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Retrato da Amazônia na gaveta

O Globo, O País, p. 3
27 de Mai de 2008

Retrato da Amazônia na gaveta
Inpe suspende divulgação de dados sobre aumento do desmatamento tentando evitar polêmica

Bernardo Mello Franco
Brasília

Em meio ao tiroteio entre o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, a direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) decidiu adiar, por tempo indeterminado, o anúncio de números que vão demonstrar uma nova alta no desmatamento da Amazônia. Na quarta-feira passada, Minc informou que o órgão divulgaria os dados ontem, na véspera de sua posse, apontando um aumento superior a 60% nas derrubadas em Mato Grosso.
Maggi reagiu com novas críticas ao Inpe, o que levou o diretor do instituto, Gilberto Câmara, a determinar a suspensão do anúncio, alegando riscos de uso político das informações.
Os dados foram registrados em abril pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) e já estão prontos. No entanto, o Inpe decidiu não divulgá-los até que Minc combine a forma de anúncio com o ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, a quem o instituto é subordinado. A decisão do adiamento foi aceita pelos dois ministros.
Segundo assessores próximos ao diretor do Inpe, Câmara ficou muito irritado com o impacto das declarações de Minc, que voltaram a pôr o órgão no foco da disputa política sobre o desmatamento. Na sua avaliação, o novo ministro se precipitou ao falar publicamente sobre um levantamento ainda inédito, expondo o órgão a um desgaste desnecessário com Maggi.
- Os dados do Deter são científicos. Queremos divulgá-los de forma técnica, e não política, antes da posse do ministro. O Inpe não divulga prévia de números. Somos um órgão de ciência, e não se antecipa dados científicos -- disse um assessor de Câmara.
O diretor do Inpe informou, por sua assessoria, que só comentará o assunto no dia em que os dados forem divulgados. Assessores de Minc afirmaram que ele também não fala sobre o assunto, e que o Inpe ficou responsável por decidir a nova data.

Minc toma posse hoje; Marina vai
Em janeiro, a divulgação de uma nova alta no desmatamento da Amazônia após três anos consecutivos de queda abriu uma queda-de-braço entre Maggi e a então ministra Marina Silva. Ela convocou o diretor do Inpe para participar da divulgação dos números do Deter e, posteriormente, da caravana ministerial que sobrevoou as áreas mais atingidas pelas derrubadas. O governador de Mato Grosso contestou os dados e chegou a entregar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um relatório apontando distorções. O Inpe negou erros, mas Lula declarou que as queixas de Maggi deveriam ser levadas em conta.
Segundo assessores, o diretor do Inpe estaria arrependido das aparições públicas com Marina e decidiu não se expor mais a polêmicas.
Acompanhado pelo governador Sérgio Cabral e por grande parte de seu secretariado, Minc toma posse hoje em grande estilo, com festa para 300 convidados no Palácio do Planalto. O ato será às 15h no Salão Oeste e terá como pano de fundo um enorme painel pintado pelo paisagista e artista plástico Roberto Burle Marx. Em seguida, o ministro interino, João Paulo Capobianco, transmitirá o cargo formalmente em nova cerimônia na sede da Agência Nacional de Águas.
Minc tomaria posse na semana passada, mas pediu a Lula para adiar a festa até que Cabral voltasse de viagem à Europa. Fazia questão de sua presença. Além da comitiva fluminense, o ministro convidou outras personalidades do estado, como o coordenador do Disque Denúncia, Zeca Borges, e aliados de organizações de defesa do meio ambiente e de homossexuais, como o ativista gay Cláudio Nascimento, do Grupo Arco-Íris.
A ex-ministra Marina Silva, que pediu demissão com críticas ao governo e sem falar pessoalmente com o presidente Lula, havia decidido faltar, mas mudou de idéia. Ela viajaria hoje para um spa, onde descansará até reassumir a cadeira no Senado, semana que vem. Mas decidiu adiar a viagem após saber que foi convidada como senadora, e não como ex-ministra.
Famoso por sua coleção de 42 coletes -- boa parte deles made in Mauá - e por ações ecológicas tão espalhafatosas quanto, Minc assume hoje a pasta disposto a impor seu estilo em Brasília. Começou trazendo de Paris, onde recebeu o convite para ocupar o cargo, uma gravata para presentear o presidente Lula. O passo seguinte é a convocação de Lula para entrar com ele em rios poluídos a fim de recolher pneus e todo tipo de lixo, tal como fez com o governador Sérgio Cabral, em mutirão para prevenir alagamentos em virtude das chuvas que caíam sobre o Rio, após a posse como secretário do Ambiente do Estado do Rio.
- O Lula pode ir preparando a bota e a luva para entrar em rios comigo e catar todo tipo de porcaria - avisa o ministro.
Mas ele já sabe disso?
- Vai saber lendo esta matéria.
Pode botar aí que ele vai me ajudar a tirar pneus. Até para dar exemplo: se um presidente faz isso, todo mundo pode fazer.
A gravata, então, terá que ficar restrita a outros itens da agenda do presidente.
- É uma gravata de estampa de Cézanne superbonita. Não é emperiquitada demais, nada que comprometa. Ele (Lula) disse que dá para usar - conta Minc, que escolheu pessoalmente o mimo, inspirado na obra do pintor francês.
Colaborou: Paula Autran

A guerra dos números

O que diz o INPE: O instituto afirma que em oito meses - de agosto de 2007 a março passado -- foram desmatados 4.730 km2 de áreas de floresta, o equivalente a quatro vezes o município do Rio, contra 4.970 km2 em 12 meses (de 2006 a 2007). Os dados são baseados no sistema Deter. Nessa conta estão incluídas apenas as grandes áreas de desmatamento, pois o levantamento é preliminar, feito pelos satélites sistema Deter, que mostra imagens em tempo real, só detecta grandes desmatamentos e pode ser prejudicado pelas nuvens. Pelo sistema Prodes, mais acurado e anual, foram desmatados 11.200 km2 de 2006 a 2007.
Que diz Maggi: O governo de Mato Grosso usa os números do próprio sistema Prodes do Inpe, segundo o qual a área devastada no estado caiu de 11.814 km2 entre 2003 e 2004 para 2.476 entre 2006 e 2007.

O Globo, 27/05/2008, O País, p. 3

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