultura é nômade, e as poucas roças de subsistência são plantadas e colhidas pelas mulheres, que também tomam conta das crianças. Mais de 50% dos índios não falam ou se comunicam mal em português, e a língua maxacali é a única usada entre eles. Aos homens, que antes defendiam a tribo, e guerreavam com outras tribos, cabem apenas as danças e rituais religiosos.

De acordo com o procurador do Ministério Público Federal e coordenador da Tutela Indígena em Minas Gerais, Edilson Vitorelli Diniz Lima, a situação da etnia é preocupante."Os maxacalis são a etnia mais abandonada das com que já tive contato até hoje. Curiosamente, e talvez até por isso, são os índios com os traços culturais mais preservados", destaca.

Força-tarefa vai fiscalizar venda de cachaça

Depois da série de inspeções, o procurador afirmou que vai exigir das prefeituras e das polícias Civil e Militar locais uma série de ações para coibir e punir a comercialização de cachaça para os índios. No início do mês, durante diligências, a Polícia Federal prendeu o dono de um bar no centro de Santa Helena de Minas. Ele foi preso em flagrante depois que a PF encontrou um índio morador da tribo Água Boa, localizada a seis quilômetros do centro da cidade, bêbado e caído no chão do estabelecimento. O índio teria comprado várias doses de cachaça.

De acordo com o prefeito da cidade, Milton Trindade, em 2008 um trabalho parecido, realizado em parceria entre as polícias Civil e Militar, ocasionou "três meses de tranquilidade" para a região. "Infelizmente, e sem preconceito algum, posso afirmar que o alcoolismo indígena é hoje o maior problema que temos no município. Geralmente temos excelente convivência, mas, uma vez bêbados, os índios depredam carros, vidraças, arrumam brigas. A polícia não sabe o que fazer, então acaba não fazendo nada", reclama o prefeito.

Em 30 de outubro de 2008, o MPF ordenou às polícias locais que fiscalizassem a venda e prendessem atravessadores de bebidas para os índios. "É uma medida relativamente simples de ser executada. A cidade é pequena, e todo mundo sabe quem vende a cachaça para os índios. É vigiar e tomar algumas medidas exemplares", afirmou o procurador.

De acordo com a vereadora e liderança indígena, Maria Diva Maxakali, o principal problema entre a comunidade de Água Boa, no município, é a falta de uma liderança interna. "Temos muita briga dentro da tribo. Todos querem mandar, e alguns bebem também. Então, não dá exemplo bom. Mas já temos uma lista com os nomes de quem bebe e de quem vende. A polícia já sabe. Agora é só prender", conta a vereadora.

Se na tribo Água Boa, em Santa Helena de Minas, a falta de liderança é um estímulo ao alcoolismo, na vizinha Vila Nova, localizada em Bertópolis, a mão de ferro do cacique Guigui Maxakali tem colaborado para reduzir o problema. Do alto de seu 1,50 metro de altura, o cacique organizou as casas em torno de sua própria residência, e controla quem bebe.

Os que chegam à tribo visivelmente alcoolizados são obrigados a dormirem no mato, e submetidos a humilhações públicas, dependendo do grau de embriaguez. As punições vão desde repreensão verbal a prisão domiciliar e até a permanência do infrator amarrado em um tronco no centro da tribo, por até dois dias.

"Aqui não tem isso. Não tem cachaça aqui dentro", garante o cacique, que aproveitou a presença do Ministério Público Federal para reclamar da condição da água e da falta de material de limpeza para três banheiros químicos, instalados pela Funasa na tribo há menos de um mês. Os banheiros foram uma medida provisória para melhorar as condições sanitárias da tribo. Depois de duas semanas, o cacique, irritado com o mau-cheiro, proibiu o uso dos banheiros químicos. "Eles não dão produto de limpeza, nem mandam ninguém limpar", reclamou. Segundo o geógrafo e técnico administrativo do MPF Guilherme Batista Corrêa, o cacique, eleito pela tribo por critérios culturais e irmão do pajé, tem as prerrogativas para exercer o poder e fazer valer as leis determinadas por ele próprio.

Um repórter maxacali com curso em BH

Enquanto o HOJE EM DIA visitava e fotografava a aldeia Vila Nova, uma câmera filmadora seguia a reportagem, assim como os representantes do MPF, das prefeituras e da Funasa que passavam pela aldeia. O "câmera man" é João Duro Maxakali, que apesar de apenas arranhar o português, conta que passou por um curso com cineastas de Belo Horizonte, no ano passado. Desde então, criou o hábito de filmar e registrar em DVD os principais fatos da aldeia. No final do dia, os cerca de 600 moradores da tribo se reúnem em volta da TV - a aldeia conta com gerador elétrico - e assistem ao que viram durante a jornada. "A gente vê e conversa sobre o que aconteceu", conta João Duro.

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